São Paulo, segunda-feira, 02 de outubro de 2006

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DIA DO VOTO

Petistas não aparecem no Rio, e Leblon vê "Lula não!"

Presidente gera desencanto em velhos militantes, mas tem defensores fiéis

Há uma semana, pessoas com camisetas pretas em protesto ao governo, que são vendidas a R$ 5, estão por todo o bairro carioca


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Joselita de Souza passou 35 dos seus 74 anos envolvida em movimentos sociais. Atuou na Pastoral da Terra e foi petista de primeira hora. Ontem, preferiu ficar em casa a votar pela quinta vez para presidente naquele que conheceu ainda metalúrgico. "A gente acreditava numa coisa e surgiu outra. Lula foi fiador de pessoas que não mereciam. E hoje você não deve confiar nem na roupa que veste. Se ele quer continuar, tem que trocar de roupa. Desde a cueca até a meia", aconselha ela, moradora de Aimbé, bairro pobre de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Sentada em frente à sua casa, Joselita tinha sobre a cabeça uma placa de propaganda de Lula e Jandira Feghali. Também não votaria na candidata do PC do B ao Senado, pois é católica da Comunidade Nossa Senhora de Fátima e ouviu falar que Jandira é a favor do aborto. "Foi uma pessoa conhecida que pediu para eu colocar essa placa aqui. Mas, à noite, eu vou arrancar essa madeira e fazer um tear", planejava a dona-de-casa. O desânimo de Joselita ecoava o de toda a capital fluminense e até mesmo do Estado do Rio, contrastando com a fervura das eleições municipais ocorridas dois anos atrás. Ontem, o calçadão desocupado do centro de Nova Iguaçu não lembrava os conflitos de 2004, quando o petista Lindberg Farias derrotou antigas forças políticas, que se uniram sob o apoio de Anthony Garotinho -até o teatral ex-governador do Rio de Janeiro esteve discreto nestas eleições. "Só vi passar um cara com bandeira. E ela estava enrolada", lamentava Ronaldo de Souza, 40, gerente da padaria Lisboeta, vazia ontem, lotada dois anos atrás. Já em Bairro Botafogo, outra área pobre do município, um grupo formado por três militantes do PT e dois do PC do B fazia campanha coberto de adesivos e broches. Na cabeça da professora Charlene Crespo, 25, uma bandana com o rosto de Che Guevara e a confiança de que, apesar dos acertos que vê no primeiro mandato de Lula, o segundo será melhor. "Pior do que está não vai ficar", brincou ela, referindo-se aos escândalos que quase fizeram sua mãe, a agente de saúde Teresa Crespo, 46, optar por Heloísa Helena durante a campanha. "Vontade deu, mas passou", declarou Teresa, do PC do B como a filha. "E, se a gente não vier, quem vem para a rua?", justificou seu ânimo Talita Lopes, 24, uma das petistas do grupo. Eliete Lins Oliveira, 56, não pôde ir, por causa do movimento de seu restaurante. O nome do presidente Lula, no entanto, estava em plásticos colados na geladeira e nas suas conversas com os fregueses. "Por que mudar? Faz dez anos que a carne não estava tão barata. Só os ignorantes acham que Lula não melhorou o país", defendia a empresária.

A cor do protesto
Há meninas do Leblon, na zona sul carioca, que não concordam com a comerciante de Nova Iguaçu. O bairro da novela "Páginas da Vida" se tornou o epicentro do movimento "Lula não!". Há uma semana, começaram a aparecer pessoas usando camisas pretas com a frase. Os criadores cobraram apenas R$ 5, para que ela vendesse bastante. "É importante a gente levar a eleição para o segundo turno e mostrar que não aceitamos a corrupção. Comprei a camisa para marcar posição", bradava a advogada Flávia Coelho, 26, que votou no tucano Geraldo Alckmin depois de quatro eleições cravando Lula. "Ele foi muito cruel com os aposentados e os funcionários públicos, sem falar de toda a corrupção", fazia coro a fonoaudióloga Martha Moraes, também 26 anos. Para a psicóloga Maria Augusta Villela, que comprou a camisa em um bar, Lula é o "autoritarismo". "Precisamos falar isso e tentar fazer com que Lula não se reeleja, em nome da democracia. Lutamos tanto para nos livrar dos militares!" A advogada Kátia Cunha também usava uma camisa preta, mas com outros dizeres: "Fora, corruptos! Eu voto nulo!". "É a decepção total. Fiz campanha para Lula e tudo mais. Mas, enquanto não tiver opção, não voto mais, não quero mais participar", afirmou. A militância voluntária do PT apareceu pouco nas ruas do Rio. Contra ou a favor de Lula, o que mais se via em esquinas que já foram palco de aguerridas campanhas eram pessoas tremulando bandeiras pela diária de R$ 30. Um bom retrato do (des)ânimo desta eleição estava sobre a porta da 29ª seção da 215ª zona eleitoral, na Escola Municipal Manoel Bonfim, em Del Castilho (zona norte). Era o trabalho de uma turma de EJA (Educação de Jovens e Adultos) reproduzindo fotografias de deputados envolvidos em escândalos: "Cuidado... Eles são corruptos!".


Colaborou RAPHAEL GOMIDE, da Sucursal do Rio

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