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Jingles de uma nota só
No interior, candidatos economizam e usam paródias; produtoras oferecem jingles padronizados por R$ 500; música "sob medida" custa de R$ 5.000 a R$ 20.000
MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL
O prefeito da pequena Itapagipe, interior de Minas Gerais, diz
ter asfaltado grande número de
ruas desde 2001, quando assumiu
a administração do município. Os
carros de som da campanha do
agora candidato à reeleição circulam pela cidade, tocando para os
cerca de 11 mil habitantes: "poeira, poeira, aqui não tem poeira".
O refrão é só um pouquinho diferente do da música "Sorte Grande", interpretada por Ivete Sangalo. A melodia, claro, é a mesma. A
música, diz quem faz jingles para
os candidatos, é provavelmente o
hit das eleições 2004. Ora o "levanta poeira" sai para "levantar"
algum aspecto da administração
local. Ora sai a "poeira" e entra o
nome do candidato.
Jeitinho
O uso da música sem pagamento de direitos autorais é ilegal.
Mas, fora dos grandes centros,
onde a utilização chamaria a atenção de gravadoras e dos artistas,
impera o jeitinho brasileiro, e cada candidato tem sua parodia de
uma música de grande sucesso.
Jeitinho brasileiro porém moderno. A internet facilitou a vida
dos candidatos. Não é necessário
sequer um estúdio para fazer uma
versão de "Sorte Grande". Com
apenas um computador e alguns
programas para música é possível
trocar Ivete Sangalo pela cantora
ou cantor que exaltará as qualidades do candidato local.
Rápido, fácil e barato. Um jingle
próprio, feito "sob medida", pode
custar de R$ 5.000 a R$ 20.000. É
difícil calcular o custo de uma paródia quase caseira, mas produtores estimam que ele chegue no
máximo a R$ 500, correndo risco
de superestimar o preço.
No cardápio
Quem não quer infringir a lei de
direitos autorais tem outras opções. Em poucas horas dá para
entrar na internet, ouvir um cardápio de jingles já prontos, encomendar, pagar com cartão de crédito, trocar nomes do candidato e
da cidade e sair tocando. Afinal,
"São Paulo, São Paulo, é tempo de
renovação" e "Cubatão, Cubatão,
é tempo de renovação" valem para a oposição das duas cidades.
Marqueteiros e produtores, claro, desaconselham o uso de jingles padronizados. Seria mais ou
menos como tentar vender a Nova Schin com o jingle novo da
Brahma. Quase uma ofensa ao
consumidor.
A diferença é que os "consumidores" que os candidatos estão
querendo convencer moram em
cidades diferentes. É improvável
que eles saibam que a música tocada lá é tema de campanha de
dúzias de candidatos pelo Brasil
inteiro. E, claro, os temas são os
mais genéricos possíveis. Exaltam
sempre a honestidade, a confiança, a capacidade de trabalho e liderança dos candidatos.
Pechincha
Também na internet há espaço
para pechincha. É possível solicitar entrega rápida e economizar
algum dinheiro encomendando
vários jingles. A Musikcity
(www.musikcity.mus.br) oferece
um por R$ 1.300, dois por R$
2.000 e três por R$ 2.500. O candidato pode escolher entre vários
estilos, do axé ao hip hop, passando pelo rock e o samba.
Para os candidatos, resta então
apenas escolher o estilo. Quem
tem dinheiro tem também um séqüito de publicitários escolhendo
letras e estilos, mensagens e tipo
de divulgação mais adequadas à
imagem que o candidato quer
transmitir. Os demais apostam
mesmo no que sugere o gosto popular. Vão de forró onde há quem
goste de forró e de hip hop onde
há quem é afinado com o rap.
Há, claro, quem tenha suas próprias preferências musicais. Como um candidato a vereador de
Bebedouro, município de 76 mil
habitantes do interior de São Paulo. Ligado ao movimento hip hop
local, Newton Sader escolheu o
ritmo para o jingle: "Vinte e cinco
meia meia meia, se você não vota
nele a coisa fica feia". Por via das
dúvidas, ele também tem um jingle cantado por dupla sertaneja
que sempre o apoiou.
Quem faz um trabalho mais sofisticado para candidatos com cacife financeiro tem oportunidade
de ganhar um bom dinheiro. Ricardo Garay, compositor e sócio
da Jinga, de Porto Alegre, diz que
em anos de campanha eleitoral o
faturamento adicional corresponde a um mês de vendas. Ele fez jingles para as campanhas dos hoje
governadores Germanno Riggoto
(RS) e Aécio Neves (MG).
Mercado grande
A procura pelos serviços é
imensa. O trabalho geralmente é
feito pelas mesmas produtoras
que criam os jingles que vendem
sabão e eletrodomésticos. Em alguns casos, são montados estúdios temporários apenas para
atender as campanhas políticas.
Eles surgem e desaparecem com
as eleições.
Quem não trabalha para as
grandes campanhas tenta ganhar
na escala, aproveitando-se de um
mercado promissor: são milhares
de candidatos concorrendo a
5.563 prefeituras e 51.796 vagas
para vereadores. Com um computador e um site na internet é
possível oferecer jingles a todos.
Conhecer um pouco os hábitos
e gírias regionais ajuda. Em João
Pessoa, os eleitores ouvem sem
problemas o jingle, em ritmo de
forró, do candidato do PT à prefeitura: "Eu vou Avenzoar, tu vais
Avenzoar, ele vai Avenzoar, nós
vamos Avenzoar". O nome do
candidato? José Avenzoar.
Sem zoeira
Um marqueteiro paulista alerta:
pensaria duas vezes e pesquisaria
um pouco antes de liberar o jingle
para os paulistanos, que poderiam escutar algo como "Ah, vem
zoar". Explica-se: para parte dos
paulistanos jovens, a gíria "zoar"
significa "caçoar".
A regra, como na maior parte
dos jingles publicitários, é usar temas alegres. Mesmo o hoje sério
Henrique Meirelles, presidente
do Banco Central e responsável
pela política monetária brasileira,
já teve o seu jingle. "Henrique
Meirelles deputado federal, é
Goiás arrebentando no cenário
nacional" tocavam os carros de
som em ritmo acelerado de marchinha . Eleito em 2002, Meirelles
abriu mão do cargo para tornar-se banqueiro central.
Em São Paulo, não falta dinheiro para que os três candidatos a
prefeito mais bem colocados nas
pesquisas de intenção de voto
comprem jingles próprios. No site
da campanha da prefeita Marta
Suplicy (www.martaprefeita.com.br), é possível ouvir três
versões diferentes de jingles. Paulo Maluf (www.maluf11.com.br)
tem seis versões. O campeão é José Serra (www.serra45.org.br),
que disponibiliza nada menos do
que 13 versões diferentes de jingles no site da campanha. Para o
segundo turno, mais uma fornada
de jingles está em preparação.
Como em São Paulo, a disputa
segue agitada em Itapagipe. Na
última semana, os eleitores começaram a receber cartas anônimas
sobre supostos casos extraconjugais de assessores de candidatos.
Diz-se que ninguém acredita,
porque em toda a eleição as cartas
proliferam. O comentário é que a
poeira realmente não incomoda
tanto quanto no passado. Há mais
asfalto. Há caminhões-pipa acabando com o pó onde o asfalto
não chegou. E o carro de som tocando: "poeira, poeira, aqui não
tem poeira".
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