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São Paulo, em clima de 0 a 0, vê voto sem festa
Militantes de partidos desaparecem das ruas, assim como bandeiras e camisas
Pela primeira vez desde as eleições de 1974, durante o regime militar, não se via eleição tão desanimada quanto a que ocorreu ontem
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
"Isso lá é eleição? Cadê a festa da democracia?", indagava a
professora Ebelsione Pereira
de Oliveira, 41, da Escola Estadual Dom Duarte, no largo do
Socorro, na zona sul de São
Paulo. "Olha só, não tem festa,
não tem música, não tem o colorido das camisetas e bandeiras. Não tem boca-de-urna."
Não tinha mesmo, e pela primeira vez desde as eleições de
1974, em pleno regime militar,
quando o então dissidente
Orestes Quércia concorreu
com -e venceu- o candidato
oficial Carvalho Pinto. Há décadas não se via eleição tão desanimada quanto a de ontem.
O domingão do paulistano
transcorreu sob o signo do
"empate técnico".
Empate entre sol e chuva
-estava nublado. Empate entre calor e frio -os termômetros da cidade passaram o dia
estacionados na casa dos 24C.
Zero a zero entre tucanos e petistas nas portas das escolas
-não se viam militantes vestidos de amarelo ou vermelho,
cores do PSDB e do PT, respectivamente. Zero a zero de bandeiras. Silêncio.
Na periferia, até chegou a haver distribuição de "santinhos"
logo cedo, quando as urnas foram abertas. O chão em volta
dos colégios, por isso, ainda tinha o colorido sujo que lembrava eleições passadas. Nas escolas dos bairros centrais e mais
afluentes, nem isso.
No Colégio Miguel de Cervantes, no Morumbi, que reúne
o grupo de eleitores que moram
em volta de uma das áreas mais
ricas da capital paulista, não
havia indícios de que lá ocorria
uma eleição, e sim uma reunião
extraordinária de pais e mestres. Tanto que o único movimento registrado estava no
conjunto de cartazes elaborados pela turma da 4ª Série A,
um filminho para ilustrar a deriva dos continentes. Só.
Farra do boi
Há dois anos, a disputa era
pelo comando da prefeitura, e
os cabos eleitorais uniformizados do PT (a maior parte remunerados) coloriam tudo de vermelho, enquanto empurravam
santinhos sobre o que quer que
se movesse. Uma farra.
Naquele ano, até um boi
branco, de nome Sansão, então
com dez anos e pesando uma
tonelada, apareceu na porta da
Escola Estadual Professor Alberto Salotti, na Vila São José,
zona sul. Todo decorado com
cartazes de Marta Suplicy (PT),
que enfrentava José Serra
(PSDB), o bichão foi montado
pela criançada e -ápice da animação- pelo filho de Marta, o
Supla, mais conhecido na periferia como "Papito".
Ontem, Sansão ficou no pasto. A escola, que abriga o segundo maior contingente de eleitores da cidade (só perde para o
Instituto Mackenzie), estava
cheia de pessoas silenciosas,
que chegavam às suas seções
eleitorais depois de se esgueirar pelas grades onipresentes
na decoração do lugar.
Para Silvio Gonçalves Pinto,
46, eleitor do PT, "a ameaça de
prisão para quem fizesse boca-de-urna atemorizou os militantes, que preferiram não se expor a riscos". É uma explicação.
"Nem parece eleição de tão
chocho o clima", dizia, desanimada, a professora Claudia de
Souza, 44, da Escola Estadual
Samuel Wainer, no Grajaú, zona sul. Segundo ela, "a apatia é o
resultado natural do processo
eleitoral, em que não se viram
discussões de propostas, só um
monte de denúncias". "Não foi
política a conversa dessas eleições. Foi policial."
Até os protestos foram tímidos. Na porta da escola Maria
Imaculada, no Paraíso, perto da
avenida Paulista, o engenheiro
Francisco de Assis Cattani, 49,
andava para lá e para cá, solitário, vestido de negro e com uma
bola vermelha no nariz. Com a
voz fanhosa, explicou sua situação: "Ninguém vê que os padrões morais deste país foram
parar no esgoto?". Estava com
os olhos cheios de lágrimas.
Papel mais rápido
A calmaria na escola da periferia só foi quebrada pela urna
eletrônica da seção 226, que
teimou em não funcionar, mesmo depois de trocada quatro
vezes e atrasar o início da votação em duas horas.
A informática substituída pelo voto em papel surpreendeu:
a seção 226 era a única na escola que não tinha fila por volta
das 12h. "O pessoal vota mais
rápido no papel", ria por último
a presidente da seção, a auxiliar
de serviços gerais Salete Nazário, 31, que já contava chegar
mais cedo em casa.
Em todas as seções, a única
reclamação dos fiscais era a
ajuda de custo dada pelo Tribunal Regional Eleitoral aos fiscais. No referendo sobre o desarmamento, foram R$ 12 de
ajuda-almoço. Ontem, R$ 10.
Na avenida Paulista, local onde Lula comemorou a vitória na
campanha presidencial de
2002, não se via nenhuma bandeira de candidato -até as 15h.
Então, ao lado do Masp, o Museu de Arte, trânsito lento, um
Gol vermelho embicou pela rua
Peixoto Gomide. Trazia uma
bandeirona vermelha com a estrela branca. "Prende, prende",
gritou o analista de sistemas
Ewerton de Lima Assis, 37,
eleitor de Alckmin. O Gol partiu, e a calmaria voltou.
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