São Paulo, quinta-feira, 26 de abril de 2007
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Outras idéias - Wilson Jacob Filho

Direitos e deveres

Foi uma conversa difícil, mas muito produtiva. Nesta semana, uma comitiva com mais de 20 idosos me solicitou um horário para uma reunião considerada inadiável. São eles participantes de um programa de promoção da saúde organizado há quase 23 anos. Na pauta, a discussão sobre uma proposta de mudança na programação dessa atividade. É fácil explicar os motivos.
Como o número de participantes supera o espaço destinado às atividades, foi sugerido que eles fossem divididos em duas turmas, com a programação mais voltada para atividades físicas ou para um ciclo de palestras. Só que, no novo formato, cada um só poderia participar de uma ou de outra atividade. Ninguém aprovou a idéia. Todos reclamaram seus direitos, adquiridos nos muitos anos de participação. Houve espaço para choramingos, seduções, ameaças e argumentações.


[...] O mesmo idoso que luta para recuperar seus direitos deve incorporar os deveres inerentes à plena cidadania


Não há como deixar de sentir orgulho ao ver esse grupo unido e organizado em prol de uma causa comum. Quando foram selecionados para entrar no programa, tinham como característica principal o descontentamento com o próprio envelhecimento. Foram incluídos, por isso, em uma programação que visa promover o envelhecimento saudável. Por outro lado, foi desconfortável perceber que as queixas deviam-se à necessidade de optar. Muitos disseram textualmente: "Quero tudo o que é meu direito". Esqueceram-se de que é contra esse padrão de pensamento que trabalhamos.
Quando alguns têm tudo é porque muitos ficarão sem nada. Entendo seus motivos. Por muitos anos, o envelhecimento se caracterizou por uma progressiva marginalização. Lutamos muito para modificar esse conceito, mas não podemos permitir que o processo imite o movimento de um pêndulo e caminhe para o outro extremo. O mesmo idoso que luta para recuperar seus direitos deve incorporar os deveres inerentes à plena cidadania, que incluem a tomada de decisões e a contribuição para que muitos possam participar dos avanços sociais.
Nesse propósito, quem envelhece tem ferramentas incomparáveis a seu favor: o acúmulo de experiências, a comparação dos métodos antigos com os atuais, a paciência para esperar o momento mais oportuno e o tempo disponível para escolher o caminho adequado. Tudo isso, chamado de "sabedoria da idade", constitui-se em um instrumental imprescindível para quem quer realizar viagem longa, duradoura e prazerosa. Não me desculpem, pois, queridos amigos, por ter-lhes criado um problema. Foi proposital. Ele faz parte do nosso aprendizado.
WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)

wiljac@usp.br


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