São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 2005
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S.O.S. família

Rosely Sayão

Outras opções de alimentação

Contradições e incoerências são características humanas e, no mundo contemporâneo, ficam cada vez mais intensas em vários aspectos da vida. Assim tem sido, por exemplo, com relação à alimentação. Basta dar uma folheada em qualquer publicação dirigida ao público feminino -e isso só para ficar em um único segmento da mídia. Invariavelmente, dois assuntos são sempre temas de reportagens no mesmo exemplar: dietas e receitas. As dietas visam à perda de peso, e as receitas visam ao prazer à mesa. A questão é que as dietas recomendam menor ingestão de alimentos ou de calorias, e as receitas quase sempre têm ingredientes que as dietas restringem. Em resumo: comer, comer, comer, emagrecer, emagrecer, emagrecer. Como pode?


Como nossa disponibilidade tem sido escassa, crianças e jovens têm ficado sem escolha: sucumbem aos apelos de consumo das guloseimas


Os mais vulneráveis a essas contradições são as crianças e os jovens em fase de educação, que aprendem suas lições muito mais no espaço que fica aberto entre o discurso e o comportamento dos adultos que os rodeiam do que nas lições a eles endereçadas.
Nunca se soube tanto a respeito de nutrição. As informações que temos sobre os alimentos são cada vez mais precisas, já que estudos e pesquisas têm ocorrido com muita freqüência. Só há um problema: a velocidade da construção do conhecimento nessa área tem sido tão alta que alguns dados nos deixam em situação desconfortável, já que apontam para lados opostos. Isso significa que temos de fazer nossas escolhas diariamente, com as informações que nos chegam e apesar delas.
E que escolhas temos feito quando se trata de introduzir nossos filhos nesse mundo rico, saboroso e cheio de cores e formas da alimentação? Em tese, sabemos que precisamos ensiná-los a comer bem, ou seja, a se alimentarem de modo saudável. Na prática, nosso estilo de vida nos leva a optar pelo mais simples e por aquilo que, à primeira vista, dá mais prazer a eles. Não vamos esquecer que a ideologia atual nos impinge a garantir a felicidade aos filhos. Isso significa colocar disponível a eles todo tipo de guloseima.
Não é preciso esforço nenhum para ensinar uma criança a experimentar e a gostar de doces. Já, para ensinar a comer legumes e verduras, é preciso dedicação, paciência e perseverança. Aliás, assim é com todo ato educativo. Lembra-se disso? Como nossa disponibilidade tem sido escassa, crianças e jovens têm ficado sem escolha: sucumbem aos apelos do mercado de consumo das guloseimas. Resultado: muitos jovens e crianças têm apresentado sobrepeso e distúrbios alimentares. Isso requer uma mudança de atitude.
Muitas escolas já perceberam que precisam intervir nessa questão. Cantinas restringem, quando não excluem totalmente, a chamada "junkie food". Desse modo, em vez de ter a oferta de um pacote de batata frita, por exemplo, o aluno tem a de frutas.
E como respondem os pais? Continuam recheando as lancheiras dos filhos com porcarias deliciosas. Uma professora de educação infantil contou-me que, em um grupo de quase 15 alunos de idades entre cinco e seis anos, é raro encontrar frutas e lanches saudáveis na merenda enviada pelos pais. O que eles levam para a escola? Salgadinhos, bolos, doces, bebidas lácteas, iogurtes, achocolatados.
Desse jeito, a criançada tem tudo para chegar à adolescência, que é um momento de mudanças físicas e fisiológicas, com dificuldades para cuidar da própria alimentação. É importante ressaltar que se trata não de tirar essas gostosuras do cardápio, mas de oferecer outras opções. Quando pequenos, os filhos podem aprender a ter opções que farão parte do leque de escolhas que terão mais tarde, na adolescência e na vida adulta. E educar com liberdade é isso: oferecer diferentes possibilidades e ensinar que cada decisão tem suas conseqüências. Será que temos ensinado aos filhos, na questão da alimentação, que eles têm escolhas ou temos deixado que fiquem expostos à determinação do mercado?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br



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