UOL


São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 2003
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

s.o.s família - rosely sayão

Cultura do lazer pode estragar a convivência

As famílias estão com pouco tempo para o convívio: pais trabalham muito, o trânsito rouba um tempo precioso e, com ele, muito da paciência de quem o enfrenta diariamente, os filhos cumprem uma agenda de compromissos digna de um adulto. E, no curto espaço do dia em que todos estão juntos, os pais precisam priorizar a organização da vida dos filhos. É nessa hora que verificam o que eles fizeram ou deixaram de fazer, que dizem sim ou não para as novas -e diárias- demandas que apresentam, decidem quais atitudes tomar para as exigências do dia seguinte, relembram as tarefas e regras etc.
Convívio mesmo, que é bom, daqueles sem compromisso com nada a não ser o de estar juntos e produzir boas conversas, só no fim de semana. E olhe lá, porque muitos pais aproveitam esses dias para descansar, encontrar amigos, organizar a casa etc. É por isso que as férias podem ser um momento precioso para as famílias: são o momento em que todos podem estar juntos por um tempo maior sem horários a cumprir, sem a pressão desgastante do dia-a-dia comum. Podem conviver, afinal.
Nem sempre as famílias conseguem eleger as férias como um tempo para a convivência, e são vários e diferentes os empecilhos para tanto. Primeiro, há a cultura do consumo do lazer: muitas vezes, torna-se mais importante o local a ser visitado do que as possibilidades que ele oferece de convivência entre todos os membros do grupo familiar. Junte-se a isso a vontade -e muitas vezes a necessidade- dos pais descansar também da presença dos filhos com as ofertas de hotéis que prometem -e cumprem- extensa programação para pais e filhos de diferentes idades separadamente. Vamos convir: a proposta é bem sedutora, e muitos embarcam nela. Mas a chance de convivência para a família se reduz a quase nada.
Depois, existe também a cultura do individualismo. Em geral, cada pessoa da família quer uma coisa diferente, tem planos bem precisos a respeito de como deseja passar suas férias e prioriza a satisfação pessoal. Torna-se quase impossível conciliar os interesses de todos. Quem tem criança e adolescente em casa sabe como funciona isso: o maior quer algo que o menor ainda não consegue acompanhar, o menor quer levar um amigo para ter com quem brincar, o quase adolescente emburra porque acha o maior mico viajar com a família toda, diz que vai estragar as férias e blablablá. O que poderia ser um programa comum acaba antes mesmo de começar.
Os pais que acham importante esse convívio podem bancar, pelo menos em um período das férias inteiras, um tempo para o grupo ficar junto. Isso pode gerar descontentamentos e frustrações iniciais. Dá para entender já que estamos todos mais acostumados a levar em conta primeiro as vontades pessoais e a não nos preocuparmos muito com as consequências, ou seja, se isso resulta ou não em bem-estar para o grupo a que pertencemos. Mas talvez seja essa a hora de ensinar aos filhos que viver em grupo resulta sempre em benefícios pessoais, já que vivemos sempre em grupo.
Só que, para o grupo viver bem, é preciso que cada um se responsabilize por isso. Isso significa ter a liberdade pessoal um tanto quanto limitada. Sim, é preciso reconhecer para ensinar: conviver pressupõe sacrifícios pessoais que, entretanto, não são praticados em vão, já que abrir mão de questões individuais provoca outros benefícios.
Sabemos como é importante pertencer a um grupo, identificar-se nele e com ele, ser acolhido por essa relação e ter nela uma referência segura na vida. É por isso que as férias podem ser um bom momento para ensinar ao filho que a frustração inicial provocada pela renúncia a anseios estritamente pessoais pode ceder lugar à descoberta incessante que é a convivência com o grupo. Mas, para que isso ocorra, é preciso que os filhos percebam que isso também importa aos pais, é claro. Sair de férias com os filhos por pura obrigação não costuma dar bom resultado. Para ninguém.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


Texto Anterior: Como calcular o IMC (Índice de Massa Corpórea)
Próximo Texto: poucas e boas: Nova técnica para gengivas manchadas
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.