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foco nele
Portador de paralisia dá aulas de dança
Marcelo Barabani/Folha Imagem
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O bailarino Marcos Abranches, 25 anos |
KÁTIA FERRAZ
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O bailarino Marcos Abranches, 25 anos
Ele nasceu com paralisia cerebral e até
pouco tempo atrás não conseguia levantar da cama sozinho. Hoje, Marcos
Abranches, 25 anos, apesar de se movimentar com dificuldade e de nunca ter
imaginado que um dia pudesse se tornar
bailarino profissional, faz parte de dois
grupos de balé e foi convidado para ministrar uma oficina de dança para outros
portadores de paralisia. O curso, inédito,
vai acontecer a partir de abril na Oficina
Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado de Cultura.
"A dança mudou a minha vida e recuperou minha auto-estima. Quero poder
passar essa experiência a outras pessoas
para que elas, assim como eu, possam encontrar o seu caminho", afirma.
No palco, Abranches é estagiário da
companhia FAR-15, do coreógrafo Sandro Borelli, com quem iniciou sua carreira há três anos. Ao mesmo tempo em que
participa dos ensaios do próximo espetáculo do FAR-15, baseado no livro "O Processo", de Franz Kafka, o bailarino está
na reta final para a estréia de "João/Maria", espetáculo do grupo de balé profissional P.U.L.T.S (Por um Mundo tão Sonhado).
Para Sandro Borelli, o talento e a determinação do jovem foram fundamentais
para que ele ingressasse no grupo. "Nunca tratei o Marcos como um deficiente,
muito pelo contrário, exijo dele tanto
quanto dos outros integrantes." A mãe
de Abranches, Eliety Abranches, diz que
nunca havia imaginado que a dança pudesse mudar tanto a vida de seu filho.
"Ele desenvolveu a coordenação motora
e tornou-se mais desinibido; sinto um
brilho em seu olhar", comenta. Nesta entrevista, o bailarino fala do desenvolvimento de sua carreira e da expectativa
em relação à oficina de dança.
"Descobri que a deficiência não é um obstáculo. Há pessoas que têm preconceito, mas não ligo, eu sou o que sou e tenho o meu espaço. Cada um veio ao mundo para viver, para cumprir o que Deus colocou no caminho. No meu caso, Ele colocou a dança"
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Folha - Como você descobriu sua veia artística?
Marcos Abranches - Gostava de assistir a
apresentações de dança, a algumas performances, e, nessas ocasiões, vinha algo
de dentro de mim questionando por que
eu não poderia estar naquele palco. Comecei um curso de dança na Estação Especial da Lapa [que oferece atividades para portadores de deficiência] e fui começando a me descobrir. Até que um dia vi
uma apresentação do Sandro Borelli no
Teatro Mars, em São Paulo. Ele estava
preparando o espetáculo "O Senhor dos
Anjos", baseado na obra do poeta Augusto dos Anjos. Fizemos um contato rápido, e ele me telefonou pedindo para eu
gravar uma poesia para o espetáculo. Comecei a frequentar os ensaios diariamente como espectador e me empolgava a cada dia. As pessoas do grupo me receberam muito bem, e eu já me sentia um integrante. Até que fiz um teste e fui aceito
como estagiário. Tive uma alegria que
nunca havia experimentado em toda a
minha vida. Não sei nem descrever como
me senti quando estreamos no SESC, há
dois anos e meio, de tão bom que foi. Até
a crítica fez excelentes comentários.
Folha - Como a dança modificou a sua vida?
Abranches - A dança se tornou uma fisioterapia; vem me ajudando na minha
postura e na minha coordenação motora
e me fez acreditar em um mundo melhor.
A dança virou uma rotina. Descobri que
a deficiência não é um obstáculo. Há pessoas que têm preconceito, mas não ligo,
eu sou o que sou e tenho o meu espaço.
Cada um veio ao mundo para viver, para
cumprir o que Deus colocou no caminho. No meu caso, Ele colocou a dança.
Folha - Como é o seu trabalho no P.U.L.T.S
e no FAR-15?
Abranches - O P.U.L.T.S (Por um Lugar
tão Sonhado) é um grupo de dança independente, no qual estou há cinco meses;
agora, estamos finalizando o espetáculo
"Maria/João", que tem coreografia de
Jorge Garcia e Marcelo Bucoff. O FAR-15
é o grupo do Sandro Borelli, onde estou
estudando há quase três anos. Sou estagiário, e o Sandro tem me incentivado
muito. Ele não me trata diferente de ninguém e é bastante exigente, o que acaba
sendo ótimo. Tenho consciência de que
preciso me aprimorar bastante.
Folha - Como surgiu a oficina de dança
para portadores de paralisia cerebral?
Qual a sua expectativa?
Abranches - Fui procurado pela direção
da Oficina Cultural Oswald de Andrade
para realizar esse trabalho e estou bastante ansioso. Os portadores de deficiência costumam ser fechados, muito tímidos. Tenho certeza de que, com a dança,
eles serão capazes de deixar de lado a timidez, de se tornarem pessoas abertas,
como aconteceu comigo. Minha expectativa é a de poder compartilhar tudo o
que venho desenvolvendo. Quero ajudar
as pessoas que têm a mesma deficiência
que eu a adquirir noção corporal, a ter
mais contato com outras pessoas e,
quem sabe, até a se interessarem em continuar dançando. A oficina não tem o objetivo de ser profissionalizante, mas pode
ser um início. O que acho legal é que vou
dividir o ensino com a bailarina e fisioterapeuta Larissa Miwakouma, também
do grupo P.U.L.T.S, que poderá estimular bastante a parte de coordenação motora.
Folha - Você pretende avançar ainda
mais na carreira de bailarino?
Abranches - Quero me tornar um coreógrafo. Sei que ainda estou no início, por isso tenho que me dedicar e me aprimorar bastante. Não tenho pressa. Agora que descobri o meu caminho, sei que tenho todo o tempo do mundo.
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