São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2004
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michael kepp

Em briga de marido e mulher...

Maridos e mulheres que trocam injúrias na frente de amigos procuram aliados, não voyeurs ou terapeutas de casais

Tentar acalmar uma discussão entre um casal, assim como apartar briga de rua, aumenta o risco de você acabar machucado. Um amigo que aja como mediador, tentando resolver a questão, corre tanto risco quanto aquele que se mantém quieto, assistindo a tudo. Isso porque maridos e mulheres que trocam injúrias na frente de amigos procuram aliados, não voyeurs ou terapeutas de casais. Ou então buscam mais um saco de pancada em que depositar toda a raiva excedente. Casais em crise podem canibalizar os amigos. E aqueles que "metem a colher" geralmente acabam sendo comidos vivos.
Quando sou pego de surpresa no meio de uma briga de casal, evito ser devorado usando uma estratégia de fuga, algo como "desculpe, mas estou atrasado...". Mas, quando o casal insiste em saber minha opinião, enredando-me em sua teia embaralhada, imploro aos dois que me deixem ir e que evitem mais constrangimento para ambos os lados.
Essa súplica geralmente funciona. Mas a sinceridade e/ou o constrangimento já vivido por cada um de nós pode ser um sério golpe na amizade. Alguns meses atrás, um casal carioca de que sou amigo começou uma acalorada discussão na minha casa. E o constrangimento que sentiram, combinado com as fragilidades ali reveladas, pode explicar por que não vejo o casal desde essa época.
Mas e se o marido e a mulher aceitam sua sugestão, param de brigar na sua frente, mas, sem conseguir acertar os ponteiros, procuram você separadamente querendo apoio? Se apenas um dos dois é seu amigo, não faça a besteira de ouvir o outro.
Alguns anos atrás, a mulher de um bom amigo começou a reclamar comigo da infidelidade ocasional do marido, esperando que eu influenciasse o comportamento dele. Eu deveria ter-me recusado a escutá-la por fidelidade a ele. Quando meu amigo descobriu que ofereci o ombro à mulher dele para que ela chorasse, ele se sentiu traído (por nós dois!) e levou muito tempo para se abrir comigo de novo.
Quando os dois são seus amigos e procuram você separadamente querendo apoio, é mais seguro mostrar simpatia por ambos do que dar sua opinião (que geralmente não querem). Às vezes eu dou a opinião mesmo assim. Por quê? Porque não sou tão prudente assim. Porque o ponto de vista de um amigo pode ser tão míope que deve ser questionado ou até contrariado. Ou porque, de vez em quando, alguém quer ouvir minha opinião.
Recentemente, um outro casal amigo -um e outro sem que o parceiro soubesse-, me pediu que os ajudasse a curar feridas profundas. Nenhum dos dois se recuperara de uma discussão traumática, acontecida muitos anos antes e eu era o único em que ambos confiavam.
Comecei perguntando o que cada um poderia fazer separadamente para curar as feridas mútuas, sem exigir a mesma concessão do outro. Cada amigo ofereceu muito pouco -em outras palavras, disseram "que pena isso ter acontecido"- e se recusaram a ceder, a não ser que o outro cedesse primeiro. Então, forcei a barra um pouco mais, pedindo a cada um que me dissesse "o máximo" que cederia ao outro sem exigir reciprocidade.
Depois de muita luta interior, os dois descobriram que cederiam bem mais do que imaginavam. Nenhum dos dois pediu desculpas porque não era culpa de ninguém. Simplesmente não haviam reagido bem a circunstâncias que não podiam controlar. Então, marido e mulher puderam finalmente dizer, em outras palavras, "sinto muito que o que aconteceu entre nós magoou você tanto assim". As feridas se curaram quase de um dia para o outro.
Eu também me senti vitorioso. Ajudei dois amigos a encontrar o caminho de volta para o coração um do outro, além de reforçar minha própria ligação com cada um deles. Imagine a cena: o sino toca terminando uma luta de pesos pesados e eu, o juiz, levanto o braço cansado de ambos os lutadores no centro do ringue.


MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 21 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record); site: www.michaelkepp.com.br


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