São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2004
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Guarda-roupa consciente

César de Cesário/Folha Imagem
Algodão naturalmente colorido cultivado em Campina Grande (PB)


Preocupação com o ambiente começa a influenciar consumidor e estimula empresas a investir em produtos ecológicos

ANA PAULA DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A estudante de biologia Raquel de Paiva Lino, 24, sente-se responsável pelo ambiente e vai em busca de soluções que possam minimizar sua contribuição ao agravamento da questão. Separa o lixo em casa, mas acha pouco. Ela já ouviu dizer que existem roupas e acessórios ecologicamente corretos, gostaria de adquiri-los, mas não sabe onde. Essa dificuldade, não por acaso, faz parte de uma estratégia da indústria têxtil, que prefere omitir a procedência da matéria-prima, temendo a rejeição dos brasileiros em consumir os reciclados.
Esse temor tem procedência: pesquisa divulgada em maio pelo Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, entidade ligada ao Instituto Ethos -ONG que promove a responsabilidade social a empresas-, constatou que 36% dos brasileiros ainda acreditam que tudo o que é feito a partir de material reciclado possui qualidade inferior ao que é produzido com a matéria-prima virgem. O que Raquel -e a maioria dos consumidores- não sabe é que eles já estão nas araras e prateleiras de lojas e grandes magazines há pelo menos sete anos.
"Quando registramos a marca, ficamos na dúvida sobre como o brasileiro reagiria sabendo que o produto que ele estava comprando era feito de garrafa plástica de refrigerante reciclada. Pensamos que poderia ter uma conotação negativa e decidimos omitir o fato", afirma Helio Rubens Losito, gerente comercial da Unnafibras. A indústria recicla garrafas para obter o poliéster, polímero plástico derivado do petróleo, cuja fibra dá forma aos mais variados produtos, de roupas -incluindo de cama e mesa-, enchimento de edredons e bichos de pelúcia ao tecido do banco do carro. Segundo Losito, a Unnafibras, que recicla 30 mil toneladas de garrafa PET por ano, é responsável por suprir 20% da demanda do poliéster nacional.
Desde 2000, a empresa aposta no potencial de compra dos brasileiros conscientes -hoje, apenas 6% do total, segundo a pesquisa do Instituto Akatu- e registrou a marca Ecofibras, que comercializa camisetas feitas com 50% de poliéster vindo de garrafas recicladas e 50% de algodão. "Por enquanto, fabricamos apenas uniformes profissionais e camisetas promocionais", diz Losito.
Mas uma pequena parte dessa produção já pode ser comprada no varejo. O site Social Web vende sete modelos da camiseta reciclada e ainda doa 22% do valor do produto -que varia de R$ 10 a R$ 16,50- para as ONGs cadastradas na página. "Eu queria trabalhar com vendas pela internet e usei esse diferencial, o da responsabilidade social e ecológica", diz o criador do site, o administrador de empresas Alexandre Moares.
Tanto visualmente como pela textura, a camiseta -item mais procurado na loja virtual- assemelha-se às convencionais, mas o tecido retém muito mais calor do que o usado naquelas fabricadas só com algodão. A quantidade de poliéster usada normalmente em camisetas é de até 25%.
Segundo estimativa da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), 175 mil toneladas de carcaça de pneus são descartadas por ano, mas a indústria de calçados já utiliza esse entulho.
Há sete anos, a Side Walk reutiliza pneus usados não só para dar forma ao solado de alguns de seus calçados mas também para confeccionar as tiras de chinelos. Os sapatos da Yepp, além do solado de pneu, possuem o tecido feito de lona usada de caminhão. Em ambos os casos, a desvantagem do produto fica por conta do peso, do aspecto rústico e da pouca opção de modelos. "Afinal, não dá para ter uma linha inteira feita de pneu nas lojas", brinca Márcio Juan Paulo, designer da Side Walk, que afirma que o preço não varia substancialmente em relação ao convencional.
Assim como a Unnafibras, a Santista Têxtil só conta de que são feitos alguns de seus tecidos se alguém perguntar. O Ecol Denim, usado para a confecção de jeans, é produzido a partir de retalhos do tecido que são transformados em fios novamente. Segundo Luiz Ricardo Pegorin, gerente de marketing da empresa, esse reúso gera uma economia de 15% em relação ao processo convencional. "Em geral, nossos compradores repassam essa economia ao consumidor final."
Há quatro anos, a Santista partiu para o marketing ecológico e resolveu anunciar a confecção de um tecido que leva 23% de fibra de PET reciclada -com economia de 10% a 15% no preço final. Entre seus compradores, segundo Pegorin, estão hoje a Levi's e a Staroup.
A mais nova criação da empresa, para fazer saltitar o militante da causa, é o tecido sem poliéster, que, afinal, reciclado ou não, é um subproduto do petróleo, um recurso natural não-renovável. Pioneiro no Brasil, o Santista Ingeo Denim é feito com 25% de Ingeo, primeiro plástico feito de amido, vindo principalmente de milho. "Mas ainda não é possível encontrá-lo no varejo, pois ainda está em desenvolvimento", diz Pegorin.
Mas nem tudo são flores no mundo do guarda-roupa ecologicamente correto. A fábrica de meias Selene, há pouco mais de dois anos, desativou sua linha de meias feitas com algodão orgânico -que não utiliza agrotóxicos no plantio. "As vendas foram baixas, não chegou a ficar nem um ano nas lojas", diz Solange Rossini, coordenadora de desenvolvimento de produtos da empresa. Segundo ela, por causa da baixa escala de produção, as meias eram mais caras que as convencionais e não conquistaram o mercado.
Segundo o diretor-presidente do Akatu, Hélio Mattar, a falta de informação dos consumidores ainda é um empecilho para que a indústria têxtil ecológica -principalmente a reciclada- não decole de vez. Na pesquisa do instituto, feita com mil entrevistados nos principais Estados do país, foram identificados três tipos de consumidor -do iniciante ao consciente-, "sendo que a diferença entre um e outro é a informação que cada grupo possui". O primeiro grupo, que corresponde a 57% dos brasileiros, sabe existir um problema, mas desconhece a solução: por exemplo, "não se dá conta da importância da separação do lixo e não sabe que existem camisetas feitas com garrafas recicladas", diz Mattar. Já o segundo, 37% da população, são pessoas que conhecem o problema ambiental e vão em busca de soluções. É nessa fase que as pessoas passam a aderir à coleta seletiva, mas também ignoram existir produtos feitos de materiais alternativos.
A minoria, 6% dos brasileiros, são consumidores conscientes -se preocupam com o coletivo e sabem da existência de produtos reciclados. Entre eles, diz Mattar, 76% compraram itens feitos com reciclados nos últimos seis meses.
Números que tendem a crescer. "A cada dia, a cobrança da sociedade pela questão ambiental é maior. Hoje, nas escolas, as crianças já têm aulas de educação ambiental, coisa que há 20 anos não existia", explica Eduardo San Martin, do Departamento de Meio Ambiente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e da Confecção).
Para identificar quem das 15 mil indústrias têxteis brasileiras está andando na linha, a Abit está desenvolvendo um "inventário ambiental". O catálogo, além de quantificar o impacto no ambiente causado por cada fábrica, vai certificar a empresa (que merecer) para que possa competir com os mesmos padrões impostos pela União Européia. Os resultados preliminares da pesquisa devem ficar prontos até o final deste ano.
Se, segundo Martin, o impacto ambiental produzido pela indústria têxtil é difícil de ser avaliado, a utilização dos reciclados -tanto em confecções de roupas como para qualquer outro fim- se justifica por contribuir na prolongação da vida útil dos aterros sanitários.
Garrafas de refrigerante e pneus, por exemplo, ocupam grande espaço e "as áreas destinadas aos aterros são cada vez mais escassas", de acordo com Marussia Whately, coordenadora do Programa Mananciais de São Paulo, do Instituto Socioambiental (ISA).
Para ela, outro ponto positivo que a indústria dos reciclados gera é a carga de projetos sociais inseridos no processo, criando, assim, cooperativas de catadores de PET, por exemplo.
"Unimos o últil ao reciclado", explica Luiz Ricardo Pegorin, gerente de marketing da Santista. A empresa, que começou a fabricar tecidos mais ecológicos pensando apenas na redução dos custos, descobriu que a etiqueta de "amigo do ambiente" melhora a imagem da marca.
A Nike, por exemplo, acusada de utilização de mão-de-obra infantil em 1997, começou a usar algodão orgânico em 1998. Em 2002, lançou a primeira linha feita só com essa matéria-prima, cuja etiqueta leva o selo "Organic Content" -ainda sem previsão de ser comercializada no Brasil. Segundo a empresa, essa preocupação nada tem a ver com as denúncias e que a multinacional está preocupada com o ambiente.
Já fábrica de calçados masculinos Donadelli abriu mão desse apelo comercial, pois ainda utiliza o couro animal. Mas, no processo de uma de suas linhas, optou por curtir o material em tanino, extraído da árvore acácia, em vez de cromo, produto altamente poluente. "O calçado ainda leva cola de sapateiro e tem sola de borracha. Seria temerário vendermos esse marketing ecológico; poderíamos ser cobrados", diz a Sabina Donadelli, uma das proprietárias da fábrica.
O Greenpeace segue à risca a cartilha que prega, mas, segundo o dono da franquia da loja, Samy Menasce, não dá para ter produtos 100% corretos, "pois alguma coisa sempre sai fora do controle", seja o fornecedor ou uma sola de borracha. Na loja, é possível encontrar roupas de algodão naturalmente colorido e, para a próxima coleção, prometem peças de algodão orgânico.


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