São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 2006
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Saúde

Procedimento usado em gestações múltiplas permite intervalo de até 22 dias entre o parto do primeiro bebê e o nascimento dos irmãos

Bebês a prestação

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Felipe, Gabriel e Carol


FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles foram concebidos no mesmo dia e dividiram alimento, oxigênio e espaço no útero da mesma mulher. Como quase sempre acontece com trigêmeos, a mãe entrou em trabalho de parto prematuro. Até aí, a história de Felipe, Carol e Gabriel não tem nada de incomum além da gravidez múltipla. Mas há um detalhe que torna o caso dessa família mais inusitado: Felipe é 22 dias mais velho do que os irmãos.
Em janeiro deste ano, após o parto do primeiro bebê, na 28ª semana de gravidez, os médicos conseguiram, à custa de medicamentos, manter por mais três semanas as outras crianças na barriga da mãe, a engenheira Beatriz Helena Monteiro Alckmin, 36. O objetivo foi evitar que todas nascessem muito antes do tempo. "Cada dia a mais no útero da mãe faz diferença", afirma o ginecologista e obstetra Carlos Eduardo Czeresnia, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, coordenador da equipe que realizou o trabalho.
Ele esclarece que o procedimento só se aplica a casos restritos: gestações múltiplas de fetos não univitelinos (que não resultam da fecundação de um único óvulo) nas quais o primeiro nascimento ocorre muito prematuramente, com até 28 semanas, aproximadamente. O primeiro parto deve ser normal e não pode ser desencadeado por infecção.
Uma vez retirado o primeiro bebê, tanto Beatriz quanto as crianças que estavam no útero ficaram sob constante observação. A mãe teve de tomar altas doses de medicamentos para bloquear as contrações do útero e barrar infecções. Para evitar que a ação da força da gravidade forçasse a saída dos bebês, ela foi deixada em uma cama posicionada de cabeça para baixo. Quando as contrações recomeçaram, foi feito o segundo parto -normal, no caso de Beatriz, já que as crianças estavam em posição favorável, mas, caso não estivessem, nada impedia que fosse por cesariana.
Carlos Eduardo Czeresnia diz que a técnica é realizada pontualmente por especialistas em alguns países, mas não é padronizada. No Brasil, como não há relatos de casos publicados, é difícil saber onde isso aconteceu e qual foi o intervalo conseguido entre os dois nascimentos. Os médicos ouvidos pela Folha (três deles já realizaram o procedimento) relataram que o máximo que já conseguiram ou sobre o qual ouviram falar no país foi de uma semana.
No ano passado, Czeresnia conseguiu um intervalo de 12 dias. No exterior, há relatos de quase cem dias.

Riscos
Uma limitação do procedimento é que médicos e pais têm de estar dispostos a correr riscos -pode ocorrer uma infecção ou uma hemorragia, prejudicando a saúde da mãe e dos bebês. Caso ocorra qualquer problema no processo, provoca-se o parto das crianças.
O risco de morte, segundo Czeresnia, não é grande, mas existe. "É estressante, mas, se fosse meu filho, eu não teria dúvida. A diferença no desenvolvimento das crianças é brutal."
O maior impacto da prematuridade ocorre no primeiro ano de vida do bebê. A chance de seqüelas aumenta quanto mais prematura for a criança.
Segundo Beatriz, a diferença na recuperação é nítida. "O Felipe nasceu com 1.070 g, ficou dois meses na UTI e passou por uma pequena cirurgia. Já o Gabriel e a Carol nasceram com 1.490 g e 1.580 g, ficaram internados só um mês e não tiveram mais nada", compara.
Na época, ela foi visitada pela advogada Juliana Fachada César Ribeiro, 30, que passou pela mesma experiência em 2005. Os trigêmeos de Juliana já completaram um ano, e, segundo ela, a diferença ainda é evidente. "A Sofia, a primeira a nascer, sempre foi menor do que o Felipe e a Helena. Os outros fazem tudo antes dela, engatinhar, ficar de pé..."

Parto postergado
O especialista em medicina fetal Adolfo Liao, do HC (Hospital das Clínicas) da USP (Universidade de São Paulo), fez uma revisão de literatura sobre o procedimento de adiar o segundo parto -que foi denominado, no HC, de "parto postergado". Como não encontrou casos publicados no Brasil, ele se baseou em artigos estrangeiros.
Segundo Liao, o primeiro relato de um nascimento de gêmeos com intervalo entre os partos é de 1880 e aconteceu espontaneamente. "Hoje, isso passou a ser usado como estratégia. A questão voltou a ser discutida porque, com tanta gente fazendo tratamento para engravidar, o parto de gêmeos ficou mais comum. O procedimento é válido, mas não pode ser tentado sempre", alerta. Entre os pontos controversos, Liao cita a dúvida sobre a administração ou não de medicamentos. "Os antibióticos podem prevenir infecção, mas também fazer com que uma infecção já instalada se torne mais grave", pondera.
No HC, quando é feita a tentativa, recorre-se só a observação, sem remédios. Até hoje, foi conseguido um intervalo de poucas horas, pois logo depois o parto acabava prosseguindo.


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