São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2008
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NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel

Respirar sem pensar


[...] Quando sonhamos, todos os músculos são paralisados, menos os dos olhos e os da respiração

Eu era criança quando, deitada na cama e pronta para dormir, bateu-me uma preocupação horripilante: quando eu adormecesse e não pudesse mais prestar atenção na minha respiração, eu pararia de respirar?
Por várias noites, fiquei acordada na cama monitorando minhas inspirações, com medo de dormir.
Acabava adormecendo, claro -e descobria, no dia seguinte, que não tinha morrido. Algumas dessas constatações tranqüilizadoras depois, esqueci o assunto. Mas só na pós-graduação fui descobrir as três razões da minha sobrevivência, e de nós todos, noite após noite.
A primeira é que, por mais que se goste de pensar (e ensinar) que os movimentos se dividem em "voluntários" e "involuntários", todos os primeiros começam como os segundos, e ganham status de "desejados intencionalmente" quando se tornam alvo da atenção e são associados às previsões internas do cérebro para os instantes seguintes. Isso significa que, por mais que você possa mover seus dedos quando quiser, eles também se movem quando necessário sem que você precise dar bola para eles, um a um. Assim, você pode prestar atenção em outras coisas enquanto seus dedos resolvem problemas banais como segurar um garfo ou a bolsa. Assim, também, seu diafragma e seus músculos intercostais cuidam da inspiração cerca de dez vezes por minuto enquanto você dedica sua atenção a outros assuntos -ou, ao contrário, resolve forçar uma inspiração, como provavelmente vai fazer agora (não vai?).
A segunda razão de nossa sobrevivência se chama Centrais Geradoras de Padrões (CPGs), circuitos localizados na parte mais inferior do encéfalo cujos neurônios geram sozinhos padrões complexos de movimentos rítmicos alternados -como andar, correr, e também inspirar e expirar. Por mais que a CPG da respiração possa ser influenciada pelo córtex, permitindo que você inspire quando quiser, ela gera inspiração após inspiração, ritmicamente, sem precisar de atenção; funciona permanentemente, mesmo quando você adormece; e ainda é dotada de mecanismos de segurança que forçam a inspiração quando o nível de oxigênio no sangue cai (causa, aliás, de afogamentos: depois de um tempo segurando a respiração sob a água, inspirar é inevitável).
A terceira, por final, é uma exceção à regra. Quando sonhamos, todos os músculos do corpo são paralisados -menos os dos olhos e os da respiração. A neurociência garante: mesmo dormindo, o cérebro continuará respirando. Durma tranqüilo, e bons sonhos!


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do site "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (www.cerebronosso.bio.br)

suzanahh@folhasp.com.br


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