São Paulo, quinta-feira, 28 de março de 2002
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Apaziguar a mente para o pensamento ganhar foco

Gustavo Roth/Folha Imagem
A fotógrafa Cláudia Proushan procura aquietar o espírito diariamente


Ioga, meditação e tai-chi são algumas das técnicas que induzem ao estado meditativo e, em consequência, colaboram com a saúde

LINA DE ALBUQUERQUE
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Parar de desejar coisas a todo custo, parar de programar, de fazer suposições e julgamentos e de tentar planejar o organizável e muitas vezes o "inorganizável" da vida. Ou seja, dar um tempo na agitação mental frenética e, assim, apaziguar a mente. Essa deixou de ser uma busca exclusiva da turma esotérica. Ioga e meditação, por exemplo, técnicas usadas para esse fim, já são populares -praticadas em hospitais e parques. E a ciência cada vez mais valoriza a importância do relaxamento mental para a manutenção da saúde e do equilíbrio físico e emocional. "O objetivo da meditação -e de outras práticas de relaxamento- é reconhecer os momentos de silêncio que existem na mente e perceber o ponto em que o pensamento começa a deixar o particular para abarcar a totalidade das coisas", diz a monja budista Cohen Murayama. Exemplo: "Durante o estado meditativo, o dançarino torna-se a dança; o músico "é" a música que está tocando".
"A mente cotidiana é muito nebulosa. Se conseguimos aquietar os pensamentos, ela deixa de ser um mar de ondas revoltas para se tornar um lago tranquilo", diz Luis Louceiro, professor do Núcleo de Ioga Ganesha, em São Paulo. Ele cita Alberto Caieiro, o mais conhecido dos heterônimos criados por Fernando Pessoa: "Se alguém perguntasse a ele o que achava das coisas, ele teria respondido: "Não acho nada. As coisas são o que são'".
Para as coisas poderem ser reconhecidas como são, pratica-se o exercício da "atenção plena", sobre a qual falam iogues e meditadores. Isso significa estar inteiramente presente às situações, jogando pingue-pongue ou fazendo amor.
Os iogues costumam dizer que uma flor terá mais dificuldade para brotar em uma terra cheia de pedras e ervas daninhas, fazendo uma analogia com o excesso de pensamentos na mente. Assim como a limpeza do solo é fundamental para a semente germinar, a mente precisa aprender a "esvaziar-se" para o pensamento ganhar foco. "Precisamos aprender a silenciar o espírito, ficar no vazio, para a criatividade fluir naturalmente", diz a psicóloga junguiana Betty Fontes, que utiliza técnicas de tai-chi e meditação taoísta no consultório.
Meditação e ioga não são os únicos meios para conduzir a mente a um estado de maior relaxamento. Atividades artísticas e até mesmo a oração interferem na qualidade da produção das ondas cerebrais. Recente pesquisa do Centro Médico da Universidade Duke, nos EUA, demonstrou que, depois de algum tempo rezando, a pessoa pára de pensar na oração e entra em um estado meditativo, diz o clínico geral e acupunturista Jou Eel Jia, da clínica Ibraphema.
"Qualquer que seja a modalidade escolhida, é certo que diminuir a excitação cerebral acalma, auxilia na liberação de importantes neurotransmissores, aumenta a produtividade no trabalho e traz grandes benefícios à vida de forma geral", diz Hong Jin Pai, presidente da Associação Médica de Acupuntura de São Paulo. Para ele, o estado meditativo pode ser alcançado em qualquer atividade em que seja possível neutralizar o pensamento: correr, nadar, andar.
Cultivar hobbies, desenvolver atividades artísticas e fugir da rotina são meios excelentes para obter uma mente mais apaziguada, segundo o neurologista Ademir Baptista da Silva, do setor de distúrbios do sono da Unifesp. "Fazer ioga pode deixar o ritmo do pensamento mais lento. Mas fazer o que gosta certamente também interfere na produção das ondas elétricas do cérebro." Para ele, muitas vezes, a rotina é a grande produtora do cortisol, hormônio associado ao estresse.
Há evidências de que muitas técnicas de relaxamento "interferem nos mecanismos neuroimunológicos e aumentam a produção dos anticorpos de defesa do organismo", diz o médico e psicoterapeuta João Augusto Figueiró.
Há dois anos, médicos, pacientes e funcionários do Hospital do Servidor Público de São Paulo reúnem-se em uma sala para praticar a meditação zen-budista. "Quando o pensamento aparece, fazemos a respiração abdominal e depois retornamos a atenção para os batimentos cardíacos", diz Eliana Bertine Ruas, pediatra e uma das coordenadoras do setor de acupuntura e meditação do hospital.
O cortisol e a adrenalina, neurotransmissor potencializado pelas situações de vigília, cessam a sua produção quando a mente está relaxada, diz Ademir Baptista da Silva. Para ele, se uma noite bem dormida inibe a atuação dessa dupla -adrenalina mais cortisol-, aprender a aquietar o espírito, ainda que acordado, também se reflete em mais equilíbrio.
Os efeitos do apaziguamento da mente, vale dizer, ainda não foram suficientemente estudados pela ciência médica. Segundo o cardiologista Fausto Hironaka, do hospital Sírio Libanês, os seus benefícios estão diretamente ligados ao envolvimento dos pacientes que o procuram. Ao passo que os resultados obtidos com medicamentos oferecem base para uma maior comprovação científica. Por isso, para ele, ainda parece temerário transformar todos esses recursos em formas sistemáticas de cura. "É claro que qualquer atividade que faça diminuir a descarga de adrenalina e baixar a frequência cardíaca pode auxiliar na prevenção de doenças. Mas fica difícil medir exatamente o alcance da sua eficiência."
Para que a atividade artística e até formas variadas de lazer possam induzir a estados de grande relaxamento mental é preciso dar o devido descanso ao intelecto, diz Ademir Baptista da Silva. Um artista pode atingir essa condição desde que sua técnica esteja automatizada e ele não fique pensando nela enquanto cria. Já um matemático, não. O raciocínio lógico atrapalha os processos de repouso da mente.
A experiência da estudante de artes Maria Amelia Piva Vizotto, 25, confirma isso. Depois de fazer ioga e um pouco de meditação, descobriu que fazer dobraduras de papel e esculturas de arame funcionam mais para ela como relaxamento. "Mas o pensamento crítico atrapalha tudo. Não posso ficar pensando se a minha girafa de arame tem o pescoço curto ou comprido, se o hipopótamo está muito gordo. O importante é deixar a cabeça vazia", diz Maria Amelia.
Já o músico Cauê Martinuci, 32, consegue abandonar os pensamentos do dia-a-dia compondo ou improvisando. "Quando essa entrega acontece, o resultado é uma bênção. Sinto que depois retomo os acontecimentos exteriores com maior serenidade." Martinuci está certo de que, quando atinge esse estado alterado de consciência, em que só existe a música e o tempo praticamente desaparece, as composições transcendem o domínio técnico. "O compositor Egberto Gismonti provavelmente produziu o disco "Alma" em sintonia com essa idéia. Depois de ouvir as gravações, disse que o resultado estava muito além do que a sua técnica poderia alcançar."
A fotógrafa Cláudia Proushan todos os dias procura aquietar o espírito ouvindo música, fazendo exercícios de aikidô ou sentando alguns minutos em silêncio. "Acho válido tudo que faça vibrar mais profundamente o momento presente, já que, na maior parte do tempo, estamos planejando o futuro ou arrebatados pelo passado", diz ela.



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