São Paulo, terça-feira, 30 de novembro de 2010
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NEURO

SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com

Do temor ao terror

A mera ameaça do tiroteio basta para nos deixar temerosos, como se fosse o tiroteio real

HÁ QUEM proteste com um simples "não gostei", ou com cartazes contra o desafeto da vez, sem causar mais transtorno do que um nó no trânsito. Outros partem para o confronto, em locais previsíveis e de consequências idem. É o que a polícia faz, por exemplo, ao reprimir ações criminosas.
E há quem resolva instalar o terror, atacando sem aviso em locais aleatórios ou, ao contrário, escolhidos a dedo para causar estragos visíveis e imprevisíveis. Como técnicas de submissão e controle, semear temor e terror funcionam muito bem, porque antecipar acontecimentos ruins para então evitá-los é uma especialidade do cérebro.
O cérebro tem seus meios de registrar quando seus feitos e previsões dão certo, ou quando coisas boas são esperadas. Esse é o papel do sistema de motivação e recompensa, sobre o qual vivo escrevendo por aqui.
Afinal, é esse conjunto de estruturas quem nos tira da cama e nos faz achar que a vida vale a pena -ainda que o final, um dia, seja o mesmo para todos.
Tão importante, contudo, é o sistema que serve de contrapeso: o conjunto de estruturas cerebrais que sinalizam quando algo dá errado ou tem chances de dar errado, e quão errado.
Esse sistema de avaliação de custos conta com a amígdala (do cérebro, não da garganta!), que detecta ameaças iminentes e nos faz responder a elas com alterações no corpo que, além de tornarem a ameaça fisicamente palpável (através de palpitações e tensão muscular, por exemplo), ainda nos deixam mais aptos a lidar com o problema; e o córtex cingulado anterior, nosso grande adivinho, que usa informações de experiências anteriores para antecipar problemas.
Dessa forma, tanto o tiroteio real quanto a mera ameaça dele bastam para nos deixar temerosos e dispostos a abrir mão das atividades usuais em nome da própria segurança.
O temor até tem seu lado bom: é o estado de antecipação de algo ruim associado a uma situação específica. Se ser preso é ameaça suficiente para impedir que alguém dirija alcoolizado ou venda drogas, ótimo. "Educativo", diriam alguns. O terror, contudo, não tem regras: ao mostrar que qualquer coisa pode explodir a qualquer momento e qualquer ato pode ser cruelmente punido, o terror ensina o cérebro a ter medo de estar vivo. Uma pena que o cérebro, capaz de tantas coisas boas, também possa gostar de ser temido.


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com


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