São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2008
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saúde

crescer pode doer

Muito incômodas para algumas crianças e adolescentes, dores do crescimento podem confundir médicos na hora do diagnóstico

FLÁVIA GIANINI
Colaboração para a FOLHA

As lágrimas de Lucas, 13, chegavam depois de um dia inteiro de atividades: escola, treino de basquete e brincadeiras com os amigos na rua sem saída onde mora sua família. Mas, depois de algumas horas, elas passavam. O menino voltava à sua rotina e era como se elas nunca tivessem rolado. A mãe, a dona-de-casa Ivonete Ribeiro Crispim, 37, tinha certeza de que o filho estava fazendo manha. Não estava. O choro e as reclamações eram verdadeiros e o motivo era a dor do crescimento -ou osteocondrite da tuberosidade, a causa mais comum de dores musculoesqueléticas na infância.
O nome é complicado, mas a disfunção é comum. Segundo o ortopedista José Antônio Chubaci, diretor do pronto-socorro municipal de Santo Amaro, cerca de 30% dos pacientes que chegam ao seu consultório são diagnosticados com dores típicas do período de crescimento. A disfunção acomete crianças e adolescentes entre três e 15 anos, principalmente meninos, e varia de intensidade e freqüência dependendo do paciente. Mas Lucas não deixa dúvidas. Crescer pode doer. E muito. "A dor forte vai do tornozelo até o joelho. Eu sinto que vou cair", diz. A boa notícia é que a dor de crescimento é uma ocorrência de criança sadia.
Passada a fase de desenvolvimento, não deixa qualquer seqüela. E o tratamento é simples, à base de analgésicos e antiinflamatórios. A má é que, mesmo desaparecendo sem deixar vestígios, as dores do crescimento vêm preocupando a comunidade médica. "Não existe exame para diagnosticar essas dores nem tratamento específico", explica o reumatologista Ricardo Sanches Gonçalves, também do pronto-socorro municipal de Santo Amaro.
Nesse caso, o diagnóstico é feito por exclusão, sendo necessários até quatro exames para descartar outras doenças. "As dores podem ser confundidas com seis outras doenças. Estas, sim, exigem tratamento adequado e podem deixar graves seqüelas se não forem tratadas", afirma.
Gonçalves alerta para o erro mais comum em relação à dor de crescimento. "Altas doses de penicilina estão sendo aplicadas em crianças saudáveis com diagnóstico errado de febre reumática", afirma. Segundo o médico, pequenas alterações no resultado do exame ASLO -análise de sangue usada para o diagnóstico de febre reumática- são interpretadas erroneamente como resultado da doença. E a demora no diagnóstico correto preocupa ainda mais.
A persistência das reclamações levou Lucas e a mãe ao médico, em janeiro deste ano. Mas era o segundo episódio de dores constantes. A situação já havia ocorrido quando o garoto tinha cinco anos. Agora, Lucas faz acompanhamento para controlar as dores agudas nas pernas, especialmente na parte traseira do joelho. Mas, se o diagnóstico fosse outro, que não dor de crescimento, os oito anos entre as primeiras dores e a procura de um especialista poderiam trazer sérias conseqüências ao desenvolvimento do menino.

Causas
A origem das dores é desconhecida. Não existem evidências científicas que determinem que o crescimento dos ossos provoca dor. E não há pesquisas que expliquem por que algumas crianças crescem sem nunca sentirem essas dores. As causas mais prováveis são os desconfortos resultantes de saltar, escalar e outras atividades motoras que as crianças ativas realizam normalmente.
Essa seria uma das explicações para as dores ocorrerem mais em meninos. Apesar disso, os médicos não recomendam a suspensão das atividades físicas. "Em alguns casos, é necessária uma redução. Mas somente quando há excesso de exercício", explica Chubaci. A maioria das crianças atendidas relata dores na parte dianteira das coxas, na panturrilha ou atrás dos joelhos.
Para Morton Scheinberg, reumatologista, pesquisador e diretor científico da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), a controvérsia em torno da disfunção está na possibilidade de os diagnósticos simplificados como dor de crescimento serem, na verdade, casos de outra doença musculoesquelética. "A dor de crescimento é bastante relatada em consultórios de pediatria. Mas não se sabe a real incidência da disfunção. Já que é uma dor que passa, muitos pais acabam não procurando ajuda médica", diz.
Na tentativa de dimensionar o tamanho do problema, o Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital Abreu Sodré está conduzindo um estudo, liderado por Scheinberg, no qual um dos principais objetivos é coletar evidências científicas que comprovem a dor advinda do crescimento dos ossos. O estudo fará um mapeamento com crianças e adolescentes com até 18 anos para identificar qual é a realidade da disfunção na cidade de São Paulo. A previsão é atender 750 crianças até o final de 2008, identificando precocemente e tratando as crianças que apresentarem qualquer tipo de doença ou disfunção com dores do crescimento.

Irmãs
Durante quatros anos, Andréia Batista assistiu à filha Aline sofrer com dores constantes. O diagnóstico: dor de crescimento. Só aos dez anos de idade a causa correta foi descoberta: hipermobilidade. Ao contrário das dores do crescimento, a hipermobilidade é um problema clínico nas articulações que não desaparece com o fim da adolescência e pode gerar lesões. Por sorte, Aline, hoje com 16 anos, não teve nada mais grave.
Quando a filha mais nova, Alana, 8, começou a reclamar de dores nas pernas, Andréia não teve dúvidas. Enfrentou uma via sacra durante dez dias para garantir um diagnóstico definitivo correto. "Foram várias consultas, quatro exames e três especialistas diferentes. Não queria que a história se repetisse", diz. Alana, que foi diagnosticada com hipermobilidade e também com dores do crescimento, agora é tratada e seus sintomas estão sob controle.
A espera pelo diagnóstico não é exclusividade de Lucas e Aline. Um estudo coordenado pelo departamento de reumatologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo mostrou que, do início dos sintomas e o primeiro atendimento médico até a consulta com o especialista, a média de espera para cada paciente foi de 1,4 ano, variando de dez dias a até dez anos.
Não existe receita milagrosa para curar as dores do crescimento. E não há unanimidade entre os especialistas, mas massagens simples e compressas no local da dor podem ajudar. Quem já passou pelo problema sabe que até o afago nas horas de crise faz diferença. "Carinho de mãe acalma, e pode ser um remédio muito eficaz", diz Andréia.


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