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Outras idéias - Michael Kepp
Paradoxos da fé
Minha apatia em relação a Deus não
se estende a seus
discípulos. Quando li sobre o encontro do papa
com um rabino, um xeque muçulmano e vários líderes cristãos não-católicos em São Paulo, questionei como diferentes
monoteísmos lidam com um
paradoxo óbvio: já que cada
uma dessas religiões prega que
sua fé, seu messias e seus preceitos são verdadeiros, os outros têm de ser falsos. Num encontro ecumênico, como eles
lidam com o elefante na sala?
Como diplomatas. O rabino
Henry Sobel pediu ao papa uma
bênção e foi abençoado. Daí,
pediu permissão ao papa para
abençoá-lo, uma autorização
que lhe foi concedida. Os dois
líderes tiveram sua vez de cobrir o outro com bem-estar, um
modo lúdico de homens de fés
conflitantes compartilharem
autoridade espiritual, em vez
de defender seu monopólio.
A atração exercida pela religião é outro paradoxo. É compreensível que gente nascida
antes de Copérnico, Galileu e
Darwin inventasse histórias sobre deuses para explicar seu
universo, existência e prosperidade. Mas por que gente de todo o mundo ainda acredita nesses contos inacreditáveis? Em
seu novo livro, "God Is Not
Great", Christopher Hitchens
se impressiona ao ver que "o
desejo humano de creditar coisas boas na conta dos milagres e
coisas ruins em outra qualquer
é aparentemente universal".
As religiões estão envoltas
em outras contradições. Como
o papa pode condenar o capitalismo que encheu seus cofres?
Como pode o cristianismo, que
tem como mensagem "ame o
próximo como a si mesmo", ter
sido fonte de tanta desumanidade? Por que os EUA, uma nação cristã, trava guerras desnecessárias e investe uma porcentagem menor de seu PIB em
ajuda internacional do que
qualquer outro país desenvolvido? Por que a saúde pública é
tão ruim nos EUA e tão boa em
países como a Noruega e a Suécia, muito mais seculares? O
autor americano Bill McKibben escreve que "os EUA são o
país que mais se declara cristão
e menos age como cristão".
No budismo, quem supera o
desejo -e o sofrimento- se
torna iluminado, como fez Buda, seu fundador. Seu despertar
interior não demanda um deus
exterior. A atriz Clarice Niskier, na peça "A Alma Imoral",
diz que é judia e budista, o que
não é uma contradição. Por
quê? Uma religião tem um todo-poderoso e a outra, não.
Eu, que confio nas explicações simples mais do que nas
complicadas, creio que, se você
ama, Deus existe em você. Minha crença também requer fé
(amor, como Deus, é invisível e
inexplicável) e fidelidade. E, ao
contrário dos monoteísmos,
não é movida por medo.
O medroso filósofo francês
Blaise Pascal disse que, já que o
Deus monoteísta nos oferece a
eternidade e, portanto, o infinito, o mais sábio e seguro é acreditar nele. Se estivermos errados, não perdemos nada. Mas
por que fazer a "aposta de Pascal"? Se estivermos errados, e
um todo-poderoso existir, ele
vai nos dar a eternidade. Afinal,
um Deus perfeito perdoa.
Creio que, se você ama, Deus existe em você; minha crença também requer fé e fidelidade
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e
Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
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