|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
s.o.s família - rosely sayão
Cultura do lazer pode estragar a convivência
As famílias estão com pouco tempo para o
convívio: pais trabalham muito, o trânsito rouba um tempo precioso e, com ele, muito da paciência de quem o enfrenta diariamente,
os filhos cumprem uma agenda de compromissos digna de um adulto. E, no curto espaço do dia em que todos estão juntos, os pais precisam priorizar a organização da vida dos filhos. É nessa hora que verificam o que eles fizeram ou deixaram de fazer, que dizem sim ou
não para as novas -e diárias- demandas
que apresentam, decidem quais atitudes tomar para as exigências do dia seguinte, relembram as tarefas e regras etc.
Convívio mesmo, que é bom, daqueles sem
compromisso com nada a não ser o de estar
juntos e produzir boas conversas, só no fim de
semana. E olhe lá, porque muitos pais aproveitam esses dias para descansar, encontrar
amigos, organizar a casa etc. É por isso que as
férias podem ser um momento precioso para
as famílias: são o momento em que todos podem estar juntos por um tempo maior sem
horários a cumprir, sem a pressão desgastante
do dia-a-dia comum. Podem conviver, afinal.
Nem sempre as famílias conseguem eleger
as férias como um tempo para a convivência, e
são vários e diferentes os empecilhos para tanto. Primeiro, há a cultura do consumo do lazer: muitas vezes, torna-se mais importante o
local a ser visitado do que as possibilidades
que ele oferece de convivência entre todos os
membros do grupo familiar. Junte-se a isso a
vontade -e muitas vezes a necessidade- dos
pais descansar também da presença dos filhos
com as ofertas de hotéis que prometem -e
cumprem- extensa programação para pais e
filhos de diferentes idades separadamente.
Vamos convir: a proposta é bem sedutora, e
muitos embarcam nela. Mas a chance de convivência para a família se reduz a quase nada.
Depois, existe também a cultura do individualismo. Em geral, cada pessoa da família
quer uma coisa diferente, tem planos bem
precisos a respeito de como deseja passar suas
férias e prioriza a satisfação pessoal. Torna-se
quase impossível conciliar os interesses de todos. Quem tem criança e adolescente em casa
sabe como funciona isso: o maior quer algo
que o menor ainda não consegue acompanhar, o menor quer levar um amigo para ter
com quem brincar, o quase adolescente emburra porque acha o maior mico viajar com a
família toda, diz que vai estragar as férias e blablablá. O que poderia ser um programa comum acaba antes mesmo de começar.
Os pais que acham importante esse convívio
podem bancar, pelo menos em um período
das férias inteiras, um tempo para o grupo ficar junto. Isso pode gerar descontentamentos
e frustrações iniciais. Dá para entender já que
estamos todos mais acostumados a levar em
conta primeiro as vontades pessoais e a não
nos preocuparmos muito com as consequências, ou seja, se isso resulta ou não em bem-estar para o grupo a que pertencemos. Mas talvez seja essa a hora de ensinar aos filhos que
viver em grupo resulta sempre em benefícios
pessoais, já que vivemos sempre em grupo.
Só que, para o grupo viver bem, é preciso
que cada um se responsabilize por isso. Isso
significa ter a liberdade pessoal um tanto
quanto limitada. Sim, é preciso reconhecer para ensinar: conviver pressupõe sacrifícios pessoais que, entretanto, não são praticados em
vão, já que abrir mão de questões individuais
provoca outros benefícios.
Sabemos como é importante pertencer a um
grupo, identificar-se nele e com ele, ser acolhido por essa relação e ter nela uma referência
segura na vida. É por isso que as férias podem
ser um bom momento para ensinar ao filho
que a frustração inicial provocada pela renúncia a anseios estritamente pessoais pode ceder lugar à descoberta incessante que é a convivência com o grupo. Mas, para que isso ocorra, é preciso que os filhos percebam que isso também importa aos pais, é claro. Sair de férias com os filhos por pura obrigação não costuma dar bom resultado. Para ninguém.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail:
roselys@uol.com.br
Texto Anterior: Como calcular o IMC (Índice de Massa Corpórea) Próximo Texto: poucas e boas: Nova técnica para gengivas manchadas Índice
|