São Paulo, quinta-feira, 28 de maio de 2009
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BELEZA

Questão de pele

Dermatologistas comentam os produtos e procedimentos de beleza recomendados ou contraindicados para negros, que têm manchas com facilidade

Marisa Cauduro/Folha Imagem
Simone Sampaio, que teve problemas após uma limpeza de pele

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Eliana Custódio, 43, usa com frequência máscaras com abacate, ovo, cenoura e mel, entre outros ingredientes, para tratar pele e cabelo. Faz isso não só porque gosta de aplicar produtos caseiros mas, principalmente, por ter receio de usar um cosmético industrializado. A maioria dos produtos, diz, não é adequada para tratar a pele negra.
Eliana, membro do conselho diretor do Geledés Instituto da Mulher Negra, teve manchas e descamação na pele após usar um hidratante noturno, ainda que não tivesse se exposto ao sol. Em outra ocasião, um filtro solar deixou a pele de seu rosto com dois tons diferentes. Desde então, evita aplicar produtos na pele, com medo de que causem novas marcas, e usa os tratamentos naturais que aprendeu a preparar com a mãe.
Em sua opinião, faltam produtos específicos para os negros. "Não existe um creme para a região dos olhos, por exemplo. Nossa tendência [a ter rugas na região] é menor, mas existe. Eu não me arrisco a usar, porque é uma área muito sensível", diz.
Ela também reclama dos produtos para cabelos étnicos, sempre relacionados a alisamento e diminuição de volume. "Há pessoas que fazem questão de usar os cabelos como são. O "black" também é bonito. Como eu trato esse cabelo? Como faço para dar brilho, deixá-lo mais maleável? Um produto para isso é difícil encontrar."
No Brasil, 45% da população se declara negra ou parda, de acordo com o Censo de 2000. E esse número pode ser ainda maior: dados da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios) de 2007 sugerem que 50% dos brasileiros são negros ou pardos.
Mesmo assim, há poucas linhas de cosméticos voltadas especialmente para esse tom de pele. Os produtos, como os procedimentos dermatológicos, são geralmente testados para os padrões da pele branca, mais abundante no Hemisfério Norte, onde é desenvolvida boa parte da tecnologia.
Até os especialistas têm dúvidas sobre os procedimentos autorizados para tratar a cútis escura sem riscos. Por esse motivo, o Congresso Brasileiro de Cirurgia Dermatológica, que será realizado em junho, focará, pela primeira vez, nas técnicas e nas características específicas da pele negra.
"É muito mais fácil trabalhar com uma pele clara. O desafio é trazer para a realidade brasileira aparelhos que possam ser usados em pacientes reais. Temos uma população muito mais morena, e médicos de diversas regiões do país muitas vezes não sabem como tratar essa pele", afirma a dermatologista Eliandre Palermo, coordenadora de comunicação da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica.
Ainda assim, é possível utilizar alguns produtos e se submeter a tratamentos disponíveis no mercado com segurança, desde que o paciente conheça como sua pele reage.

Mais cor
Nem todos os tratamentos podem ser aplicados em peles claras e escuras da mesma forma. A principal diferença está na produção de melanina, muito maior nos negros. Esse fator protege a pele contra os raios ultravioleta, mas também pode causar hiperpigmentação. Em qualquer manipulação mais agressiva, a tendência da pele é produzir mais pigmento, como se precisasse de mais proteção.
A modelo Simone Sampaio, 33, já ficou com manchas após se submeter a uma limpeza de pele, ainda que ela tivesse alertado a esteticista de que é muito mais suscetível a marcas. Ela reclamou, e a profissional ofereceu um tratamento clareador. Desconfiada, não aceitou. "O negro normalmente mancha muito. Na minha pele, qualquer cravinho que eu aperto causa uma marca. E não é fácil encontrar pessoas que entendam", conta.
Tratamentos muito invasivos, como peelings profundos e cremes antissinais com ácidos, podem provocar uma reação na pele e levar a manchas. Clareadores são outro tipo de produto que eleva os riscos quando aplicado sem orientação.
Limpezas de pele agressivas também aumentam as chances de ocorrerem marcas permanentes. "A pele do negro não pode ser agredida. O processo inflamatório nesse tipo de pele é sinônimo de hiperpigmentação", resume a dermatologista Andréia Mateus Moreira, coordenadora do Departamento de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
Se forem necessárias descamações mais profundas, o médico pode preparar a pele com produtos que melhorem a cicatrização e reduzam o poder de pigmentação. Mas os riscos continuam mais altos do que os encontrados na pele branca.
Áreas de maior atrito, como virilha e axilas, têm mais pigmentação. Gordura localizada, roupas que causem fricção e desodorantes alcoólicos elevam a incidência do problema.
A depilação com cera também estimula a pigmentação da pele -ao se aderir à região e ser arrancada, a cera causa uma agressão e posterior escurecimento. Por isso, dermatologistas têm recomendado depilação a laser para esses pacientes -a lâmina e o creme depilatório podem irritar a pele.
Até pouco tempo atrás, os métodos a laser não eram seguros para a cútis escura -a luz vê o pigmento como um alvo e não era possível diferenciar o pelo da pele. No entanto, foram desenvolvidos aparelhos e padrões diferenciados, que hoje trazem menos riscos. Simone, por exemplo, submeteu-se à técnica recentemente e conta que obteve bons resultados.
Um novo tratamento contra manchas para uso doméstico é o ácido tioglicólico, que deve ser receitado pelo médico e pode ser aplicado diretamente nas lesões, seguido constantemente de filtro solar.
A microdermoabrasão (esfoliação superficial), realizada na clínica, também tem apresentado bons resultados, de acordo com os especialistas.

Cicatrizes
O que faz a pele negra ser mais firme e demorar mais tempo para dar sinais de envelhecimento também pode causar queloide, uma espécie de cicatriz desproporcional e alta, que surge após um corte na região. Nesse tipo de pele, os fibroblastos -células que conferem elasticidade e força- são maiores e produzem mais colágeno, resultando em uma pior cicatrização do tecido.
Por esse motivo, procedimentos que cortam a derme devem ser bem planejados para não causar transtornos. "Plásticas, retirada de pintas ou de cisto sebáceo, qualquer tipo de corte: é preciso conversar bem, observar o histórico do paciente, se já teve queloide, se já houve casos na família... A abordagem deve ser mais rígida e mais completa", afirma a dermatologista Denise Steiner.
Se há dúvidas sobre a propensão do paciente a queloides, é possível prevenir ou diminuí-los com terapias específicas. A betaterapia (um tipo de radioterapia) evita a proliferação dos fibroblastos e os destrói. É possível ainda fazer infiltração com corticoides, que relaxa os novelos de fibras e abaixa a cicatriz, e compressão após o procedimento, que reduz a circulação na região e previne o desenvolvimento do problema.
"Como tomamos o cuidado de identificar o perfil do paciente, a incidência de queloides diminuiu muito. Ficou um estigma de que o negro sempre fica com cicatriz, o que não é verdade", diz o cirurgião plástico Wagner Montenegro, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

Também em homens
Outra característica do negro é a maior facilidade de encravamento dos pelos.
Quem sofre bastante com o problema são os homens, que precisam se barbear com frequência. O pediatra Valdemir Gonçalves da Silva, 43, não conseguiu se adaptar a nenhum aparelho, mas não queria fazer depilação a laser.
O problema, chamado de pseudofoliculite da barba, ocorre principalmente no pescoço, onde a pele é mais seca. O pelo encrava e gera uma lesão, que descasca, pode inflamar e se transformar em uma queloide. "Não posso raspar muito, preciso dar um descanso para a pele, mas não posso trabalhar com barba por fazer. Então, tento passar o aparelho de barbear de forma mais suave", diz.
Para Valdemir, a solução foi um tratamento com cremes que fazem uma leve esfoliação.


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