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São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 2003
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foco nele

Portador de paralisia dá aulas de dança

Marcelo Barabani/Folha Imagem
O bailarino Marcos Abranches, 25 anos


KÁTIA FERRAZ
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O bailarino Marcos Abranches, 25 anos Ele nasceu com paralisia cerebral e até pouco tempo atrás não conseguia levantar da cama sozinho. Hoje, Marcos Abranches, 25 anos, apesar de se movimentar com dificuldade e de nunca ter imaginado que um dia pudesse se tornar bailarino profissional, faz parte de dois grupos de balé e foi convidado para ministrar uma oficina de dança para outros portadores de paralisia. O curso, inédito, vai acontecer a partir de abril na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado de Cultura.
"A dança mudou a minha vida e recuperou minha auto-estima. Quero poder passar essa experiência a outras pessoas para que elas, assim como eu, possam encontrar o seu caminho", afirma.
No palco, Abranches é estagiário da companhia FAR-15, do coreógrafo Sandro Borelli, com quem iniciou sua carreira há três anos. Ao mesmo tempo em que participa dos ensaios do próximo espetáculo do FAR-15, baseado no livro "O Processo", de Franz Kafka, o bailarino está na reta final para a estréia de "João/Maria", espetáculo do grupo de balé profissional P.U.L.T.S (Por um Mundo tão Sonhado).
Para Sandro Borelli, o talento e a determinação do jovem foram fundamentais para que ele ingressasse no grupo. "Nunca tratei o Marcos como um deficiente, muito pelo contrário, exijo dele tanto quanto dos outros integrantes." A mãe de Abranches, Eliety Abranches, diz que nunca havia imaginado que a dança pudesse mudar tanto a vida de seu filho. "Ele desenvolveu a coordenação motora e tornou-se mais desinibido; sinto um brilho em seu olhar", comenta. Nesta entrevista, o bailarino fala do desenvolvimento de sua carreira e da expectativa em relação à oficina de dança.


"Descobri que a deficiência não é um obstáculo. Há pessoas que têm preconceito, mas não ligo, eu sou o que sou e tenho o meu espaço. Cada um veio ao mundo para viver, para cumprir o que Deus colocou no caminho. No meu caso, Ele colocou a dança"



Folha - Como você descobriu sua veia artística?
Marcos Abranches -
Gostava de assistir a apresentações de dança, a algumas performances, e, nessas ocasiões, vinha algo de dentro de mim questionando por que eu não poderia estar naquele palco. Comecei um curso de dança na Estação Especial da Lapa [que oferece atividades para portadores de deficiência] e fui começando a me descobrir. Até que um dia vi uma apresentação do Sandro Borelli no Teatro Mars, em São Paulo. Ele estava preparando o espetáculo "O Senhor dos Anjos", baseado na obra do poeta Augusto dos Anjos. Fizemos um contato rápido, e ele me telefonou pedindo para eu gravar uma poesia para o espetáculo. Comecei a frequentar os ensaios diariamente como espectador e me empolgava a cada dia. As pessoas do grupo me receberam muito bem, e eu já me sentia um integrante. Até que fiz um teste e fui aceito como estagiário. Tive uma alegria que nunca havia experimentado em toda a minha vida. Não sei nem descrever como me senti quando estreamos no SESC, há dois anos e meio, de tão bom que foi. Até a crítica fez excelentes comentários.

Folha - Como a dança modificou a sua vida?
Abranches -
A dança se tornou uma fisioterapia; vem me ajudando na minha postura e na minha coordenação motora e me fez acreditar em um mundo melhor. A dança virou uma rotina. Descobri que a deficiência não é um obstáculo. Há pessoas que têm preconceito, mas não ligo, eu sou o que sou e tenho o meu espaço. Cada um veio ao mundo para viver, para cumprir o que Deus colocou no caminho. No meu caso, Ele colocou a dança.

Folha - Como é o seu trabalho no P.U.L.T.S e no FAR-15?
Abranches -
O P.U.L.T.S (Por um Lugar tão Sonhado) é um grupo de dança independente, no qual estou há cinco meses; agora, estamos finalizando o espetáculo "Maria/João", que tem coreografia de Jorge Garcia e Marcelo Bucoff. O FAR-15 é o grupo do Sandro Borelli, onde estou estudando há quase três anos. Sou estagiário, e o Sandro tem me incentivado muito. Ele não me trata diferente de ninguém e é bastante exigente, o que acaba sendo ótimo. Tenho consciência de que preciso me aprimorar bastante.

Folha - Como surgiu a oficina de dança para portadores de paralisia cerebral? Qual a sua expectativa?
Abranches -
Fui procurado pela direção da Oficina Cultural Oswald de Andrade para realizar esse trabalho e estou bastante ansioso. Os portadores de deficiência costumam ser fechados, muito tímidos. Tenho certeza de que, com a dança, eles serão capazes de deixar de lado a timidez, de se tornarem pessoas abertas, como aconteceu comigo. Minha expectativa é a de poder compartilhar tudo o que venho desenvolvendo. Quero ajudar as pessoas que têm a mesma deficiência que eu a adquirir noção corporal, a ter mais contato com outras pessoas e, quem sabe, até a se interessarem em continuar dançando. A oficina não tem o objetivo de ser profissionalizante, mas pode ser um início. O que acho legal é que vou dividir o ensino com a bailarina e fisioterapeuta Larissa Miwakouma, também do grupo P.U.L.T.S, que poderá estimular bastante a parte de coordenação motora.

Folha - Você pretende avançar ainda mais na carreira de bailarino?
Abranches -
Quero me tornar um coreógrafo. Sei que ainda estou no início, por isso tenho que me dedicar e me aprimorar bastante. Não tenho pressa. Agora que descobri o meu caminho, sei que tenho todo o tempo do mundo.


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