São Paulo, quinta-feira, 26 de agosto de 2004
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s.o.s. família

rosely sayão

Ensinar o que é suficiente é mais que dizer não

Outro dia, ao conversar com a mãe de uma garota já na adolescência e de um menino com pouco mais de nove anos, ouvi dela uma queixa que era também um pedido de ajuda e de orientação. A mãe, sempre muito atenta às atitudes que toma com os filhos, contou que vive um sério dilema em seu cotidiano ao receber os pedidos que eles fazem das coisas que desejam ter -tais como um modelo novo de celular, uma roupa ou um tênis diferentes etc. A pergunta que ela se faz -para a qual ainda não conseguiu uma resposta que a satisfaça- é que referência deve usar para nortear suas respostas, já que, do ponto de vista financeiro, ela não tem nenhum impedimento.
Muito interessante a reflexão dessa mãe, não é? Mesmo querendo e podendo dar quase tudo o que os filhos pedem, ela julga que não deve atender a todas as solicitações que eles fazem. O que ela vislumbrou, mesmo sem se dar conta, é que a educação e a formação dos filhos não pode basear-se apenas no seu poder de compra. Mas o que podem considerar os pais para decidir por ceder ou negar algo aos filhos?
Em primeiro lugar -é claro-, é preciso avaliar se os filhos realmente necessitam do que pedem. Só que essa necessidade não pode ser julgada pelos argumentos que eles apresentam, já que eles sempre são excelentes defensores de suas pequenas causas. É preciso avaliar com olhos de adulto o pedido que fazem, e isso significa saber ponderar.
É necessário um garoto de nove anos ter um celular de último modelo? Para ele, que convive com colegas que exibem os modelos mais novos que permitem tirar fotos, usar jogos e enviar recados aos colegas, é claro que é necessário. Mas o adulto sabe que o telefone celular é apenas um meio de comunicação, nada mais.
Isso significa que a pergunta pode, até mesmo, ser bem mais ampla: é necessário um garoto de nove anos ter um telefone celular? A necessidade deve ser analisada, portanto, de acordo com a idade do filho, a motivação para tanto e, principalmente, a motivação implícita e explícita que o filho apresenta para justificar sua demanda.
Uma segunda questão deve acompanhar essa primeira na avaliação que os pais fazem. Além de a necessidade ser pertinente ou não, é bom considerar também se o que o filho pede é uma boa medida a respeito do que lhe é suficiente ter.
Sim, em tempos de estímulo ao consumo e à voracidade, de grandes desigualdades sociais e de culto à individualidade, ignorando-se o bem comum, é bom ensinar o filho, na prática, que é possível conter excessos sem grandes dramas. Esse ensinamento vai ecoar bem além dos excessos relativos à aquisição de bens, é bom lembrar.
Voltemos ao nosso exemplo -o do telefone celular. Caso os pais tenham considerado necessário que o filho tenha um celular, é preciso agora avaliar o pedido referente ao modelo que ele almeja, em geral seduzido pela publicidade -que, aliás, trata o telefone celular como se ele fosse ou significasse outra coisa- e inconformado em ser diferente ou menos que os colegas. Para aprender a usar e a usar bem o telefone, é absolutamente prescindível que ele tenha todas as opções que o filho costuma pedir. Aí é hora de enfrentar a frustração do filho, as chantagens todas que ele é capaz de fazer, as reclamações e tudo o mais a que ele tem direito. E, é claro, é preciso justificar a decisão para que, aos poucos, ele vá apreendendo esse modo de viver que os pais ensinam.
Não se trata apenas de dizer "não" ao filho para evitar dizer "sim" a tudo, tampouco de privá-lo de algumas coisas para que aprenda a enfrentar suas carências e suas frustrações. Trata-se, principalmente, de ensiná-lo a ser crítico aos apelos de consumo e a aprender a discernir as coisas de que precisa para viver e a discriminar o que lhe é suficiente para tanto. Assim, ele terá mais chances de não ser alguém disposto a devorar a tudo e a todos os que provocam seu interesse na vida, fato tão comum nestes nossos dias.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha), entre outros. E-mail: roselys@uol.com.br


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