São Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 2005
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Perfil

Brasileira que começou a correr depois dos 50 anos conquista campeonato mundial de atletismo

Mitico, 73, medalha de ouro

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

A corredora brasileira Mitico Nakatani acaba de trazer mais uma medalha para sua coleção. Espalhadas pelos móveis e paredes da sala de sua casa, junto com troféus e placas de homenagem, elas são tantas que têm de disputar espaço com enfeites e fotografias de família e mal cabem no pequeno ambiente.
Quem vê tantas lembranças de vitórias não imagina que até os 56 anos Mitico levava uma vida totalmente sedentária, trabalhava como costureira e sentia vários incômodos físicos.
Hoje, aos 73, ela conquistou, no último dia 3, a medalha de ouro de maratona no Campeonato Mundial de Atletismo Veterano, em San Sebastián, na Espanha - torneio que reuniu mais de 6.000 atletas de 85 países, dos quais 57 faziam parte da delegação brasileira. A corredora completou os 42.195 metros do percurso em 4h57min55s, quase dois minutos à frente da segunda colocada.
Para dar conta do recado, Mitico treina duro. Todo dia, acorda às 4h30 para correr no parque Ibirapuera junto com seu técnico, Wanderlei de Oliveira, e só descansa às sextas-feiras. Duas vezes por semana, faz musculação e hidroginástica.
Há dois anos, começou a treinar também natação para se preparar para as provas de "cross country" -realizadas sobre grama ou terra com obstáculos naturais, como rios. No ano passado, ela bateu o recorde latino-americano da modalidade.
Há quase 20 anos, essa rotina seria impossível de conceber. "Eu não conseguia comer, tinha que tomar injeção para dormir e vivia nervosa. Meu marido chegou a me carregar para o posto de saúde, de tão fraca que eu estava", diz Mitico, que não chegou a descobrir o que tinha.
Após retirar todos os remédios -"eram tantos que meu corpo ficou intoxicado"-, uma médica receitou apenas um suco fortificante. Quando ela melhorou, recomendou que fizesse caminhadas. "Comecei a andar, mas sentia que faltava algo, que não estava bom para mim. Era muito monótono. Então, passei a correr pouco a pouco", conta Mitico.
Os primeiros passos foram ensinados por um senhor que dava aula de ginástica perto de sua casa. "Eu corria torto, viu? O pessoal morria de rir. Mas eu queria fazer e fui melhorando. Um dia ele me disse que eu estava muito bem e que era melhor eu começar a correr na rua", relata.
"Sem perceber", os pequenos percursos foram se tornando cada vez mais longos. A primeira competição, numa prova de 800 m, não foi fácil. "Correr na rua é uma coisa, na pista é outra", lembra Mitico.
Hoje, vários campeonatos depois, a corredora já conheceu países como Chile, Japão, Uruguai, Paraguai, Argentina e França. Nesse último, em 2004, ela e o marido comemoraram bodas de ouro. "Foi a corrida mais emocionante de todas. Quando cheguei, eles gritaram "Brasil!", falaram meu nome e tocaram o hino nacional", orgulha-se.

DONA-DE-CASA
Quando não está correndo, Mitico leva uma vida comum na casa onde mora há 44 anos, na Saúde, em São Paulo. Cuida do marido, visita os dois filhos e os três netos, costura roupas para alguns clientes e cozinha, atividade que diz adorar. Os pratos do Japão, país onde nasceram seus pais, são os que ela mais gosta de preparar.
Mas muita coisa mudou desde que começou a competir. "A família japonesa é rigorosa. As mulheres não podem ficar saindo de casa, são sempre os homens que saem. Agora, eu vou a qualquer lugar", afirma Mitico, que fez vários amigos atletas e já influenciou até o marido, que chegou a correr distâncias curtas.
Os vizinhos também estão seguindo seu exemplo. "Eles me pedem conselhos e já estão começando. Uma vizinha disse que me viu correndo com essa idade e sentiu vontade de fazer também. Agora, ela vai participar pela primeira vez da São Silvestre."
Nessa tradicional corrida paulistana, Mitico conquistou oito primeiros lugares e uma segunda colocação. Este ano, deve correr na prova pela última vez, já que não encontra motivação por não haver premiações para categorias de maiores de 60 anos.
A falta de incentivo aos corredores de sua idade é, aliás, uma grande dificuldade que ela enfrenta. "Já corri muito atrás de patrocínio. Não é fácil", diz.
Mesmo assim, Mitico afirma que vale muito a pena. "Quando você sai de casa, você muda a cabeça, pensa em mais coisas, não fica falando só de doença. Correr faz bem para o corpo, para a mente, para tudo", afirma.

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