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Perfil
Brasileira que começou a correr depois dos 50 anos conquista campeonato mundial de atletismo
Mitico, 73, medalha de ouro
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
A corredora brasileira Mitico Nakatani acaba de trazer mais uma
medalha para sua coleção. Espalhadas pelos móveis e paredes da
sala de sua casa, junto com troféus e placas de homenagem, elas são tantas
que têm de disputar espaço com enfeites e fotografias de família e mal cabem no pequeno
ambiente.
Quem vê tantas lembranças de vitórias não
imagina que até os 56 anos Mitico levava uma
vida totalmente sedentária, trabalhava como
costureira e sentia vários incômodos físicos.
Hoje, aos 73, ela conquistou, no último dia 3,
a medalha de ouro de maratona no Campeonato Mundial de Atletismo Veterano, em San
Sebastián, na Espanha - torneio que reuniu
mais de 6.000 atletas de 85 países, dos quais 57
faziam parte da delegação brasileira. A corredora completou os 42.195 metros do percurso
em 4h57min55s, quase dois minutos à frente
da segunda colocada.
Para dar conta do recado, Mitico treina duro. Todo dia, acorda às 4h30 para correr no
parque Ibirapuera junto com seu técnico,
Wanderlei de Oliveira, e só descansa às sextas-feiras. Duas vezes por semana, faz musculação
e hidroginástica.
Há dois anos, começou a treinar também
natação para se preparar para as provas de
"cross country" -realizadas sobre grama ou
terra com obstáculos naturais, como rios. No
ano passado, ela bateu o recorde latino-americano da modalidade.
Há quase 20 anos, essa rotina seria impossível de conceber. "Eu não conseguia comer, tinha que tomar injeção para dormir e vivia
nervosa. Meu marido chegou a me carregar
para o posto de saúde, de tão fraca que eu estava", diz Mitico, que não chegou a descobrir o
que tinha.
Após retirar todos os remédios -"eram
tantos que meu corpo ficou intoxicado"-,
uma médica receitou apenas um suco fortificante. Quando ela melhorou, recomendou
que fizesse caminhadas. "Comecei a andar,
mas sentia que faltava algo, que não estava
bom para mim. Era muito monótono. Então,
passei a correr pouco a pouco", conta Mitico.
Os primeiros passos foram ensinados por
um senhor que dava aula de ginástica perto de
sua casa. "Eu corria torto, viu? O pessoal morria de rir. Mas eu queria fazer e fui melhorando. Um dia ele me disse que eu estava muito
bem e que era melhor eu começar a correr na
rua", relata.
"Sem perceber", os pequenos percursos foram se tornando cada vez mais longos. A primeira competição, numa prova de 800 m, não
foi fácil. "Correr na rua é uma coisa, na pista é
outra", lembra Mitico.
Hoje, vários campeonatos depois, a corredora já conheceu países como Chile, Japão, Uruguai, Paraguai, Argentina e França. Nesse último, em 2004, ela e o marido comemoraram
bodas de ouro. "Foi a corrida mais emocionante de todas. Quando cheguei, eles gritaram
"Brasil!", falaram meu nome e tocaram o hino
nacional", orgulha-se.
DONA-DE-CASA
Quando não está correndo, Mitico leva uma
vida comum na casa onde mora há 44 anos, na
Saúde, em São Paulo. Cuida do marido, visita
os dois filhos e os três netos, costura roupas
para alguns clientes e cozinha, atividade que
diz adorar. Os pratos do Japão, país onde nasceram seus pais, são os que ela mais gosta de
preparar.
Mas muita coisa mudou desde que começou
a competir. "A família japonesa é rigorosa. As
mulheres não podem ficar saindo de casa, são
sempre os homens que saem. Agora, eu vou a
qualquer lugar", afirma Mitico, que fez vários
amigos atletas e já influenciou até o marido,
que chegou a correr distâncias curtas.
Os vizinhos também estão seguindo seu
exemplo. "Eles me pedem conselhos e já estão
começando. Uma vizinha disse que me viu
correndo com essa idade e sentiu vontade de
fazer também. Agora, ela vai participar pela
primeira vez da São Silvestre."
Nessa tradicional corrida paulistana, Mitico
conquistou oito primeiros lugares e uma segunda colocação. Este ano, deve correr na prova pela última vez, já que não encontra motivação por não haver premiações para categorias de maiores de 60 anos.
A falta de incentivo aos corredores de sua
idade é, aliás, uma grande dificuldade que ela
enfrenta. "Já corri muito atrás de patrocínio.
Não é fácil", diz.
Mesmo assim, Mitico afirma que vale muito
a pena. "Quando você sai de casa, você muda a
cabeça, pensa em mais coisas, não fica falando
só de doença. Correr faz bem para o corpo, para a mente, para tudo", afirma.
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