São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2007
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Outras idéias - Michael Kepp

Paradoxos da fé

Minha apatia em relação a Deus não se estende a seus discípulos. Quando li sobre o encontro do papa com um rabino, um xeque muçulmano e vários líderes cristãos não-católicos em São Paulo, questionei como diferentes monoteísmos lidam com um paradoxo óbvio: já que cada uma dessas religiões prega que sua fé, seu messias e seus preceitos são verdadeiros, os outros têm de ser falsos. Num encontro ecumênico, como eles lidam com o elefante na sala?
Como diplomatas. O rabino Henry Sobel pediu ao papa uma bênção e foi abençoado. Daí, pediu permissão ao papa para abençoá-lo, uma autorização que lhe foi concedida. Os dois líderes tiveram sua vez de cobrir o outro com bem-estar, um modo lúdico de homens de fés conflitantes compartilharem autoridade espiritual, em vez de defender seu monopólio.
A atração exercida pela religião é outro paradoxo. É compreensível que gente nascida antes de Copérnico, Galileu e Darwin inventasse histórias sobre deuses para explicar seu universo, existência e prosperidade. Mas por que gente de todo o mundo ainda acredita nesses contos inacreditáveis? Em seu novo livro, "God Is Not Great", Christopher Hitchens se impressiona ao ver que "o desejo humano de creditar coisas boas na conta dos milagres e coisas ruins em outra qualquer é aparentemente universal".
As religiões estão envoltas em outras contradições. Como o papa pode condenar o capitalismo que encheu seus cofres? Como pode o cristianismo, que tem como mensagem "ame o próximo como a si mesmo", ter sido fonte de tanta desumanidade? Por que os EUA, uma nação cristã, trava guerras desnecessárias e investe uma porcentagem menor de seu PIB em ajuda internacional do que qualquer outro país desenvolvido? Por que a saúde pública é tão ruim nos EUA e tão boa em países como a Noruega e a Suécia, muito mais seculares? O autor americano Bill McKibben escreve que "os EUA são o país que mais se declara cristão e menos age como cristão".
No budismo, quem supera o desejo -e o sofrimento- se torna iluminado, como fez Buda, seu fundador. Seu despertar interior não demanda um deus exterior. A atriz Clarice Niskier, na peça "A Alma Imoral", diz que é judia e budista, o que não é uma contradição. Por quê? Uma religião tem um todo-poderoso e a outra, não.
Eu, que confio nas explicações simples mais do que nas complicadas, creio que, se você ama, Deus existe em você. Minha crença também requer fé (amor, como Deus, é invisível e inexplicável) e fidelidade. E, ao contrário dos monoteísmos, não é movida por medo.
O medroso filósofo francês Blaise Pascal disse que, já que o Deus monoteísta nos oferece a eternidade e, portanto, o infinito, o mais sábio e seguro é acreditar nele. Se estivermos errados, não perdemos nada. Mas por que fazer a "aposta de Pascal"? Se estivermos errados, e um todo-poderoso existir, ele vai nos dar a eternidade. Afinal, um Deus perfeito perdoa.

Creio que, se você ama, Deus existe em você; minha crença também requer fé e fidelidade


MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)

www.michaelkepp.com.br


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