São Paulo, quinta-feira, 28 de março de 2002
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s.o.s. família

O que significa educar democraticamente

Saiu nos jornais, recentemente, uma notícia um tanto quanto assustadora. Escolas de um Estado brasileiro estariam usando a palmatória com seus alunos -e com o conhecimento e a aprovação dos pais! Não é um espanto? Deveria ser, mas tenho de concluir que isso não é algo que provoque estranheza em muita gente, já que o recurso é usado e aprovado. Uma leitora, indignada, enviou um rápido comentário sobre a notícia. Vale a pena ressaltar uma frase do texto dela: "Tudo bem que, de vez em quando, uma palmada seja muito merecida já que as crianças estão muito desobedientes. Mas isso só os pais podem fazer". Quer dizer, então, que a palmatória pode ser usada, só que tem de ser medida de uso exclusivo dos pais?
Para falar bem francamente, hoje é muito difícil que um educador responsável -pai ou professor- seja capaz de aplicar uma medida desse tipo com convicção. Afinal, quem acredita que a palmada, o puxão de orelha, a sacudida, por exemplo, funcionem como um ato educativo? Em tempos de educação democrática, duvido que a mãe, o pai ou o professor não amarguem a maior culpa depois de, impulsivamente, reagir assim com a criança.
Mas como educar sem usar esse recurso violento ou outros menos violentos fisicamente mas também autoritários - e, ao mesmo tempo, não perder o pé da situação? Talvez falte uma discussão mais cuidadosa sobre o que significa educar democraticamente. E começo a conversa lembrando a reclamação de um adolescente sobre a escola que frequentava. Dizia que era autoritária porque não aceitara os motivos que ele dera para explicar sua ausência a uma prova previamente agendada.
Bem, uma educação democrática supõe a existência de leis e regras. E, volto a insistir, se há regras, a transgressão faz parte do jogo. O adolescente, ao faltar à prova, deve ter tido um bom motivo para isso. Ter ficado até altas horas vendo TV e não ter estudado, por exemplo, é um excelente motivo nessa idade. Mas, ao ficar assistindo ao filme que tanto queria, ele fez uma escolha, assumiu um risco. Portanto tinha de arcar com isso. A escola estava certa em sua atitude. Mas ele, esperto, logo percebeu que podia armar um outro jogo: o de acusar a escola de autoritária. Infelizmente, deu certo. A escola resolveu rever sua posição e dar uma segunda chance a ele. Que pena! Foi com essa decisão que a escola quebrou um acordo previamente feito -e sem ter ela um bom motivo para tanto. Foi a escola a primeira a dar o passo para facilitar uma próxima transgressão gratuita por parte dos alunos.
Uma convivência desse tipo não é democrática -muito menos educativa. Uma convivência assim é, no mínimo, confusa para a criança ou para o adolescente, que passa a ter a idéia de que deve ser ouvido e considerado sempre. Mas nem sempre eles têm bons argumentos para negociar, nem sempre têm razão. Muitas vezes têm. A educação democrática supõe a negociação nesses casos. Mas deve sempre considerar o coletivo -no caso, a classe que o aluno frequentava. Para isso, deve ter como referência o acordo em vigor e, principalmente, a meta a cumprir: preparar o jovem para a realidade, para a vida em grupo e para a cidadania, que supõe direitos e deveres.
Talvez pareça mais fácil assumir um papel claramente repressivo -a educação pelo medo- por ser um método mais conhecido de todos, quando a situação chega ao conflito, à disputa, ao confronto. Quem não passou por uma educação desse tipo ou não acompanhou de perto um caso semelhante e não conhece os passos dessa história? Já uma educação democrática ainda estamos por ver. Isso significa ter de criar, construir, experimentar novos caminhos. Talvez por isso os equívocos aconteçam com tanta frequência. Mas estamos apenas no início desse novo caminho, por isso é cedo demais para retornar. Antes de sair mudando as atitudes em busca de uma solução para as dificuldades que enfrentam, pais e professores devem-se unir para discutir mais a respeito do que entendem ser uma educação democrática. E esta é uma boa hora para começar.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br

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