São Paulo, quinta-feira, 25 de junho de 2009
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NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel

O fator "gracinha"


[...] Não só os humanos têm bebês com feições características e inspiradoras de comentários do tipo "que gracinha"

Eles são cabeçudos, têm o rosto redondo, largo e gordo, uma testa enorme, olhos grandes e um narizinho de nada. Soa esquisito?
Pois assim é o rosto dos bebês humanos -e seu cérebro, leitor, parece ser pré-programado para achar essas proporções não apenas lindas, como especialmente motivadoras.
Não só os humanos têm bebês com feições características e inspiradoras de comentários do tipo "que gracinha". Para meus alunos, até os ratos recém-nascidos do meu laboratório são "fofinhos", e sabemos rapidamente diferenciar bebês zebras, macacos e elefantes dos adultos -embora não sejam animais do nosso convívio.
Foi pensando nessa facilidade de identificação do "tipo bebê", sempre acompanhada de "derretimento comportamental" e reações de aproximação, que um grupo de cientistas da Universidade da Pensilvânia decidiu investigar a reação do sistema de recompensa de mulheres sem filhos à visão de bebês humanos.
De dentro de uma máquina de ressonância magnética, as voluntárias viam fotos de bebês cujas características "bebezísticas" -o tal rosto redondo e o tamanho das feições- haviam sido artificialmente exageradas ou atenuadas (nada como pesquisar em tempos de computação gráfica!), e indicavam se cada um "era uma gracinha", não era ou era muito.
A visão dos rostos infantis ativa os suspeitos habituais, que respondem à visão de qualquer rosto agradável: o córtex fusiforme (que detecta rostos), o córtex da ínsula (que representa emoções), o estriado ventral (parte do sistema de recompensa, que indica quando algo interessante acontece) e o córtex órbito-frontal (que registra aquilo que foi bom, para que seja repetido depois).
Mas, quanto mais fortes são os "traços bebezísticos" na imagem, mais forte é a ativação do estriado ventral -e o rostinho da vez então recebe cotação máxima no fator "gracinha".
O grupo propõe que a ativação do sistema de recompensa por feições "bebezísticas" é automática e inata (já que até os próprios bebês parecem preferir feições de bebês a rostos adultos) e seria fundamental e de grande valor evolutivo para inspirar cuidados com a prole.
Falta, ainda, enfiar homens na máquina para espiar como seu estriado reage a bebês -mas fica a suspeita de que a resposta será parecida (ainda que nossa cultura imponha-lhes restrições).
Afinal, somos seres que exageram o tamanho da cabeça de qualquer animal que vire estrela da Pixar, Dreamworks ou Disney -e gostamos do resultado.


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do blog "A Neurocientista de Plantão"
( www.suzanaherculanohouzel.com )

suzanahh@gmail.com



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