São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 2006
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Neurociência

Suzana Herculano Houzel

O cérebro funciona quando vemos TV?

Se você é daqueles que ligam a televisão querendo desligar o cérebro, tenho uma má notícia: seu cérebro funciona mesmo diante do mais imbecil dos programas. Claro que há várias maneiras de ver televisão. Existe "TV-papel-de-parede", "TV-rádio", "TV-cinema", "TV-jornal", "TV-babá", "TV-companhia-para-adormecer", "TV-não-quero-pensar-em-nada". Todas elas estimulam os sentidos, ainda que você adormeça. Há maneiras mais interessantes e criativas de fazer só isso, é verdade. Mas, quando você menos espera, a TV também consegue fazer você pensar. Jornais, entrevistas e outros "programas sérios" são óbvios provocadores-de-pensamentos, convites ao posicionamento pessoal e à elaboração de críticas e apreciações. Nesse sentido, programas realmente ruins, daqueles que ficam chafurdando no DNA alheio, também funcionam: com um pouco de sorte, seu cérebro acha aquilo acintoso e dá as ordens necessárias para seu dedo mudar de canal. Mas besteirinhas leves também fazem o cérebro funcionar. Estudos recentes de telespectadores assistindo a episódios de seriados como "Seinfeld" e "Os Simpsons" deixaram claro que achar graça dá trabalho ao cérebro. Apreciar o humor requer esforço cognitivo: antes de gargalhar, é preciso entender a piada, ou literalmente achar a graça. Circuitos diferentes do cérebro são acionados no processo. Encontrar a graça coincide com a ativação de regiões do lado esquerdo do cérebro que normalmente tanto processam a linguagem quanto resolvem ambigüidades contextuais -como as tiradas irônicas e as piadinhas de situação dos seriados americanos. Curtir a graça, por outro lado, casa com a ativação intensa de três regiões, dos dois lados do cérebro. Uma faz parte do sistema de recompensa, aquele conjunto de estruturas que cuidam de nos dar prazer quando fazemos algo bom. As outras duas cuidam das sensações corporais, base das emoções: a amígdala (não, não é a da garganta) e a ínsula (que monitora permanentemente o estado do corpo). Como bônus, rir ainda melhora a imunidade do organismo. Ou seja: assistir a comédias dá trabalho e prazer a corpo e cérebro. Claro que isso não justifica passar horas a fio em frente ao aparelho. Mas, pelo menos, não é preciso se sentir totalmente culpado de parar tudo para assistir àquele episódio da novela...


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent) e de "O Cérebro em Transformação" (ed. Objetiva) @ - suzanahh@folhasp.com.br


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