São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2004

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Jingles de uma nota só

No interior, candidatos economizam e usam paródias; produtoras oferecem jingles padronizados por R$ 500; música "sob medida" custa de R$ 5.000 a R$ 20.000

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O prefeito da pequena Itapagipe, interior de Minas Gerais, diz ter asfaltado grande número de ruas desde 2001, quando assumiu a administração do município. Os carros de som da campanha do agora candidato à reeleição circulam pela cidade, tocando para os cerca de 11 mil habitantes: "poeira, poeira, aqui não tem poeira".
O refrão é só um pouquinho diferente do da música "Sorte Grande", interpretada por Ivete Sangalo. A melodia, claro, é a mesma. A música, diz quem faz jingles para os candidatos, é provavelmente o hit das eleições 2004. Ora o "levanta poeira" sai para "levantar" algum aspecto da administração local. Ora sai a "poeira" e entra o nome do candidato.

Jeitinho
O uso da música sem pagamento de direitos autorais é ilegal. Mas, fora dos grandes centros, onde a utilização chamaria a atenção de gravadoras e dos artistas, impera o jeitinho brasileiro, e cada candidato tem sua parodia de uma música de grande sucesso.
Jeitinho brasileiro porém moderno. A internet facilitou a vida dos candidatos. Não é necessário sequer um estúdio para fazer uma versão de "Sorte Grande". Com apenas um computador e alguns programas para música é possível trocar Ivete Sangalo pela cantora ou cantor que exaltará as qualidades do candidato local.
Rápido, fácil e barato. Um jingle próprio, feito "sob medida", pode custar de R$ 5.000 a R$ 20.000. É difícil calcular o custo de uma paródia quase caseira, mas produtores estimam que ele chegue no máximo a R$ 500, correndo risco de superestimar o preço.

No cardápio
Quem não quer infringir a lei de direitos autorais tem outras opções. Em poucas horas dá para entrar na internet, ouvir um cardápio de jingles já prontos, encomendar, pagar com cartão de crédito, trocar nomes do candidato e da cidade e sair tocando. Afinal, "São Paulo, São Paulo, é tempo de renovação" e "Cubatão, Cubatão, é tempo de renovação" valem para a oposição das duas cidades.
Marqueteiros e produtores, claro, desaconselham o uso de jingles padronizados. Seria mais ou menos como tentar vender a Nova Schin com o jingle novo da Brahma. Quase uma ofensa ao consumidor.
A diferença é que os "consumidores" que os candidatos estão querendo convencer moram em cidades diferentes. É improvável que eles saibam que a música tocada lá é tema de campanha de dúzias de candidatos pelo Brasil inteiro. E, claro, os temas são os mais genéricos possíveis. Exaltam sempre a honestidade, a confiança, a capacidade de trabalho e liderança dos candidatos.

Pechincha
Também na internet há espaço para pechincha. É possível solicitar entrega rápida e economizar algum dinheiro encomendando vários jingles. A Musikcity (www.musikcity.mus.br) oferece um por R$ 1.300, dois por R$ 2.000 e três por R$ 2.500. O candidato pode escolher entre vários estilos, do axé ao hip hop, passando pelo rock e o samba.
Para os candidatos, resta então apenas escolher o estilo. Quem tem dinheiro tem também um séqüito de publicitários escolhendo letras e estilos, mensagens e tipo de divulgação mais adequadas à imagem que o candidato quer transmitir. Os demais apostam mesmo no que sugere o gosto popular. Vão de forró onde há quem goste de forró e de hip hop onde há quem é afinado com o rap.
Há, claro, quem tenha suas próprias preferências musicais. Como um candidato a vereador de Bebedouro, município de 76 mil habitantes do interior de São Paulo. Ligado ao movimento hip hop local, Newton Sader escolheu o ritmo para o jingle: "Vinte e cinco meia meia meia, se você não vota nele a coisa fica feia". Por via das dúvidas, ele também tem um jingle cantado por dupla sertaneja que sempre o apoiou.
Quem faz um trabalho mais sofisticado para candidatos com cacife financeiro tem oportunidade de ganhar um bom dinheiro. Ricardo Garay, compositor e sócio da Jinga, de Porto Alegre, diz que em anos de campanha eleitoral o faturamento adicional corresponde a um mês de vendas. Ele fez jingles para as campanhas dos hoje governadores Germanno Riggoto (RS) e Aécio Neves (MG).

Mercado grande
A procura pelos serviços é imensa. O trabalho geralmente é feito pelas mesmas produtoras que criam os jingles que vendem sabão e eletrodomésticos. Em alguns casos, são montados estúdios temporários apenas para atender as campanhas políticas. Eles surgem e desaparecem com as eleições.
Quem não trabalha para as grandes campanhas tenta ganhar na escala, aproveitando-se de um mercado promissor: são milhares de candidatos concorrendo a 5.563 prefeituras e 51.796 vagas para vereadores. Com um computador e um site na internet é possível oferecer jingles a todos.
Conhecer um pouco os hábitos e gírias regionais ajuda. Em João Pessoa, os eleitores ouvem sem problemas o jingle, em ritmo de forró, do candidato do PT à prefeitura: "Eu vou Avenzoar, tu vais Avenzoar, ele vai Avenzoar, nós vamos Avenzoar". O nome do candidato? José Avenzoar.

Sem zoeira
Um marqueteiro paulista alerta: pensaria duas vezes e pesquisaria um pouco antes de liberar o jingle para os paulistanos, que poderiam escutar algo como "Ah, vem zoar". Explica-se: para parte dos paulistanos jovens, a gíria "zoar" significa "caçoar".
A regra, como na maior parte dos jingles publicitários, é usar temas alegres. Mesmo o hoje sério Henrique Meirelles, presidente do Banco Central e responsável pela política monetária brasileira, já teve o seu jingle. "Henrique Meirelles deputado federal, é Goiás arrebentando no cenário nacional" tocavam os carros de som em ritmo acelerado de marchinha . Eleito em 2002, Meirelles abriu mão do cargo para tornar-se banqueiro central.
Em São Paulo, não falta dinheiro para que os três candidatos a prefeito mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto comprem jingles próprios. No site da campanha da prefeita Marta Suplicy (www.martaprefeita.com.br), é possível ouvir três versões diferentes de jingles. Paulo Maluf (www.maluf11.com.br) tem seis versões. O campeão é José Serra (www.serra45.org.br), que disponibiliza nada menos do que 13 versões diferentes de jingles no site da campanha. Para o segundo turno, mais uma fornada de jingles está em preparação.
Como em São Paulo, a disputa segue agitada em Itapagipe. Na última semana, os eleitores começaram a receber cartas anônimas sobre supostos casos extraconjugais de assessores de candidatos. Diz-se que ninguém acredita, porque em toda a eleição as cartas proliferam. O comentário é que a poeira realmente não incomoda tanto quanto no passado. Há mais asfalto. Há caminhões-pipa acabando com o pó onde o asfalto não chegou. E o carro de som tocando: "poeira, poeira, aqui não tem poeira".


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