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O reinado de Carlota
Há 13 anos, "Carlota" lotava cinemas ao carregar nas cores dos personagens reais
Divulgação
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O ator Marco Nanini em cena de "Carlota Joaquina", no qual vive dom João 6° |
DA REPORTAGEM LOCAL
"Dessa terra, não
quero nem o pó!",
grita a rainha Carlota Joaquina, enquanto arranca o sapato e o atira ao mar da
orla carioca. A bordo da nau
que finalmente a levaria de volta para a Europa, em 1821, o caricato personagem interpretado por Marieta Severo fecha assim a última cena de "Carlota
Joaquina - Princesa do Brazil"
(1995), de Carla Camurati.
Treze anos depois de ser lançada com estrondoso sucesso
(leia ao lado), a comédia que retratou a vinda da família real a
partir da história da mulher de
dom João 6º tornou-se exemplo máximo de como as interpretações do episódio vinham
sendo, até ali, marcadas por estereótipos construídos desde
os princípios da República.
A saga de Carlota é narrada a
uma garotinha como se fosse
um conto que se passasse num
lugar distante e exótico. Somos
apresentados a uma graciosa e
inteligente princesa espanhola,
que vivia numa corte culta e vibrante até ser prometida ao
herdeiro do trono português.
Ao chegar à nova casa, porém,
dá-se conta da roubada em que
se metera. A corte portuguesa
era sombria e habitada por homens e mulheres mal vestidos
que passavam o dia comendo.
Inconformada com a decisão
de partir para o Brasil, Carlota
chama dom João de medroso e
quer forçar Portugal a socorrer
a sua Espanha, que caía sob o
jugo de Napoleão. Com as mãos
atadas e tendo de ir viver num
país distante e "selvagem", Carlota torna-se ainda mais arredia, intempestiva e encrenqueira. Maltrata os locais, trai o
marido politicamente e ao
manter casos com outros homens. Ainda, manda matar a
mulher de seu amante, o rico
comerciante Francisco Carneiro Leão (Norton Nascimento).
Bigode
Marieta diz hoje que se divertiu usando o bigode que caracterizava seu personagem. "Nada do que colocamos lá foi inventado. A vida de Carlota é
que contém ingredientes para
uma abordagem paródica."
A atriz acrescenta que, para
preparar-se para o papel, estudou castanholas, flamenco e espanhol. "Busquei aproximar-me dela por meio de seu temperamento passional."
Uma cena que surgiu de um
improviso é das que mais caracterizam a interpretação de Marieta. Inconformada com o fato
de estar sendo rejeitada pelo
amante e diante de sua esposa,
Carlota ensaia um revide. O
texto logo parece embolado e
incapaz de traduzir a fúria da
rainha. Surgem, então, música
e ambientação de uma tourada
ao fundo. A atriz dá uns passos
como se fosse enfrentar um
touro de verdade. "Foi uma solução improvisada, mas que retratava bem como Carlota se
via diante de adversidades."
Dom João 6º
No filme, é Marco Nanini
quem encarna o príncipe regente em seus mais grotescos
detalhes. Comilão, gordo, sujo,
desajeitado e descabelado. O
ator conta que quase teve uma
overdose de tanto comer coxinhas de frango durante as gravações -hábito sabidamente
conhecido do personagem.
"Eu fiquei enternecido com a
solidão dele", conta Nanini, que
se preparou para vivê-lo lendo
livros como "D. João 6º no Brasil", de Oliveira Lima (clássico
sobre a época relançado em
2007 pela Topbooks).
O ator se recorda de uma cena, que acabou não entrando,
em que dom João iria tomar
um banho na praia e era protegido por redes, pois tinha medo
do mar. "Esse tipo de coisa me
enchia de carinho por ele."
"Hoje as pessoas discutem se
ele era assim ou se houve exagero. Se o fato de ter sido indeciso foi bom ou mau. Mas na
época não havia esse debate todo. Acho que o filme ajudou a
fazê-lo popular", conclui o ator.
História levada a sério
Camurati explica que quis fazer um filme sobre a história do
Brasil capaz de atingir públicos
de qualquer idade. "Usar a imaginação da menina a quem a
trama é contada me permitiu
explorar o que havia de lúdico
no episódio", diz a diretora. "O
que para uns era fuga virou o
começo de algo bom para outros. Mas não dá para ver glamour na bagunça da viagem e
da instalação e em toda aquela
confusão das comunicações".
Camurati acha que as comemorações dos 200 anos, de um
modo geral, estão passando a
idéia de que o episódio deveria
ser tratado de modo muito sério, e até heróico. "Há algo de
pomposo, de enaltecedor, no
modo como a celebração nos
está fazendo ver esse tempo.
Mas as coisas não foram assim.
A nossa história não é assim."
(SYLVIA COLOMBO)
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