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outras idéias
michael kepp
Em briga de marido e mulher...
Maridos e mulheres que trocam injúrias na frente de amigos procuram aliados, não voyeurs ou terapeutas de casais
Tentar acalmar uma discussão entre
um casal, assim como apartar briga
de rua, aumenta o risco de você
acabar machucado. Um amigo que aja como mediador, tentando resolver a questão,
corre tanto risco quanto aquele que se
mantém quieto, assistindo a tudo. Isso
porque maridos e mulheres que trocam injúrias na frente de amigos procuram aliados, não voyeurs ou terapeutas de casais.
Ou então buscam mais um saco de pancada em que depositar toda a raiva excedente. Casais em crise podem canibalizar os
amigos. E aqueles que "metem a colher"
geralmente acabam sendo comidos vivos.
Quando sou pego de surpresa no meio
de uma briga de casal, evito ser devorado
usando uma estratégia de fuga, algo como
"desculpe, mas estou atrasado...". Mas,
quando o casal insiste em saber minha opinião, enredando-me em sua teia embaralhada, imploro aos dois que me deixem ir e
que evitem mais constrangimento para
ambos os lados.
Essa súplica geralmente funciona. Mas a
sinceridade e/ou o constrangimento já vivido por cada um de nós pode ser um sério
golpe na amizade. Alguns meses atrás, um
casal carioca de que sou amigo começou
uma acalorada discussão na minha casa. E
o constrangimento que sentiram, combinado com as fragilidades ali reveladas, pode explicar por que não vejo o casal desde
essa época.
Mas e se o marido e a mulher aceitam sua
sugestão, param de brigar na sua frente,
mas, sem conseguir acertar os ponteiros,
procuram você separadamente querendo
apoio? Se apenas um dos dois é seu amigo,
não faça a besteira de ouvir o outro.
Alguns anos atrás, a mulher de um bom
amigo começou a reclamar comigo da infidelidade ocasional do marido, esperando
que eu influenciasse o comportamento dele. Eu deveria ter-me recusado a escutá-la
por fidelidade a ele. Quando meu amigo
descobriu que ofereci o ombro à mulher
dele para que ela chorasse, ele se sentiu
traído (por nós dois!) e levou muito tempo
para se abrir comigo de novo.
Quando os dois são seus amigos e procuram você separadamente querendo apoio,
é mais seguro mostrar simpatia por ambos
do que dar sua opinião (que geralmente
não querem). Às vezes eu dou a opinião
mesmo assim. Por quê? Porque não sou
tão prudente assim. Porque o ponto de vista de um amigo pode ser tão míope que deve ser questionado ou até contrariado. Ou
porque, de vez em quando, alguém quer
ouvir minha opinião.
Recentemente, um outro casal amigo
-um e outro sem que o parceiro soubesse-, me pediu que os ajudasse a curar feridas profundas. Nenhum dos dois se recuperara de uma discussão traumática, acontecida muitos anos antes e eu era o único
em que ambos confiavam.
Comecei perguntando o que cada um
poderia fazer separadamente para curar as
feridas mútuas, sem exigir a mesma concessão do outro. Cada amigo ofereceu
muito pouco -em outras palavras, disseram "que pena isso ter acontecido"- e se
recusaram a ceder, a não ser que o outro
cedesse primeiro. Então, forcei a barra um
pouco mais, pedindo a cada um que me
dissesse "o máximo" que cederia ao outro
sem exigir reciprocidade.
Depois de muita luta interior, os dois
descobriram que cederiam bem mais do
que imaginavam. Nenhum dos dois pediu
desculpas porque não era culpa de ninguém. Simplesmente não haviam reagido
bem a circunstâncias que não podiam controlar. Então, marido e mulher puderam finalmente dizer, em outras palavras, "sinto
muito que o que aconteceu entre nós magoou você tanto assim". As feridas se curaram quase de um dia para o outro.
Eu também me senti vitorioso. Ajudei
dois amigos a encontrar o caminho de volta para o coração um do outro, além de reforçar minha própria ligação com cada um
deles. Imagine a cena: o sino toca terminando uma luta de pesos pesados e eu, o
juiz, levanto o braço cansado de ambos os
lutadores no centro do ringue.
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado
há 21 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um
Gringo Brasileiro" (ed. Record); site: www.michaelkepp.com.br
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