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CRIANÇA
Viva Shrek, abaixo o príncipe encantado
Na contramão do culto aos contos de fadas, psicoterapeuta diz que essas histórias nem sempre contribuem para o desenvolvimento da criança
IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Pai de seis e avô de nove, o
psicoterapeuta Zenon Lotufo
Jr. sempre gostou de contar
histórias às crianças da família. Mas nunca gostou muito
dos contos de fadas.
Lotufo avalia que, em
grande parte desses contos, o
medo de cair nas garras de
uma bruxa ou de ser punida
(como ela será, no final) serve para manter uma atitude
de subserviência e não contribui para o amadurecimento da criança -ao contrário
do que sustentam algumas
correntes da psicanálise.
Leia trechos da entrevista.
Folha - Para o senhor, contos
de fadas não são benéficos?
Zenon Lotufo Jr. - Um dos
problemas é que se generaliza, como se qualquer dessas
histórias tivesse papel positivo. Muitas levam ao conformismo, usam o medo como
forma de dominação e apresentam crueldades incríveis.
Até as versões "suavizadas"?
Os contos de fadas sempre
foram adaptados às características de cada época. Os irmãos Grimm fizeram isso.
Mas há autores que dizem
que eles domesticaram os
contos, que deveriam voltar
a ser como eram. E eram muito cruéis. Não há provas de
que a criança se beneficie
disso. Esses contos surgiram
em uma cultura em que o medo era moeda corrente. Todo
mundo vivia com medo.
Hoje, também vivemos com
medo...
Sem dúvida, mas é diferente pensar na Europa dos
séculos 13 ao 18, com a cultura da culpabilização por
meio da religião, as pestes, as
guerras, a fome. Os contos de
fadas de que estamos falando surgiram nesse contexto e
em grande medida reforçavam esse medo para manter
a obediência das pessoas.
Em geral, culpavam as mulheres e as crianças (quando
eram curiosas e desobedientes) pelos problemas.
O fato de ter sempre um final
feliz não é positivo?
A mulher e a criança raramente têm um papel ativo no
final feliz. Branca de Neve,
Bela Adormecida e Cinderela
são salvas magicamente. Essa passividade das heroínas
tem uma mensagem clara:
quem é boazinha, submissa,
vai ser salva por um príncipe.
Então não seriam histórias
para as crianças de hoje?
As histórias estão aí, ninguém vai suprimir isso. Mas é
importante que o adulto que
conta a história discuta esses
aspectos com as crianças.
Outra coisa importante é
pensar se são adequadas à
idade. Criança muito pequena pode ficar apavorada e
não vai entender uma explicação que as contextualize.
Há entre essas histórias as
que podem ser benéficas?
Algumas têm uma mensagem claramente positiva. O
"Patinho Feio", por exemplo,
mostra alguém que é maltratado porque pertence a outro
grupo, ajuda a entender o
problema da discriminação.
Os contos podem ajudar a
criança a elaborar os próprios medos, como perder a
mãe ou ser abandonada?
Não há comprovação de
que os contos tenham essa
função e de que as crianças
gostam deles por isso.
E por que continuam fazendo sucesso e atraindo tanto
as crianças?
Eu não sei se eles atraem
mais as crianças ou os pais.
Sempre foram usados como
um meio de levar à obediência: não discuta, é assim
mesmo. A Chapeuzinho Vermelho é curiosa e desobediente, por isso se dá mal.
Em sua opinião, esses contos
não cabem na cultural atual?
Tanto esses contos como
muitos super-heróis modernos passam a ideia de um
bem completo e um mal
completo. Não acho que essa
visão maniqueísta faça bem.
De uma forma geral, havendo alternativa de uma coisa
mais saudável e até mais
"contracultural", acho melhor para a criança.
Seria o caso de um filme como "Shrek", em que os personagens típicos dos contos
de fada aparecem em papéis
invertidos em relação aos
"bons" e aos "maus"?
Pode ser. O ogro sempre
foi o mal e é apresentado de
outra forma, como herói. Isso é uma forma interessante
de abordar o assunto.
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