São Paulo, quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
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ALIMENTAÇÃO

Na lata

Vegetais, frutas e peixes enlatados podem ser usados como alternativa; pratos prontos devem ser evitados por conterem excesso de sal, gorduras e aditivos


O LÍQUIDO USADO PARA ENVOLVER AS CONSERVAS (SALMOURA, ALGUM TIPO DE ÓLEO OU MOLHO) NÃO TEM EFEITO CONSERVADOR; É USADO PARA DAR SABOR, REALÇAR A APARÊNCIA E AJUDAR NO PROCESSO DE COZIMENTO


JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

No romance "A Estrada", o escritor norte-americano Cormac McCarthy narra a saga de um homem e seu filho que precisam sobreviver em um mundo devastado após o Apocalipse. Para comer, contam basicamente com comida enlatada -sopas, milho e cozidos preservados da destruição.
A história do livro -base do filme homônimo que deverá ser lançado no Brasil em abril- pode soar um pouco radical. Mas não fica muito distante do principal argumento usado para o consumo de produtos enlatados em situações corriqueiras: momentos de emergência.
E parece que as horas de pressa têm sido cada vez mais comuns. De acordo com a Associação Brasileira de Embalagem de Aço, houve no Brasil um aumento de 10% no consumo de conservas enlatadas no primeiro semestre de 2009 em comparação ao mesmo período de 2008. Em 2009, houve 4.265 lançamentos de embalagens de aço em todo o mundo.
Comparados aos alimentos crus, os conservados em lata sofrem perda de alguns nutrientes e, no caso das frutas, de fibras. No entanto, a forma de processamento dispensa o uso de conservantes, como pensam muitos consumidores. Mas, ainda assim, costumam conter aditivos para realçar o sabor e dar textura aos alimentos.
"Existe um conhecimento equivocado de que esses alimentos teriam uma série de conservantes, o que não é real. A conservação desses produtos é feita pela temperatura", afirma Sílvia Tondella Dantas, gerente do Grupo de Embalagens Metálicas e de Vidro do Centro de Tecnologia de Embalagem do Ital (Instituto de Tecnologia de Alimentos).
Produtos de baixa acidez, como carnes, pescados, legumes e derivados do leite exigem um processo térmico (elevação de temperatura) antes de serem envasados, para que se conservem na lata e não ofereçam perigo à saúde. "Dessa forma, é claro que existem perdas de componentes, da mesma forma que ocorre no cozimento doméstico. Mas não ocorrem perdas totais, como mostram os raros dados existentes sobre o assunto", acrescenta Dantas.
O líquido usado para envolver as conservas -salmoura, algum tipo de óleo ou molho- não tem efeito conservador. É usado para dar sabor, realçar a aparência e ajudar no processo de cozimento.
Do ponto de vista nutricional, os líquidos devem ser dispensados por conterem excesso de gorduras e de sal. Para reduzir o consumo de sal, é recomendado ainda lavar o alimento antes de incluí-lo na receita. No caso das frutas, indica-se o uso das versões light, com menor teor de açúcar.
O formato da embalagem também não faz diferença no conteúdo. As ondulações de algumas latas, por exemplo, são desenvolvidas para aumentar a resistência mecânica do material, quando há redução de espessura. Outros formatos diferenciados tornam o produto mais ergonômico ou apenas com maior apelo comercial.

Sabor de lata
Ainda que as indústrias sigam rigorosamente as recomendações dos órgãos reguladores, o metal da lata pode interagir com o produto. "A dissolução pode ocorrer, mas dentro de valores e índices que não alterem a condição do alimento", diz Dantas, do Ital. Nesse caso, não há risco para a saúde.
Mesmo assim, paladares mais atentos podem sentir um sabor metálico residual, como relata Bruno Fischetti, chef da unidade brasileira do restaurante P.J. Clarke's.
Bruno prefere conservas em vidro àquelas em lata. "Quando é possível escolher, prefiro o vidro porque consigo visualizar o produto. Além disso, percebo o sabor da lata na maioria deles. Mas, em um momento de emergência, é claro que eles podem ser usados. Tenho na despensa tomate pelado, leite condensado, atum."
Do ponto de vista técnico, no entanto, a opção de embalagem não traz diferenças ao produto. "O vidro é inerte, não tem nenhuma reação com o alimento e a transparência permite que o consumidor veja o alimento. Mas a luz não passa na lata, e ela pode causar alteração de cor e de alguns componentes", explica Dantas, do Ital.
Bruno ainda elenca outros produtos que podem ser bem empregados em receitas, como o milho, a ervilha e o atum. "O aspecto do milho é bem semelhante ao natural e dá para usar tranquilamente. Já a ervilha deve ser usada em uma sopa ou purê, por exemplo, porque a coloração é mais escura, a aparência é diferente", aconselha.
Para ele, pratos prontos e embutidos devem ser desconsiderados. "Às vezes a pessoa acha que está numa emergência. Mas o que é emergência? Em 15 minutos dá para fazer uma massa ao alho e óleo, usar os legumes da geladeira... Não precisa comer um espaguete enlatado."
Os especialistas ouvidos pela Folha concordam: pratos prontos enlatados devem ser consumidos em último caso.
Para a nutricionista Cynthia Antonaccio, diretora da Equilibrium Consultoria em Nutrição, pratos e molhos prontos contêm sódio em excesso e gordura saturada. "Sabemos que esses elementos são fortemente vinculados a doenças cardiovasculares. Por isso, prefiro as versões caseiras", recomenda.
É possível, por exemplo, usar o tomate pelado -conservado sem sal nem gorduras- para preparar o molho. No caso, há perda de vitamina C, mas o licopeno -substância antioxidante relacionada a menor risco de câncer- se mantém. "Dá para improvisar e fazer algo gostoso, acrescentando temperos naturais", diz Bruno.
Paula Moreira da Silva, engenheira agrônoma e pesquisadora do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP, afirma que pratos prontos têm riscos potenciais de contaminação por diferentes tipos de micro-organismos. "A mistura exige um aditivo para cada ingrediente e, por isso, eu só consumiria esses alimentos como última opção."

Nutrientes
Vegetais e peixes, no entanto, são absolvidos para momentos de correria. "É um problema o pouco consumo de vegetais -a indicação é de 400 g por dia. Aconselho os legumes enlatados como alternativa, e não como base da dieta. Por que não consumir uma fruta em calda ou um legume em vez de batatas chips?", indaga Antonaccio.
Os peixes conservados em lata (como atum e sardinha) preservam o ômega 3, gordura benéfica ao sistema cardiovascular. "Dá para substituir tranquilamente, com recomendação de consumo regular. Mas deve-se ingerir preferencialmente os conservados em água e evitar misturas muito temperadas, para não agregar mais sódio e outros tipos de gordura à preparação", alerta Antonaccio.

Estufada
Micro-organismos produzem gases -estufamento pode ser sinal de contaminação

Amassada(na região do fechamento)
Quando ocorre amassamento na área que une a tampa ou o fundo ao corpo, existe risco de prejudicar a hermeticidade da lata e de entrarem ar e micro-organismos que deterioram o produto

Amassada(no corpo)
Uma pesquisa do Ital mostrou que amassamentos no corpo da lata não afetam a qualidade do produto. Se a lata contém um alimento ácido, pode haver um ligeiro aumento da dissolução do metal da embalagem, mas sem causar problemas

Aberta
O abridor pode contaminar o alimento e a lata aberta pode enferrujar. O ideal é transferir o ?que sobrar para um pote limpo e tampado

Lata enferrujada
A corrosão da lata pode gerar gases e levar a estufamento. Também pode indicar que houve perda da integridade da proteção da embalagem e que há maior risco de contaminação

Fontes: PAULA MOREIRA DA SILVA, da Esalq, e SÍLVIA TONDELLA DANTAS, do Ital


PRATOS PRONTOS PODEM SER CONTAMINADOS POR DIFERENTES TIPOS DE BACTÉRIA E, POR ISSO, A MISTURA EXIGE DIFERENTES ADITIVOS


Cenoura
In natura>> Vitamina C: 5,9 mg por 100 g Vitamina A: 2.813 UI (unidades internacionais) por 100 g
Conserva>> Perde vitamina C A vitamina A, da qual é importante fonte, é mantida, e é mais bem absorvida se misturada a algum tipo de óleo

Milho
In natura>> Vitamina B6: 0,04 mg
Conserva>> Perde um pouco das vitaminas do complexo B -mas boa parte se preserva porque a integridade dos grãos se mantém Mantém o teor de fibra

Tomate
In natura>> Vitamina C: 12,8 mg por 100 g
Conserva>> Perde cerca de 30% da vitamina C O licopeno (substância antioxidante) se mantém e é mais bem absorvido se aquecido com um pouco de óleo

Pêssego
In natura>> Fibras: 1,4 g por 100 g
Conserva>> Perde principalmente fibras e tem excesso de açúcar na calda

TOXINA PERIGOSA
Geralmente associado ao palmito, o botulismo pode ser causado por qualquer alimento enlatado contaminado pela Clostridium botulinum, bactéria que libera uma toxina que pode atingir o sistema nervoso. Segundo Paula da Silva, da Esalq, todo conteúdo enlatado deve ter pH abaixo de 4,5 e ser mantido a vácuo para evitar o desenvolvimento da bactéria. O cálculo é feito cuidadosamente pela indústria. Daí o risco de comprar conservas "de beira de estrada". "Como não dá para saber a olho nu se o alimento está contaminado, é indicado fervê-lo por 15 minutos para a toxina ficar inativa", indica.


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