São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2008
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"Nenhuma mulher está preparada para isso"

DA REPORTAGEM LOCAL

"Tenho três filhos: Julia, Clara e Mateus. Eles nasceram com 25 semanas e cinco dias -falo cada dia porque para nós, pais de prematuros, cada dia é vital.
Eu já havia engravidado antes e, então, descobri que meu útero não suporta o peso das crianças. Meu primeiro filho, Vitor, nasceu com 24 semanas. Não conseguiu sobreviver.
Fiquei de repouso absoluto na gravidez dos trigêmeos. Foram seis meses deitada, com banho de paninho. Mesmo assim, entrei em trabalho de parto. Em 24 de dezembro, ao meio-dia, eles nasceram.
Quando eles saíram, eu nem os vi. Você planeja ser mãe, sonha com isso. E, na hora, não consegue nem ver os seus filhos, porque eles precisam ir para a UTI. Foi aí que começou a minha experiência como mãe de prematuro, coisa para a qual nenhuma mulher está preparada.
O período de UTI é dolorido. Meus filhos ficaram entubados. O Mateus chegou a pesar apenas 500 g -o peso de um saquinho de café.
Eu vi muita coisa lá dentro... Mães que olhavam o bebê e diziam: 'É muito pequeno, é melhor nem tentar'. Médicos que diziam que a criança tinha chances de ter problemas cardíacos, cerebrais, renais, e as mães diziam: 'Eu quero, eu quero, eu quero'. Vi mães serem avisadas de que o filho estava morrendo e que nunca haviam segurado ele no colo. Ficavam ao lado da incubadora esperando o filho morrer para poder segurá-lo.
Não dá para uma experiência assim ser individual. Minha dor foi a de outras mães também. Algumas são minhas amigas até hoje.
Quando a gente entrava na UTI, era como se saísse deste mundo. Tudo é suspenso, só o queimporta é a viabilidade da vida do seu filho.
A família chamava: 'Vem almoçar aqui em casa'. Eu ia, mas a minha conversa era em termos médicos. Você se sente muito só. E, na UTI, encontra pessoas que nunca viu antes e se vê abraçando e chorando junto a elas.
A Julia saiu do hospital após três meses. Foi o dia mais feliz da minha vida. Eu não sabia nem segurá-la. Como eles sofreram muito na UTI, chegaram em casa extremamente dóceis. Ela ficava deitadinha, quieta.
Quando soube que a Clara ia ter alta, fiquei feliz e triste, porque o Mateus continuava entubado. Pedia aos médicos que o desentubassem. Só que, se não desse certo, poderia ser difícil entubá-lo de novo. Aí é o lado da fé: eu sabia que o meu filho lutava contra a máquina. Levei a Clara e o médico concordou que, no dia seguinte, desentubaria o Mateus. Entrei na UTI e caí de joelhos, porque era um milagre: ele conseguiu ficar sem o tubo. Após 158 dias, também foi para casa.
Hoje, eles são muito fortes. Às vezes, um cai e corta o supercílio ou bate a cabeça e faz um galo. Mas tudo bem. As 'artes' são sinal de que são saudáveis."


Depoimento da hoteleira Patrícia Campos Braz Ferreira, 34


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