São Paulo, quinta-feira, 28 de maio de 2009
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Conceito biológico de raça gera polêmica entre pesquisadores

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

No que talvez seja o mais politicamente carregado debate da medicina hoje, pesquisadores se engalfinham para determinar se o conceito de raça tem ou não tem validade científica.
É claro que, no mundo da biologia, ninguém sério chega a negar que existam doenças "típicas" de determinados grupos étnicos. A anemia falciforme, por exemplo, afeta um número desproporcionalmente maior de negros, que também tendem a sofrer de formas mais graves de hipertensão arterial e diabetes.
Judeus de ascendência europeia têm maior propensão a um tipo de câncer de mama e são os detentores quase exclusivos da doença de Tay-Sachs, causada por mutações em um gene e caracterizada por uma degeneração neurológica progressiva.
Praticamente todo grupo étnico tem seu "pool" de doenças mais recorrentes. Até aí nenhuma surpresa. Quer raças tenham ou não amparo epistemológico, existe algo chamado hereditariedade, que faz com que filhos se pareçam com seus pais e tendam a sofrer das mesmas moléstias.
O debate tem início quando se considera se o conceito de raça, definido pelo critério de ancestralidade continental -que resulta em africanos, caucasoides, asiáticos, australo-melanésios e ameríndios-, tem alguma utilidade e se deve ou não ser empregado em pesquisas biomédicas.
Adversários das raças argumentam que essa divisão é grosseira demais. Grupos que vivem nas franjas dos continentes, por exemplo, reúnem características mistas, como os etíopes.
Também afirmam que os elementos que percebemos como definidores de raça representam diferenças apenas cosméticas como a cor da pele, sendo incapazes de explicar doenças que são fisiologicamente complexas e multigênicas.
Sustentam, por fim, que o conceito de raça, pelos males que já causou ao longo da história, deveria ser abandonado em favor de noções politicamente neutras, como grupamentos de genes que possam ser correlacionados a doenças.
Críticos dessa abordagem dizem que o uso de categorias raciais é inevitável e muitas vezes positivo. Poucos médicos perderão tempo -e recursos- testando negros para a doença de Tay-Sachs por exemplo.
Defendem que se multipliquem os ensaios clínicos que levem em conta categorias raciais, na esperança de identificar com mais precisão quais grupos reagem melhor à droga testada. Seria o pontapé inicial de uma era em que a medicina ofereceria drogas adaptadas ao perfil genético do paciente.
No plano político, a tendência a negar as raças era tradicionalmente vinculada a posições de esquerda, para a qual a igualdade entre os homens seria um dado da natureza. Trabalhos recentes em diversas áreas, entretanto, vêm corroendo a ideia de uma base biológica para a igualdade.


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