São Paulo, quinta-feira, 31 de agosto de 2000
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drible a neura

"Leite em pó dilui em água?"

MARGARETE MAGALHÃES
FREE LANCE PARA A FOLHA

"Usar supositório afeta a sexualidade do meu filho?" "Preciso diluir o leite em pó?" Parecem até anedotas, mas são dúvidas de mães esclarecidas e absolutamente normais. Questões disparatadas como essas vêm à tona simplesmente por causa do medo de errar com o filho, de falhar numa área tão importante como a da saúde.
A professora de inglês Adriana Gonçalves, 34, mãe de Marcelo, de 2 anos e meio, e de Laura, de 9 meses, diz que só não ligou para o pediatra quando o cocô do filho saiu vermelho porque a irmã explicou que a cor era decorrente do suco de laranja com beterraba que o bebê havia tomado. "Tudo é preocupante. Prefiro cuidado em excesso à falta dele", diz Adriana.
"Eu fantasio mesmo, fico desesperada, sou exagerada; afinal é a vida da minha filha", confessa a mãe e estudante de arquitetura Andressa Andrade, 23.
E isso não é nenhuma novidade para pediatras. A diferença é que alguns são mais pacientes, outros, menos. Alois Bianchi, por exemplo, que clinica há 36 anos e até já atende os filhos de seus pacientes, é do tipo sensível aos apelos de mãe. "Elas precisam de atenção. Para as mães, a queixa é sempre enorme, por menor que ela realmente seja", diz o pediatra.

Regras subjetivas
Não é fácil traçar a linha que separa o pai cuidadoso do neurótico. Assim como é difícil avaliar se o médico é insensível ou se está, na verdade, impondo os limites necessários para que os pais aprendam a resolver parte dos problemas sozinhos -quando eles são problemas.
"Tem mãe que liga o dia inteiro por bobagem. É preciso respirar fundo e contar até dez", reclama uma pediatra de São Paulo que preferiu não ser identificada. Segundo os pediatras entrevistados, são comuns atitudes desesperadas, como a de pais que não conseguem esperar nem o dia clarear e ligam para o pediatra na madrugada a fim de saber se a febre do filho é passageira ou sinal de pneumonia.
O professor de pediatria da Unifesp Antonio Iazzetti pondera: "Não existe pergunta boba, a função do pediatra é informar, pois a mãe ansiosa não consegue distinguir o levemente grave do muito grave".
Para ajudar os pais a avaliar o que pode estar por trás do choro ou da falta de apetite do filho, o ideal é que o pediatra avise-os das mudanças por que passam as crianças em cada fase. Só assim os pais conseguirão controlar o impulso de ansiedade, como ligar para a casa do pediatra no meio da noite.
Se o pediatra do seu filho não é lá muito esclarecedor, trate você de apresentar todas as suas dúvidas e não tenha receio de alongar a consulta. O que costuma acontecer com as visitas rápidas ao consultório é que, na volta para casa, vêm à tona todas as perguntas.
O pediatra Antônio Pastorino, 43, do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, aconselha: faça uma lista em casa com todas as suas dúvidas e leve-as para o consultório.

Escolha antecipada
Uma medida para evitar solicitações dispensáveis ao pediatra é aproveitar o período de gestação para conhecer o futuro médico e aprender um pouco sobre a saúde dos bebês. Essa é a recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria, infelizmente pouco seguida pelos pais.
A publicitária Georgia Mercadante Rela é uma exceção. Antecipou a escolha do médico e não se arrepende. Ela acompanhava a afilhada nas consultas e gostava do tratamento dado pelo pediatra. Quando nasceu seu primeiro filho, Jonas, a escolha já estava definida. "O que mais gosto no meu pediatra é que ele não tem "frescurite". É um médico prático, que não enrola."
Segundo Georgia, o estilo do pediatra é parecido com o da família. "Trabalho o dia inteiro e só posso ir à noite. Não vou ao consultório para bater papo." As consultas de 15 minutos são o tempo exato para ela. "Mais do que isso é bobagem."
Claro que essa regra não vale para todos. Consultas rápidas são o horror da maioria dos pais. "Certas mães demandam mais atenção do médico. Dá para saber quando a consulta será mais longa", diz o pediatra Roberto Bittar, 41, que compara o relacionamento entre o pediatra e o paciente ao de um casamento. "Para manter um relacionamento harmonioso entre as partes é preciso haver sintonia. Adaptações e ajustes vêm com o tempo."
Mais do que em outras especialidades médicas, na pediatria, qualidades como empatia, paciência, confiança e amizade são fundamentais para o sucesso do tratamento, tanto quanto o conhecimento técnico. Se houver empatia, as mães suportam até as longas esperas na ante-sala.
Stela Korich, mãe de quatro filhas, chegou a abandonar o primeiro pediatra porque tinha de esperar até quatro horas para ser atendida, mas voltou atrás. "Tentei outro, só que sentia falta do atendimento personalizado. Ele não me olhava nos olhos. Lia o nome de minhas filhas na ficha, e eu me sentia mais uma."
Tratamento impessoal é um dos maiores inimigos do pediatra. E aí é um problemão para as mães de hoje, que escolhem o médico do convênio pelo critério do endereço mais próximo de casa. No quesito "carência de mãe", pode-se dizer que a professora Adriana tirou a sorte grande. Vivia chateada com a pediatra até que, por acaso, encontrou na rua uma antiga amiga. Ela havia se tornado pediatra. Foi a salvação da professora. Se você não tem essa sorte, pediatras revelam, na página ao lado, os comportamentos mais inadequados e também atitudes das mães que, embora exageradas, são esperadas.


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