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Outras idéias - Dulce Critelli
Ensinar a pensar
"De pensar morreu um burro." "Quem
pensa não faz"...
Muitos ditos populares expressam um certo
sarcasmo e um desprezo em relação ao pensar, revelando uma
crença, alimentada há séculos,
de que o pensar atrapalha, emperra a ação, é coisa de quem
não tem nada para fazer.
Quando se trata, então, da filosofia, esse deboche vai ainda
mais longe, afirmando que todo pensador não possui pé na
realidade e vive numa torre de
marfim.
É certo que o tempo da reflexão conflita com a urgência do
agir. Mas nem sempre todo agir
é assim urgente e, na maioria
da vezes, parar para pensar nos
salva de decisões equivocadas e
prejudiciais. Pensar a respeito
de alguma coisa ou de algum
acontecimento é compreender
os seus verdadeiros sentidos e
significados.
Um artigo publicado na Folha no dia 1º de outubro deste
ano comentava o Saeb, exame
federal de avaliação da aprendizagem de alunos do último
ano do ensino médio. Mal alfabetizados, esses adolescentes,
nas palavras do jornalista, "não
conseguem, por exemplo, compreender o efeito de humor
provocado por ambigüidade de
palavras ou reconhecer diferentes opiniões em um mesmo
texto".
Quem não sabe ler não sabe
distinguir nem rir de fato, nem
pensar. É presa fácil de mistificações e sujeições, obediente a
tudo o que causar a impressão
mais forte.
O pensar, diz Sócrates, "abre
os olhos do espírito". E isso
quer dizer que a reflexão explicita mal-entendidos, desvela
segundas intenções, percebe
mentiras, desautoriza preconceitos, descobre manipulações... Em decorrência, sentimo-nos capacitados para escolher, dizer não, colocar limites,
mudar a ordem das coisas, redefinir destinos, desarticular
dominações...
Em outras palavras, o pensar
prepara nossa liberdade e nossa autonomia tanto quanto nos
faz reconhecer as responsabilidades que nos cabem nas situações vividas.
Liberdade e autonomia, convenhamos, não são comportamentos muito bem-vindos na
esfera político-social, porque
ameaçam o poder vigente.
E, na esfera da vida privada, a
responsabilidade é, na maioria
das vezes, temida e recusada
pelas pessoas, porque cria encargos e compromissos.
Liberdade, autonomia, responsabilidade?... O pensar põe
em perigo. E, em grande parte,
por isso mesmo, ele é estrategicamente convertido em objeto
de escárnio.
Ensinar a pensar. É esse o
único projeto que poderia nos
tirar do atoleiro de pobreza, de
violência e de impotência em
que vivemos. É um projeto cuja
origem não está em nenhuma
economia nem ideologia ou
política oficial. Não precisa de
equipamentos especiais nem
depende da criação de uma secretaria do pensamento. É só
uma atitude. Ensinar a pensar,
aprender a pensar.
[...] A REFLEXÃO EXPLICITA MAL-ENTENDIDOS, DESVELA SEGUNDAS INTENÇÕES, DESAUTORIZA PRECONCEITOS, DESCOBRE MANIPULAÇÕES...
DULCE CRITELLI, terapeuta existencial e
professora de filosofia da PUC-SP, é autora
de "Educação e Dominação Cultural" e
"Analítica de Sentido" e coordenadora do
Existentia -Centro de Orientação e Estudos da
Condição Humana
dulcecritelli@existentia.com.br
Leia na próxima semana a coluna de Wilson Jacob Filho
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