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s.o.s família - rosely sayão
Respeitar os idosos é aceitar o próprio futuro
O que temos ensinado aos nossos filhos a
respeito da velhice? Pelo jeito, não temos
passado boas lições sobre o assunto, e quem
levantou o tema de nossa conversa de hoje foi
o pai de um bebê de dez meses. Em sua correspondência, ele conta que teve de ir a um ambulatório de um hospital e, na sala de espera, encontrou muita gente. Acomodados nas cadeiras disponíveis no local estavam vários jovens
e adultos e, em pé, várias senhoras -com
mais de 70 anos-, uma delas cega. Parece que
ninguém "viu" as idosas, ou seja, ninguém cedeu o lugar mais confortável a elas.
"O que aconteceu? De quem é a culpa pelo
comportamento dessa geração que não se importa se um senhor com bengala está em pé
com muito custo? Das escolas? Dos pais, que
não ensinam o respeito aos outros -ou, se
ensinam, praticam o oposto?" A indignação e
a reflexão de nosso leitor, expressas nessas
perguntas, fazem muito sentido. Só que pais e
escolas não estão sozinhos nessa história.
É bom lembrar que vivemos um tempo em
que ninguém quer envelhecer: usamos todos
os recursos para maquiar a idade e temos bons
motivos para isso. O velho não é bem-visto
-nem sequer é visto- pela sociedade. Quem
tem mais de 50 anos tem dificuldade para arrumar emprego, encontrar um parceiro quando está sozinho, ter um programa de lazer
adequado e ser respeitado pelas crianças e pelos jovens. A palavra "coroa" deixou de ter um
sentido carinhoso -se é que um dia já teve-
e passou a ser pejorativa. Ofende-se quem é
chamado de "coroa", mas a mesma pessoa pode sentir-se orgulhosa quando o adjetivo escolhido é "animal".
Recentemente, pudemos ler a seguinte nota
na revista "Veja": "Bruna Lombardi estrela a
edição de março da revista "Vip" disposta a
provar que uma cinquentona, com a genética
e os ângulos certos, pode continuar a ser considerada mulher". O recado social é claro: depois dos 50, perde-se a humanidade e a cidadania. Se não admitimos envelhecer, faz sentido ignorar que é preciso ensinar crianças e jovens a respeitar os idosos, não é? Fazemos de
conta que quem é velho já morreu e pronto.
Respeitar o velho -escondido até na denominação "terceira idade" ou "melhor idade"- não é apenas uma questão de bons modos. Respeitar o idoso é reverenciar a experiência de vida, o conhecimento, a sabedoria
acumulada de quem viveu e aprendeu, de
quem sofreu, de quem tem um passado e uma
história, de quem colaborou com a construção
desse mundo e de quem deu a vida a quem hoje é jovem. Respeitar o velho é preservar nossa
memória, aceitar o futuro e reconhecer o passado. Mas parece que o que vale hoje é o presente: viver o aqui e o agora é imperativo. Vivendo assim, como será o amanhã?
Temos um problema: a população brasileira
envelhece, e os dados do censo são prova disso. Que contradição é essa que nos faz cegos a
essa realidade? Ensinar e estimular crianças e
jovens a conviver com os velhos pode ser positivo para ambos: aos mais novos, para que
aprendam sobre a vida e a importância dos
vínculos afetivos e dos compromisso assumidos, e aos mais velhos, para que ganhem um
sopro de alegria, de entusiasmo, de esperança.
Uma amiga contou que, no supermercado,
observou uma cena interessante. Uma velha
senhora fazia suas compras acompanhada da
neta de mais ou menos 12 anos, que, consciente da importância de seu papel, desempenhava-o de modo exemplar. Apontava o que a avó
precisava, perguntava as preferências dela, dirigia o carrinho, fazia tudo o que fosse necessário para poupar a avó o mais que pudesse.
De tão inusitada, a cena chamou a atenção de
outra mulher que não se conteve e disse:
"Muito bem, ajudando a avó a fazer compras;
meus parabéns!".
O lugar destinado ao velho em nossa sociedade se expressa na educação que damos a filhos e alunos. Temos, no mínimo, um motivo
bem egoísta para ter mais cuidado com essa
questão: vamos envelhecer. E nossos filhos
também. Por incrível que pareça.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br.
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