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Guarda-roupa consciente
César de Cesário/Folha Imagem
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Algodão naturalmente colorido cultivado em Campina Grande (PB) |
Preocupação com o ambiente começa a influenciar consumidor
e estimula empresas a investir em produtos ecológicos
ANA PAULA DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
A estudante de biologia Raquel de Paiva Lino,
24, sente-se responsável pelo ambiente e vai
em busca de soluções que possam minimizar sua
contribuição ao agravamento da questão. Separa
o lixo em casa, mas acha pouco. Ela já ouviu dizer
que existem roupas e acessórios ecologicamente
corretos, gostaria de adquiri-los, mas não sabe onde. Essa dificuldade, não por acaso, faz parte de
uma estratégia da indústria têxtil, que prefere omitir a procedência da matéria-prima, temendo a rejeição dos brasileiros em consumir os reciclados.
Esse temor tem procedência: pesquisa divulgada
em maio pelo Instituto Akatu pelo Consumo
Consciente, entidade ligada ao Instituto Ethos
-ONG que promove a responsabilidade social a
empresas-, constatou que 36% dos brasileiros
ainda acreditam que tudo o que é feito a partir de
material reciclado possui qualidade inferior ao que
é produzido com a matéria-prima virgem. O que
Raquel -e a maioria dos consumidores- não sabe é que eles já estão nas araras e prateleiras de lojas e grandes magazines há pelo menos sete anos.
"Quando registramos a marca, ficamos na dúvida sobre como o brasileiro reagiria sabendo que o
produto que ele estava comprando era feito de garrafa plástica de refrigerante reciclada. Pensamos
que poderia ter uma conotação negativa e decidimos omitir o fato", afirma Helio Rubens Losito,
gerente comercial da Unnafibras. A indústria recicla garrafas para obter o poliéster, polímero plástico derivado do petróleo, cuja fibra dá forma aos
mais variados produtos, de roupas -incluindo de
cama e mesa-, enchimento de edredons e bichos
de pelúcia ao tecido do banco do carro. Segundo
Losito, a Unnafibras, que recicla 30 mil toneladas
de garrafa PET por ano, é responsável por suprir
20% da demanda do poliéster nacional.
Desde 2000, a empresa aposta no potencial de
compra dos brasileiros conscientes -hoje, apenas
6% do total, segundo a pesquisa do Instituto Akatu- e registrou a marca Ecofibras, que comercializa camisetas feitas com 50% de poliéster vindo de
garrafas recicladas e 50% de algodão. "Por enquanto, fabricamos apenas uniformes profissionais e camisetas promocionais", diz Losito.
Mas uma pequena parte dessa produção já pode
ser comprada no varejo. O site Social Web vende
sete modelos da camiseta reciclada e ainda doa
22% do valor do produto -que varia de R$ 10 a R$
16,50- para as ONGs cadastradas na página. "Eu
queria trabalhar com vendas pela internet e usei
esse diferencial, o da responsabilidade social e ecológica", diz o criador do site, o administrador de
empresas Alexandre Moares.
Tanto visualmente como pela textura, a camiseta
-item mais procurado na loja virtual- assemelha-se às convencionais, mas o tecido retém muito
mais calor do que o usado naquelas fabricadas só com algodão. A quantidade de poliéster
usada normalmente em camisetas é de até 25%.
Segundo estimativa da Associação Nacional da
Indústria de Pneumáticos (Anip), 175 mil toneladas de carcaça de pneus são descartadas por ano,
mas a indústria de calçados já utiliza esse entulho.
Há sete anos, a Side Walk reutiliza pneus usados não só para dar forma ao solado de alguns de
seus calçados mas também para confeccionar as
tiras de chinelos. Os sapatos da Yepp, além do solado de pneu, possuem o tecido feito de lona usada de caminhão. Em ambos os casos, a desvantagem do produto fica por conta do peso, do aspecto rústico e da pouca opção de modelos. "Afinal,
não dá para ter uma linha inteira feita de pneu nas
lojas", brinca Márcio Juan Paulo, designer da Side
Walk, que afirma que o preço não varia substancialmente em relação ao convencional.
Assim como a Unnafibras, a Santista Têxtil só
conta de que são feitos alguns de seus tecidos se
alguém perguntar. O Ecol Denim, usado para a
confecção de jeans, é produzido a partir de retalhos do tecido que são transformados em fios novamente. Segundo Luiz Ricardo Pegorin, gerente
de marketing da empresa, esse reúso gera uma
economia de 15% em relação ao processo convencional. "Em geral, nossos compradores repassam essa economia ao consumidor final."
Há quatro anos, a Santista partiu para o marketing ecológico e resolveu anunciar a confecção de
um tecido que leva 23% de fibra de PET reciclada
-com economia de 10% a 15% no preço final.
Entre seus compradores, segundo Pegorin, estão
hoje a Levi's e a Staroup.
A mais nova criação da empresa, para fazer saltitar o militante da causa, é o tecido sem poliéster,
que, afinal, reciclado ou não, é um subproduto do
petróleo, um recurso natural não-renovável. Pioneiro no Brasil, o Santista Ingeo Denim é feito
com 25% de Ingeo, primeiro plástico feito de
amido, vindo principalmente de milho. "Mas
ainda não é possível encontrá-lo no varejo, pois
ainda está em desenvolvimento", diz Pegorin.
Mas nem tudo são flores no mundo do guarda-roupa ecologicamente correto. A fábrica de meias
Selene, há pouco mais de dois anos, desativou sua
linha de meias feitas com algodão orgânico
-que não utiliza agrotóxicos no plantio. "As vendas foram baixas, não chegou
a ficar nem um ano nas lojas", diz Solange Rossini, coordenadora de desenvolvimento de produtos da empresa. Segundo ela, por causa da baixa
escala de produção, as meias eram mais caras que
as convencionais e não conquistaram o mercado.
Segundo o diretor-presidente do Akatu, Hélio
Mattar, a falta de informação dos consumidores
ainda é um empecilho para que a indústria têxtil
ecológica -principalmente a reciclada- não
decole de vez. Na pesquisa do instituto, feita com
mil entrevistados nos principais Estados do país,
foram identificados três tipos de consumidor
-do iniciante ao consciente-, "sendo que a diferença entre um e outro é a informação que cada
grupo possui". O primeiro grupo, que corresponde a 57% dos brasileiros, sabe existir um problema, mas desconhece a solução: por exemplo, "não se dá conta da importância da separação do lixo e não sabe que existem camisetas feitas com garrafas recicladas", diz Mattar. Já o segundo, 37% da população, são pessoas que conhecem o problema ambiental e vão em busca
de soluções. É nessa fase que as pessoas passam a
aderir à coleta seletiva, mas também ignoram
existir produtos feitos de materiais alternativos.
A minoria, 6% dos brasileiros, são consumidores conscientes -se preocupam com o coletivo
e sabem da existência de produtos reciclados.
Entre eles, diz Mattar, 76% compraram itens feitos com reciclados nos últimos seis meses.
Números que tendem a crescer. "A cada dia, a
cobrança da sociedade pela questão ambiental é
maior. Hoje, nas escolas, as crianças já têm aulas
de educação ambiental, coisa que há 20 anos não
existia", explica Eduardo San Martin, do Departamento de Meio Ambiente da Abit (Associação
Brasileira da Indústria Têxtil e da Confecção).
Para identificar quem das 15 mil indústrias
têxteis brasileiras está andando na linha, a Abit
está desenvolvendo um "inventário ambiental".
O catálogo, além de quantificar o impacto no
ambiente causado por cada fábrica, vai certificar
a empresa (que merecer) para que possa competir com os mesmos padrões impostos pela União
Européia. Os resultados preliminares da pesquisa devem ficar prontos até o final deste ano.
Se, segundo Martin, o impacto ambiental produzido pela indústria têxtil é difícil de ser avaliado, a utilização dos reciclados -tanto em confecções de roupas como para qualquer outro
fim- se justifica por contribuir na prolongação
da vida útil dos aterros sanitários.
Garrafas de refrigerante e pneus, por exemplo,
ocupam grande espaço e "as áreas destinadas
aos aterros são cada vez mais escassas", de acordo com Marussia Whately, coordenadora do
Programa Mananciais de São Paulo, do Instituto
Socioambiental (ISA).
Para ela, outro ponto positivo que a indústria
dos reciclados gera é a carga de projetos sociais
inseridos no processo, criando, assim, cooperativas de catadores de PET, por exemplo.
"Unimos o últil ao reciclado", explica Luiz Ricardo Pegorin, gerente de marketing da Santista.
A empresa, que começou a fabricar tecidos mais
ecológicos pensando apenas na redução dos
custos, descobriu que a etiqueta de "amigo do
ambiente" melhora a imagem da marca.
A Nike, por exemplo, acusada de utilização de
mão-de-obra infantil em 1997, começou a usar
algodão orgânico em 1998. Em 2002, lançou a
primeira linha feita só com essa matéria-prima,
cuja etiqueta leva o selo "Organic Content"
-ainda sem previsão de ser comercializada no
Brasil. Segundo a empresa, essa preocupação
nada tem a ver com as denúncias e que a multinacional está preocupada com o ambiente.
Já fábrica de calçados masculinos Donadelli
abriu mão desse apelo comercial, pois ainda utiliza o couro animal. Mas, no processo de uma de
suas linhas, optou por curtir o material em tanino, extraído da árvore acácia, em vez de cromo,
produto altamente poluente. "O calçado ainda
leva cola de sapateiro e tem sola de borracha. Seria temerário vendermos esse marketing ecológico; poderíamos ser cobrados", diz a Sabina
Donadelli, uma das proprietárias da fábrica.
O Greenpeace segue à risca a cartilha que prega, mas, segundo o dono da franquia da loja,
Samy Menasce, não dá para ter produtos 100%
corretos, "pois alguma coisa sempre sai fora do
controle", seja o fornecedor ou uma sola de borracha. Na loja, é possível encontrar roupas de algodão naturalmente colorido e, para a próxima
coleção, prometem peças de algodão orgânico.
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