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s.o.s. família
rosely sayão
Para ser livre, é preciso livrar-se da família
Era só o que faltava! Como se não bastasse a escola responsabilizar a família
por quase tudo o que acontece -de negativo, é importante ressaltar-
com os filhos no ambiente escolar, agora o presidente da República resolveu fazer coro ao discurso dos professores. As famílias já conhecem bem o tom da
conversa praticada pelos educadores. Se o aluno comete transgressões, os pais
são chamados. A hipótese escolar é a de que os pais não educam a contento seus
pimpolhos e que, por isso, eles não sabem se comportar na escola.
Se o aluno tem dificuldades para dar conta da tarefa que deve ser feita em casa, os
pais são chamados. A hipótese dos professores: os pais não cobram de seus filhos que
façam as lições. Se o aluno não tem gosto
pela leitura, os professores dizem que os
pais não valorizam isso em casa. Se o aluno
briga, furta, desrespeita colegas e professores, os pais são responsabilizados. A escola
diz que isso acontece porque as famílias estão desestruturadas e não ensinam mais
valores aos seus filhos.
Esses são apenas alguns dos exemplos do
que é expresso no diálogo entre pais e professores. E, agora, o nosso presidente resolveu repetir a dose. Foi publicado na Folha
de 20 de julho: o presidente Lula afirmou
que cabe à família a solução de muitos dos
problemas do país. E ele repetiu o bordão
de que a estrutura da família e seus valores
precisam ser resgatados.
E agora? Bom, é preciso considerar, em
primeiro lugar, que a família, ao educar os
filhos na atualidade, está mesmo declinando de muitas coisas. Mas esse fenômeno
tem múltiplas razões. As mulheres estão
cada vez mais no trabalho e cada vez menos
com os filhos, por exemplo. Além disso, a
configuração familiar mudou bastante, e
temos hoje uma diversidade incrível de
combinações familiares. Mas temos, principalmente, adultos que se demitem da
função educativa por causa de um anseio
do nosso tempo: o de permanecer eternamente jovem.
Ora, ora, quem é jovem está ocupado demais consigo mesmo e com seu mundo para se dedicar aos mais novos, não é mesmo?
O jovem não tem disponibilidade para
acompanhar o crescimento dos menores
porque considera que ele próprio está em
franco desenvolvimento. O jovem não suporta ver a dor do outro enquanto cresce e
se defronta com a realidade porque, afinal,
está às voltas com suas próprias dores. Só
que esse fenômeno contemporâneo não
fisgou apenas os pais e os demais componentes da família: afetou a todos os adultos.
Por isso não é correto afirmar que a família não passa valores aos filhos quando os
educa. Passa, sim. Podem ser valores diferentes daqueles que a escola e a sociedade
anseiam, mas toda criança e todo jovem
aprendem valores com seus familiares e
com a sociedade em que vivem. E se vivemos em uma época em que todos querem
ser jovens? Por que eles não desejariam o
mesmo? Por que não valorizariam isso acima de muitas outras coisas?
Transgredir, experimentar, ousar, desobedecer, ser insolente: essas premissas fazem parte do mundo do jovem. Cá entre
nós, está bem difícil encontrar adultos e
crianças distantes desse universo juvenil.
A ausência da família na educação das
crianças e dos jovens não precisa gerar um
prejuízo decisivo na formação deles. Poderia, muito bem, ser usada de modo produtivo. Sabemos que os pais, ao educar, perpetuam preconceitos, pressionam certos
modelos de vida futura e, principalmente,valorizam o espaço privado. Pois aí está
uma nova chance de formar de maneira diferente aquele que será o cidadão do futuro.
Ensinar a conviver no espaço público democraticamente, por exemplo, é tarefa
quase impossível para a família, tanto
quanto buscar o bem comum.
Para a escola, é perfeitamente possível;
aliás, essa seria uma de suas competências
na atualidade. Para o Estado, também. E o
Estado também educa, correto? Por fim,
para se tornar um adulto livre, um cidadão
responsável, é preciso livrar-se da família
-tornar-se independente dela e saber
transformar a herança que dela recebeu.
Quando realizamos um chamamento geral
pela família, apostamos na infantilização
da sociedade.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação
e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha),
entre outros; e-mail: roselys@uol.com.br
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