São Paulo, segunda-feira, 02 de outubro de 2006

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São Paulo, em clima de 0 a 0, vê voto sem festa

Militantes de partidos desaparecem das ruas, assim como bandeiras e camisas

Pela primeira vez desde as eleições de 1974, durante o regime militar, não se via eleição tão desanimada quanto a que ocorreu ontem


LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Isso lá é eleição? Cadê a festa da democracia?", indagava a professora Ebelsione Pereira de Oliveira, 41, da Escola Estadual Dom Duarte, no largo do Socorro, na zona sul de São Paulo. "Olha só, não tem festa, não tem música, não tem o colorido das camisetas e bandeiras. Não tem boca-de-urna."
Não tinha mesmo, e pela primeira vez desde as eleições de 1974, em pleno regime militar, quando o então dissidente Orestes Quércia concorreu com -e venceu- o candidato oficial Carvalho Pinto. Há décadas não se via eleição tão desanimada quanto a de ontem.
O domingão do paulistano transcorreu sob o signo do "empate técnico".
Empate entre sol e chuva -estava nublado. Empate entre calor e frio -os termômetros da cidade passaram o dia estacionados na casa dos 24C. Zero a zero entre tucanos e petistas nas portas das escolas -não se viam militantes vestidos de amarelo ou vermelho, cores do PSDB e do PT, respectivamente. Zero a zero de bandeiras. Silêncio.
Na periferia, até chegou a haver distribuição de "santinhos" logo cedo, quando as urnas foram abertas. O chão em volta dos colégios, por isso, ainda tinha o colorido sujo que lembrava eleições passadas. Nas escolas dos bairros centrais e mais afluentes, nem isso.
No Colégio Miguel de Cervantes, no Morumbi, que reúne o grupo de eleitores que moram em volta de uma das áreas mais ricas da capital paulista, não havia indícios de que lá ocorria uma eleição, e sim uma reunião extraordinária de pais e mestres. Tanto que o único movimento registrado estava no conjunto de cartazes elaborados pela turma da 4ª Série A, um filminho para ilustrar a deriva dos continentes. Só.

Farra do boi
Há dois anos, a disputa era pelo comando da prefeitura, e os cabos eleitorais uniformizados do PT (a maior parte remunerados) coloriam tudo de vermelho, enquanto empurravam santinhos sobre o que quer que se movesse. Uma farra.
Naquele ano, até um boi branco, de nome Sansão, então com dez anos e pesando uma tonelada, apareceu na porta da Escola Estadual Professor Alberto Salotti, na Vila São José, zona sul. Todo decorado com cartazes de Marta Suplicy (PT), que enfrentava José Serra (PSDB), o bichão foi montado pela criançada e -ápice da animação- pelo filho de Marta, o Supla, mais conhecido na periferia como "Papito".
Ontem, Sansão ficou no pasto. A escola, que abriga o segundo maior contingente de eleitores da cidade (só perde para o Instituto Mackenzie), estava cheia de pessoas silenciosas, que chegavam às suas seções eleitorais depois de se esgueirar pelas grades onipresentes na decoração do lugar.
Para Silvio Gonçalves Pinto, 46, eleitor do PT, "a ameaça de prisão para quem fizesse boca-de-urna atemorizou os militantes, que preferiram não se expor a riscos". É uma explicação.
"Nem parece eleição de tão chocho o clima", dizia, desanimada, a professora Claudia de Souza, 44, da Escola Estadual Samuel Wainer, no Grajaú, zona sul. Segundo ela, "a apatia é o resultado natural do processo eleitoral, em que não se viram discussões de propostas, só um monte de denúncias". "Não foi política a conversa dessas eleições. Foi policial."
Até os protestos foram tímidos. Na porta da escola Maria Imaculada, no Paraíso, perto da avenida Paulista, o engenheiro Francisco de Assis Cattani, 49, andava para lá e para cá, solitário, vestido de negro e com uma bola vermelha no nariz. Com a voz fanhosa, explicou sua situação: "Ninguém vê que os padrões morais deste país foram parar no esgoto?". Estava com os olhos cheios de lágrimas.

Papel mais rápido
A calmaria na escola da periferia só foi quebrada pela urna eletrônica da seção 226, que teimou em não funcionar, mesmo depois de trocada quatro vezes e atrasar o início da votação em duas horas.
A informática substituída pelo voto em papel surpreendeu: a seção 226 era a única na escola que não tinha fila por volta das 12h. "O pessoal vota mais rápido no papel", ria por último a presidente da seção, a auxiliar de serviços gerais Salete Nazário, 31, que já contava chegar mais cedo em casa.
Em todas as seções, a única reclamação dos fiscais era a ajuda de custo dada pelo Tribunal Regional Eleitoral aos fiscais. No referendo sobre o desarmamento, foram R$ 12 de ajuda-almoço. Ontem, R$ 10.
Na avenida Paulista, local onde Lula comemorou a vitória na campanha presidencial de 2002, não se via nenhuma bandeira de candidato -até as 15h. Então, ao lado do Masp, o Museu de Arte, trânsito lento, um Gol vermelho embicou pela rua Peixoto Gomide. Trazia uma bandeirona vermelha com a estrela branca. "Prende, prende", gritou o analista de sistemas Ewerton de Lima Assis, 37, eleitor de Alckmin. O Gol partiu, e a calmaria voltou.


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