São Paulo, quinta-feira, 31 de agosto de 2000
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Desenvolver uma atividade fora do trabalho que dê prazer é uma conquista; hobby é sinônimo de desenvolvimento social e pessoal
Quem se dedica a um hobby é felizardo

Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem
A juíza Maria Cristina Barongeno treinando para a Maratona de Nova York no parque Villa-Lobos


KARINA KLINGER
DA REPORTAGEM LOCAL

"Quando estamos longe do trabalho, optamos por hábitos semelhantes ao dos animais, como dormir ou comer." A dura declaração é de Emir Sader, professor de sociologia da USP (Universidade de São Paulo) e da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), referindo-se à maioria dos cidadãos, os quais, segundo ele, desprezam os momentos não reservados ao trabalho. Ou simplesmente não sabem o que fazer com essas horas livres.
A supervalorização do trabalho levou o homem moderno ao cúmulo de se envergonhar ou ter culpa por sentir prazer em uma atividade extra-profissional.
Por essas e outras, investir em um hobby não é tarefa para qualquer pessoa. Um dos requisitos é ter coragem para assumir a dedicação ao lazer -atividade que não dá prestígio, dinheiro nem poder como o trabalho. É também ter coragem para se voltar para o ócio, cuja conotação em geral é negativa, e usar esse tempo livre de forma lúdica, termo que costuma ser associado a algo infantil, menor.
"O adulto deve aprender a explorar a vertente lúdica. A descoberta de uma atividade assim, como o hobby, pode demorar, mas é sempre uma grande conquista", afirma o filósofo Antonio Carlos Bramante, chefe do Departamento de Estudos do Lazer da Unicamp.

Vulcão de escape
Praticar esporte, colecionar objetos e desenvolver atividades artísticas, desde que totalmente distintas da atividade profissional, são alguns exemplos de hobby. E, quase sempre, a pessoa se identifica ou busca uma atividade lúdica completamente diferente da sua rotina de trabalho.
O clínico-geral Davi Korn, 58, por exemplo, reserva, religiosamente, uma noite por semana para ensaiar com os integrantes da Orquestra Experimental de Médicos do Hospital Israelita Albert Einstein, onde ele é responsável pelo saxofone.
A banda, formada só por médicos, é mais do que uma válvula de escape para afogar o estresse diário do consultório. "É um vulcão de escape", brinca o clínico.
Durante os encontros musicais, ele diz que só se lembra do trabalho quando o bip ou o telefone celular tocam a "sirene". "Se não conseguisse ter um hobby, seria extremamente infeliz", confessa Korn.

Dá-lhe disciplina
Hobby dá trabalho? Dá -como quase tudo o que é bom. A pessoa tem de ter disciplina. Mas, ressalta Bramante, sem levar para o campo do lazer o caráter de obrigação, próprio do trabalho.
A agenda da juíza pode estar lotada, mas ela se desdobra para conseguir praticar todos os dias o seu hobby. Há três anos, ela descobriu os prazeres da corrida. Maria Cristina Barongeno, 35, juíza federal, treina todas as manhãs, chova ou faça sol, no parque Villa-Lobos, zona oeste de São Paulo. "A corrida é uma forma de relaxamento e de ter novas sensações", diz ela, que planeja a sua participação na próxima Maratona de Nova York (EUA).
"Eu me distraio na cozinha", conta o publicitário Júlio Pereira Lima, 35, que frequenta aulas de culinária toda quarta-feira à noite para aprimorar o desempenho na sua atividade extra-profissional. "Escolher uma receita elaborada e ir até o final é um grande desafio que serve como forma de terapia."
Se gastronomia é passatempo para Júlio, ela é o ganha-pão do italiano André Segato, 24. Por isso o chef, que hoje mora no Brasil, sente-se privilegiado pela profissão que escolheu. "Não me importo em ficar trancado na cozinha", diz, em oposição a outros trabalhos que obrigam o sujeito a passar o dia dentro de um escritório (leia nas páginas 11, 12 e 13 um pouco da história de diferentes profissionais que se dedicam a um hobby nas horas vagas).

Futuro do trabalho
As previsões para o trabalho no futuro são contraditórias. Alguns estudos garantem que o tempo de trabalho irá aumentar; outros indicam que o tempo livre deverá se estender. A preocupação, então, parecer ser a respeito do tipo de qualidade de vida que se deseja ter.
Pensando na possibilidade de um dia os cidadãos precisarem de orientação para viver os momentos de lazer, foi criado um curso de graduação na França para formar esses profissionais, conhecidos como agitadores culturais.
"Eles estudam as características de comportamento de determinado grupo e trazem condições para as pessoas aprenderem a lidar com o tempo livre", explica Teixeira Coelho, coordenador do Observatório de Políticas Culturais da ECA-USP.

Recursos financeiros
"A questão do lazer no Brasil é mais complicada devido aos problemas econômicos e culturais", diz a socióloga Gisela Taschner, da FGV-SP. Segundo pesquisa sobre o orçamento familiar realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as famílias investiram em 96 apenas 2,8% de seus orçamentos em recreação e cultura.
Mas dinheiro não é necessariamente um requisito para se desenvolver um hobby. Aliás, a sociedade capitalista reforça a idéia de que lazer é algo que se compra. E você descobre que essa é uma falsa questão quando passa a se dedicar ao cultivo do jardim de casa, à pintura ou ao ciclismo, por exemplo. Quem descobre um hobby é um grande felizardo. Se você tem dificuldade em se identificar com alguma atividade prazerosa fora do trabalho, na página 13 há algumas dicas para ajudar a encontrar seu hobby.


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