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Outras idéias - Michael Kepp
Viagens improvisadas
Apesar de parecer contraditório, para ser livre e espontâneo, é
necessário planejar e
calcular. Músicos de jazz têm
de ensaiar com os membros de
seu grupo antes de improvisar
de modo coeso. Aplico essa lição quando planejo uma viagem. Traço um itinerário, destacando pontos de interesse, os
temas da viagem. Assim, na estrada, um outdoor ou uma placa podem me seduzir a tomar
outra direção, uma digressão
não premeditada que se torna
uma variação sobre o tema.
Minha mulher me deixa cuidar de toda a logística da viagem, um serviço que ela chama
de MikeTur, porque dá a ela férias da tomada de decisão. Ela
também segue o lema da MikeTur: "Planos são feitos para serem mudados". Durante uma
viagem recente à Croácia, notei
que um dos temas principais
-pequenas cidades medievais- seria um "Samba de Uma
Nota Só", pois são muito parecidas. Então, cortei as que restavam do nosso itinerário. Mas
o corte nos deu uma semana
sem planos antes de Veneza,
nosso destino final.
Como estávamos a algumas
horas da Eslovênia, ao norte da
Croácia, simplesmente segui a
placa. Um vilarejo encantador
levou a outro, como notas em
uma frase improvisada. No fim
da visita, havíamos descoberto
um país com lagos alpinos,
campos floridos e castelos
comparáveis aos da França ou
da Suíça, só que com menos turistas, povo mais amigável e
preços mais baratos.
Variações sobre um tema
-em música ou viagens- exigem tempo de execução. Por isso, a MikeTur orquestrou 33
dias para as férias, um período
longo o bastante para comportar o improviso. Durante os últimos seis dias em Veneza, nosso itinerário se ateve a dois lugares: o museu Peggy Guggenheim -um oásis de arte moderna numa cidade inundada
pela antigüidade- e a basílica
de San Marco, a maior atração
turística. Fomos à basílica no
quinto dia, depois de passar os
primeiros quatro descobrindo
a cidade verdadeira dentro dela
-varal de roupas, vovós em varandas e crianças brincando
em pracinhas e parquinhos escondidos e interligados por canais estreitos demais para as
gôndolas.
Fora da basílica, conhecemos
um jovem casal mineiro. Estavam num pacote de seis cidades
européias -Londres, Amsterdã, Paris, Veneza, Florença e
Roma- em 12 dias. O tempo de
traslado dava a eles um dia em
cada cidade, mas apenas seis
horas em Veneza, antes de ir
para Florença.
Minha mulher me lembrou
disso depois de eu passar 20
minutos desfiando as maravilhas da Eslovênia. "Meu bem,
MikeTur está tomando tempo
demais deles", ela disse, e eles
usaram a saída para a despedida brasileira mais rápida que
eu já presenciei.
Para que fizeram a viagem,
correram essa maratona? Para
impressionar os amigos com
destinos que nem tiveram
tempo de desfrutar e os deixaram tão desgastados que precisavam de férias das férias? Pacotes só são bons para velhinhos cheios de energia, mas incapazes de rodar sem ajuda
alheia. Não permitem improvisação e espontaneidade. Planejar sua própria viagem permite, desde que você não confunda o plano com as férias.
[...] PACOTES SÓ SÃO BONS PARA VELHINHOS CHEIOS DE ENERGIA, MAS INCAPAZES DE RODAR SEM AJUDA ALHEIA
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
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