São Paulo, domingo, 02 de março de 2008

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O reinado de Carlota

Há 13 anos, "Carlota" lotava cinemas ao carregar nas cores dos personagens reais

Divulgação
O ator Marco Nanini em cena de "Carlota Joaquina", no qual vive dom João 6°


DA REPORTAGEM LOCAL

"Dessa terra, não quero nem o pó!", grita a rainha Carlota Joaquina, enquanto arranca o sapato e o atira ao mar da orla carioca. A bordo da nau que finalmente a levaria de volta para a Europa, em 1821, o caricato personagem interpretado por Marieta Severo fecha assim a última cena de "Carlota Joaquina - Princesa do Brazil" (1995), de Carla Camurati.
Treze anos depois de ser lançada com estrondoso sucesso (leia ao lado), a comédia que retratou a vinda da família real a partir da história da mulher de dom João 6º tornou-se exemplo máximo de como as interpretações do episódio vinham sendo, até ali, marcadas por estereótipos construídos desde os princípios da República.
A saga de Carlota é narrada a uma garotinha como se fosse um conto que se passasse num lugar distante e exótico. Somos apresentados a uma graciosa e inteligente princesa espanhola, que vivia numa corte culta e vibrante até ser prometida ao herdeiro do trono português. Ao chegar à nova casa, porém, dá-se conta da roubada em que se metera. A corte portuguesa era sombria e habitada por homens e mulheres mal vestidos que passavam o dia comendo.
Inconformada com a decisão de partir para o Brasil, Carlota chama dom João de medroso e quer forçar Portugal a socorrer a sua Espanha, que caía sob o jugo de Napoleão. Com as mãos atadas e tendo de ir viver num país distante e "selvagem", Carlota torna-se ainda mais arredia, intempestiva e encrenqueira. Maltrata os locais, trai o marido politicamente e ao manter casos com outros homens. Ainda, manda matar a mulher de seu amante, o rico comerciante Francisco Carneiro Leão (Norton Nascimento).

Bigode
Marieta diz hoje que se divertiu usando o bigode que caracterizava seu personagem. "Nada do que colocamos lá foi inventado. A vida de Carlota é que contém ingredientes para uma abordagem paródica."
A atriz acrescenta que, para preparar-se para o papel, estudou castanholas, flamenco e espanhol. "Busquei aproximar-me dela por meio de seu temperamento passional."
Uma cena que surgiu de um improviso é das que mais caracterizam a interpretação de Marieta. Inconformada com o fato de estar sendo rejeitada pelo amante e diante de sua esposa, Carlota ensaia um revide. O texto logo parece embolado e incapaz de traduzir a fúria da rainha. Surgem, então, música e ambientação de uma tourada ao fundo. A atriz dá uns passos como se fosse enfrentar um touro de verdade. "Foi uma solução improvisada, mas que retratava bem como Carlota se via diante de adversidades."

Dom João 6º
No filme, é Marco Nanini quem encarna o príncipe regente em seus mais grotescos detalhes. Comilão, gordo, sujo, desajeitado e descabelado. O ator conta que quase teve uma overdose de tanto comer coxinhas de frango durante as gravações -hábito sabidamente conhecido do personagem.
"Eu fiquei enternecido com a solidão dele", conta Nanini, que se preparou para vivê-lo lendo livros como "D. João 6º no Brasil", de Oliveira Lima (clássico sobre a época relançado em 2007 pela Topbooks).
O ator se recorda de uma cena, que acabou não entrando, em que dom João iria tomar um banho na praia e era protegido por redes, pois tinha medo do mar. "Esse tipo de coisa me enchia de carinho por ele."
"Hoje as pessoas discutem se ele era assim ou se houve exagero. Se o fato de ter sido indeciso foi bom ou mau. Mas na época não havia esse debate todo. Acho que o filme ajudou a fazê-lo popular", conclui o ator.

História levada a sério
Camurati explica que quis fazer um filme sobre a história do Brasil capaz de atingir públicos de qualquer idade. "Usar a imaginação da menina a quem a trama é contada me permitiu explorar o que havia de lúdico no episódio", diz a diretora. "O que para uns era fuga virou o começo de algo bom para outros. Mas não dá para ver glamour na bagunça da viagem e da instalação e em toda aquela confusão das comunicações".
Camurati acha que as comemorações dos 200 anos, de um modo geral, estão passando a idéia de que o episódio deveria ser tratado de modo muito sério, e até heróico. "Há algo de pomposo, de enaltecedor, no modo como a celebração nos está fazendo ver esse tempo. Mas as coisas não foram assim. A nossa história não é assim."
(SYLVIA COLOMBO)


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