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s.o.s família - rosely sayão
Pai que não tem persistência deve encontrá-la
Criança merece ser tratada como criança que é e com respeito e dignidade. Infelizmente, não tem sido assim para muitas delas. E nem vou falar a respeito das que precisam trabalhar para ajudar a família, das que não
têm o que comer, das que não podem ir à escola nem têm onde morar, das que são tratadas
com violência pela família e pela sociedade
etc. Vou falar das que fazem parte de um grupo especial: das que têm pai e mãe, casa e conforto, brinquedos e oportunidades para brincar, entre outras coisas, mas que, frequentemente, são tratadas ora como adultos que não
são, ora como nenês que já não são mais.
Basta observar bem o que acontece no espaço público quando pais e mães convivem com
seus filhos para ver o quanto se equivocam os
adultos quando se relacionam com as crianças.
Lembro-me, por exemplo, do último fim de
semana em que passei por um local de parada
em uma estrada onde muitas famílias aguardavam a chuva diminuir para seguir viagem.
Uma delas, composta por mãe, pai e uma filha
de uns quatro anos, tomava um lanche. Não
sei o que a garotinha aprontou, mas o que vi
foi o pai dizer a ela algo assim: "Minha filha,
você precisa ter consciência de que isso não
pode acontecer de novo. Eu já estou perdendo
a paciência. Você pensa que sou o quê? Quantas vezes você quer que eu diga a mesma coisa?
Assim não dá para a gente viver bem. Agora,
está na sua mão: você escolhe se quer viver
bem com a gente ou não".
Olhei para a garota, e ela ouvia o pai com a
maior atenção, olho lacrimejando, mas sem
chorar, o que deixava claro que ela entendia
muito bem que estava levando uma bronca.
Criança pequena é esperta o suficiente para
entender muito bem o conteúdo da maior
parte do que os pais lhe dizem. O que a filha de
quatro anos entendeu do que o pai lhe disse foi
direto ao ponto: ela ficou com receio de perder
o amor dele. E isso é o suficiente para fazer
com que ela procure não repetir a mesma coisa. Pelo menos, não nos próximos minutos,
horas ou até dias. E, então, pronto: a mágica
acaba porque a criança esquece ou releva o
que o pai disse depois de um certo período.
Agora, exigir que a criança se responsabilize
por suas atitudes, como se isso fosse uma escolha, uma decisão, é tratá-la como adulto.
Aliás, é bom lembrar que nem sempre os próprios adultos se comportam assim, não é verdade?
Do mesmo modo, trata-se criança como
adulto quando se deixam nas mãos dela determinadas responsabilidades. Como bem lembrou um leitor em uma carta: os pais devem
delegar aos filhos pequenos tarefas, não responsabilidade. Isso é coisa de gente grande.
Criança precisa, sim, receber limites, levar
bronca, ser corrigida segundo o modelo da família à qual pertence. Aliás, creio que nunca
ninguém defendeu o contrário disso. A questão, portanto, não é o que fazer com a criança,
mas como.
A fórmula é simples: criança precisa receber
lições adequadas a crianças para que possa
aprender. Mas a prática não é tão simples assim, e um dos motivos é que os adultos têm
ânsia de que os filhos aprendam logo para que
eles possam se ver livres de sua responsabilidade de educar.
É bom lembrar e relembrar: o processo educativo de responsabilidade dos pais só termina
quando o filho se torna apto a se responsabilizar por sua vida, e isso só acontece lá pelo final
da adolescência. Senhores pais: paciência, insistência e persistência são qualidades que
quem não tem precisa arranjar. E quem acredita que não tem como conseguir praticar essas características, melhor pensar bem antes
de decidir ter filhos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
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