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NEURO
SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com
Do temor ao terror
A mera ameaça do tiroteio basta para nos deixar temerosos, como se fosse o tiroteio real
HÁ QUEM proteste com um
simples "não gostei", ou com
cartazes contra o desafeto da
vez, sem causar mais transtorno do que um nó no trânsito. Outros partem para o confronto, em locais previsíveis e
de consequências idem. É o
que a polícia faz, por exemplo, ao reprimir ações criminosas.
E há quem resolva instalar
o terror, atacando sem aviso
em locais aleatórios ou, ao
contrário, escolhidos a dedo
para causar estragos visíveis
e imprevisíveis. Como técnicas de submissão e controle,
semear temor e terror funcionam muito bem, porque antecipar acontecimentos ruins
para então evitá-los é uma especialidade do cérebro.
O cérebro tem seus meios
de registrar quando seus feitos e previsões dão certo, ou
quando coisas boas são esperadas. Esse é o papel do
sistema de motivação e recompensa, sobre o qual vivo escrevendo por aqui.
Afinal, é esse conjunto de
estruturas quem nos tira da
cama e nos faz achar que a vida vale a pena -ainda que o
final, um dia, seja o mesmo para todos.
Tão importante, contudo,
é o sistema que serve de contrapeso: o conjunto de estruturas cerebrais que sinalizam
quando algo dá errado ou
tem chances de dar errado, e quão errado.
Esse sistema de avaliação
de custos conta com a amígdala (do cérebro, não da garganta!), que detecta ameaças iminentes e nos faz responder a elas com alterações
no corpo que, além de tornarem a ameaça fisicamente
palpável (através de palpitações e tensão muscular, por
exemplo), ainda nos deixam
mais aptos a lidar com o problema; e o córtex cingulado
anterior, nosso grande adivinho, que usa informações de
experiências anteriores para antecipar problemas.
Dessa forma, tanto o tiroteio real quanto a mera
ameaça dele bastam para nos deixar temerosos e dispostos a abrir mão das atividades usuais em nome da
própria segurança.
O temor até tem seu lado
bom: é o estado de antecipação de algo ruim associado a
uma situação específica. Se
ser preso é ameaça suficiente
para impedir que alguém dirija alcoolizado ou venda
drogas, ótimo. "Educativo",
diriam alguns. O terror, contudo, não tem regras: ao
mostrar que qualquer coisa
pode explodir a qualquer momento e qualquer ato pode
ser cruelmente punido, o terror ensina o cérebro a ter medo de estar vivo. Uma pena
que o cérebro, capaz de tantas coisas boas, também possa gostar de ser temido.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL,
neurocientista, é professora da UFRJ e
autora de "Pílulas de Neurociência para
uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog
www.suzanaherculanohouzel.com
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