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JOÃO PAULO 2º
LINHA DOUTRINÁRIA
Líder religioso condenou o uso de preservativos e o homossexualismo, valorizou a hierarquia e puniu dissidentes
Conservadorismo marcou o papado
DA REDAÇÃO
João Paulo 2º será associado ao
retrocesso da igreja em relação à
abertura e à oxigenação iniciadas
no Concílio Vaticano 2º (1962-65). À democratização promovida então, opôs-se o conservadorismo ideológico do papa, que nomeou a grande maioria dos cardeais com poder de voto, com
perfil semelhante ao seu, a fim de
preservar sua linha doutrinária.
Apesar da disseminação descontrolada da Aids, condenou o
uso de preservativos e foi alvo de
críticas de movimentos religiosos
e de defesa dos direitos humanos.
Alguns, como o grupo Catholics
for a Free Choice (Católicos pelo
Direito de Decidir, em tradução
livre), chegaram a acusá-lo de genocídio por verem o Vaticano como responsável indireto pela
morte de católicos que não se preveniram contra o vírus HIV.
Em 2001, ao menos 3 milhões de
pessoas morreram por causa da
Aids (a maioria na África subsaariana). No Brasil, a Aids foi responsável por mais de 107 mil
mortes entre 1980 e 2001, segundo
a Coordenação Nacional de
DST/Aids. Nem todas as vítimas
eram católicas, embora o Censo
2000 tenha apontado que 73,8%
da população brasileira é católica.
A idéia do preservativo como
um "mal menor" defendida por
alguns padres brasileiros jamais
contou com o aval do papa, e a
Igreja Católica também continua
a proibir relações sexuais sem finalidade procriatória, opondo-se
ao segundo casamento, a não ser
em casos de viuvez.
O Vaticano também condenou
veementemente as uniões legais
entre homossexuais. "O casamento existe apenas quando é entre um homem e uma mulher",
declarou. Entidades de defesa dos
direitos de homossexuais acusaram a igreja de conduzir uma
"cruzada homofóbica".
Críticas de teólogos
A postura conservadora, descrita pelo porta-voz do Vaticano,
Joaquín Navarro-Valls, como
"desapego à modernidade", trouxe-lhe críticas de diversos teólogos, como o suíço Hans Küng e o
alemão Eugen Drewermann, e de
defensores da Teologia da Libertação (incluindo o brasileiro Leonardo Boff), a qual considera pecaminosas e não-cristãs estruturas sociais que oprimam economicamente parte da população.
Por considerá-la marxista, o líder
da Igreja Católica a rejeitou.
Centralizador, combateu a autonomia na igreja. Valorizou a
hierarquia e a disciplina, punindo
dissidentes. No Brasil, combateu
as CEBs (Comunidades Eclesiais
de Base).
"O papa [João Paulo 2º] não
conseguiu convencer a igreja da
validade de suas posições controversas no que diz respeito a controle de natalidade, aborto, ordenação de mulheres e celibato clerical. Ele impôs bispos e condenou teólogos críticos", disse à Folha, por telefone, Hans Küng.
"A posição contra a pílula, a difamação de homossexuais, tudo o
que foi dito contra as mulheres,
especialmente a ordenação feminina -tudo isso causou danos à
moralidade. É o tipo errado de
moralidade. Tenho certeza de que
o próximo papa não vai conseguir
manter a oposição contra a pílula,
a ordenação de mulheres e outros
temas divisórios", afirma Küng,
que teve sua licença para ensinar
teologia em universidades católicas revogada pelo Vaticano em
1979, devido a seu "pensamento
não-ortodoxo" e às críticas à doutrina da infalibilidade papal.
"O principal problema da igreja
é que deixamos de lado as questões da vida pelas questões de governo, mando e liderança hierárquica. Para quase 1 bilhão de pessoas no mundo, a questão é o que
um homem em Roma dirá a nós",
argumenta Drewermann.
Para o teólogo alemão, "bispos
de todo o mundo se questionam,
mas o que o papa diz está dito. Independentemente se serve ou não
para os católicos da Alemanha, do
Brasil ou de outros lugares".
O historiador norte-americano
Gary Wills argumenta, em seu livro "Papal Sin" (Pecado Papal),
que os papas recentes viraram
"leninistas": passaram a preocupar-se mais em conservar seu domínio e sua autoridade do que em
atender às necessidades daqueles
a quem afirmam servir.
"Dominus Iesus"
Em 2000, a igreja divulgou um
documento que reafirmava a suposta superioridade católica ante
outras denominações cristãs. Intitulada "Dominus Jesus", a declaração, aprovada por João Paulo 2º
e divulgada pelo cardeal alemão
Joseph Ratzinger (a voz da ortodoxia católica), indicava que o
único caminho da salvação é o da
Igreja Católica. Um dos "defeitos"
de outras denominações cristãs
seria o não-reconhecimento da
primazia do papa.
"Deve ficar sempre claro que a
única, sagrada, católica e apostólica igreja universal não é a irmã,
mas a mãe de todas as igrejas", declarou Ratzinger. Em 1964, a igreja declarou que via cristãos ortodoxos e protestantes como "irmãos de religião". Foi uma regressão na campanha ecumênica
e inter-religiosa do papa.
(PAULO DANIEL FARAH)
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