São Paulo, terça-feira, 30 de novembro de 2010
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ROSELY SAYÃO

QUEM QUER BRINCAR DE ESCOLHINHA?

Brincadeira deixou de ser popular porque a escola tem exercido ema função hoje desnecessária

DURANTE MUITO tempo as crianças, principalmente as pequenas, gostavam muito de brincar de escolinha. Você mesmo, caro leitor, deve se lembrar de ter participado desse tipo de brincadeira.
O interessante era observar a imagem social que a escola tinha e que se manifestava no ato lúdico das crianças: em geral, o papel de professora -sim, a educação formal é do gênero feminino- era ocupado de modo bem firme, exigente e até severo.
A criança nesse papel impunha a seus pares que ocupavam o papel de aluno uma disciplina rigorosa, um esforço enorme para fazer a lição corretamente e até aplicava castigos. O mais curioso dessa situação é que a maior parte dessas crianças nunca havia frequentado escola anteriormente.
Isso significa que, mesmo que não correspondesse à realidade, essa era a ideia que as crianças faziam de escola. E por que essa brincadeira era tão popular? Porque as crianças tinham vontade de ir para a escola.
As crianças de hoje não brincam mais de escolinha.
Recentemente, testemunhei uma situação que comprova isso de modo peculiar. Um grupo de crianças com mais ou menos quatro anos estava em busca de uma brincadeira quando um adulto propôs a escolinha. Uma garota respondeu de imediato que isso seria muito chato.
Quais as brincadeiras preferidas pelas crianças pequenas hoje? Elas gostam de brincar de escritório, de banco, de shopping!
Um pensamento apressado pode ser o de que a escola não é divertida, por isso tem sido recusada pelas crianças.
Pensando melhor, pode ser porque a escola tem exercido, de modo geral, uma função hoje desnecessária.
Onde se pode aprender hoje conteúdos que só na escola se aprendia antes? Em qualquer lugar, não precisa mais ser na escola, não é verdade?
Aprende-se, por exemplo, em revistas, na internet, em jornais, na televisão etc.
Talvez por isso a escola seja considerada chata pelas crianças: porque ela não encontrou ainda sua nova função na atualidade.
Nesta época do ano, muitos pais estão em busca de uma boa escola para seus filhos. Alguns se orientam pelos rankings escolares, outros pelo espaço físico disponível, outros ainda pelas atividades oferecidas.
São poucos os pais que perguntam se a escola ensina a criança a ocupar o papel de aluno, principalmente nos primeiros anos do ensino fundamental.
É nesse período que a criança precisa aprender na escola a se esforçar para aprender, a repetir suas lições até dar o melhor de si, a saber ter postura física que facilite seu aprendizado, a ter disciplina para o trabalho.
Era exatamente isso o que as antigas brincadeiras de escola evidenciavam: exigência, rigor, disciplina.
Mas vale lembrar que a escola não pode apenas esperar que seus alunos cheguem lá já sabendo como fazer ou simplesmente cobrar ou reclamar. Não: como não há mais uma imagem social comum de escola, é a própria que precisa ensinar isso.
Conheço pais que reclamam na escola quando seus filhos dizem que a professora exige demais ou é brava. Quando essa é a imagem da professora mas a criança aprende, está tudo bem.
A função do professor não é ser legal, bonzinho ou camarada: é ensinar. E professores rabugentos também ensinam muito bem. Aliás, aprender a se relacionar com vários tipos de adultos é uma grande lição de vida para as crianças, que não precisam nem devem ser poupadas de situações difíceis.
Se conseguirmos reconstruir a imagem social da escola atualizando sua função, quem sabe as crianças poderão voltar a ter vontade de brincar de escolinha, não é mesmo?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)


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