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s.o.s. família
O que significa educar democraticamente
Saiu nos jornais, recentemente, uma notícia um tanto quanto assustadora. Escolas
de um Estado brasileiro estariam usando a
palmatória com seus alunos -e com o conhecimento e a aprovação dos pais! Não é um espanto? Deveria ser, mas tenho de concluir que
isso não é algo que provoque estranheza em
muita gente, já que o recurso é usado e aprovado. Uma leitora, indignada, enviou um rápido
comentário sobre a notícia. Vale a pena ressaltar uma frase do texto dela: "Tudo bem que, de
vez em quando, uma palmada seja muito merecida já que as crianças estão muito desobedientes. Mas isso só os pais podem fazer".
Quer dizer, então, que a palmatória pode ser
usada, só que tem de ser medida de uso exclusivo dos pais?
Para falar bem francamente, hoje é muito difícil que um educador responsável -pai ou
professor- seja capaz de aplicar uma medida
desse tipo com convicção. Afinal, quem acredita que a palmada, o puxão de orelha, a sacudida, por exemplo, funcionem como um ato
educativo? Em tempos de educação democrática, duvido que a mãe, o pai ou o professor
não amarguem a maior culpa depois de, impulsivamente, reagir assim com a criança.
Mas como educar sem usar esse recurso violento ou outros menos violentos fisicamente
mas também autoritários - e, ao mesmo
tempo, não perder o pé da situação? Talvez falte uma discussão mais cuidadosa sobre o que
significa educar democraticamente. E começo
a conversa lembrando a reclamação de um
adolescente sobre a escola que frequentava.
Dizia que era autoritária porque não aceitara
os motivos que ele dera para explicar sua ausência a uma prova previamente agendada.
Bem, uma educação democrática supõe a
existência de leis e regras. E, volto a insistir, se
há regras, a transgressão faz parte do jogo. O
adolescente, ao faltar à prova, deve ter tido um
bom motivo para isso. Ter ficado até altas horas vendo TV e não ter estudado, por exemplo,
é um excelente motivo nessa idade. Mas, ao ficar assistindo ao filme que tanto queria, ele fez
uma escolha, assumiu um risco. Portanto tinha de arcar com isso. A escola estava certa em
sua atitude. Mas ele, esperto, logo percebeu
que podia armar um outro jogo: o de acusar a
escola de autoritária. Infelizmente, deu certo.
A escola resolveu rever sua posição e dar uma
segunda chance a ele. Que pena! Foi com essa
decisão que a escola quebrou um acordo previamente feito -e sem ter ela um bom motivo
para tanto. Foi a escola a primeira a dar o passo para facilitar uma próxima transgressão
gratuita por parte dos alunos.
Uma convivência desse tipo não é democrática -muito menos educativa. Uma convivência assim é, no mínimo, confusa para a
criança ou para o adolescente, que passa a ter a
idéia de que deve ser ouvido e considerado
sempre. Mas nem sempre eles têm bons argumentos para negociar, nem sempre têm razão.
Muitas vezes têm. A educação democrática
supõe a negociação nesses casos. Mas deve
sempre considerar o coletivo -no caso, a
classe que o aluno frequentava. Para isso, deve
ter como referência o acordo em vigor e, principalmente, a meta a cumprir: preparar o jovem para a realidade, para a vida em grupo e
para a cidadania, que supõe direitos e deveres.
Talvez pareça mais fácil assumir um papel
claramente repressivo -a educação pelo medo- por ser um método mais conhecido de
todos, quando a situação chega ao conflito, à
disputa, ao confronto. Quem não passou por
uma educação desse tipo ou não acompanhou
de perto um caso semelhante e não conhece os
passos dessa história? Já uma educação democrática ainda estamos por ver. Isso significa ter
de criar, construir, experimentar novos caminhos. Talvez por isso os equívocos aconteçam
com tanta frequência. Mas estamos apenas no
início desse novo caminho, por isso é cedo demais para retornar. Antes de sair mudando as
atitudes em busca de uma solução para as dificuldades que enfrentam, pais e professores
devem-se unir para discutir mais a respeito do
que entendem ser uma educação democrática. E esta é uma boa hora para começar.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
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