São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOÃO PAULO 2º

LINHA DOUTRINÁRIA

Líder religioso condenou o uso de preservativos e o homossexualismo, valorizou a hierarquia e puniu dissidentes

Conservadorismo marcou o papado

DA REDAÇÃO

João Paulo 2º será associado ao retrocesso da igreja em relação à abertura e à oxigenação iniciadas no Concílio Vaticano 2º (1962-65). À democratização promovida então, opôs-se o conservadorismo ideológico do papa, que nomeou a grande maioria dos cardeais com poder de voto, com perfil semelhante ao seu, a fim de preservar sua linha doutrinária.
Apesar da disseminação descontrolada da Aids, condenou o uso de preservativos e foi alvo de críticas de movimentos religiosos e de defesa dos direitos humanos. Alguns, como o grupo Catholics for a Free Choice (Católicos pelo Direito de Decidir, em tradução livre), chegaram a acusá-lo de genocídio por verem o Vaticano como responsável indireto pela morte de católicos que não se preveniram contra o vírus HIV.
Em 2001, ao menos 3 milhões de pessoas morreram por causa da Aids (a maioria na África subsaariana). No Brasil, a Aids foi responsável por mais de 107 mil mortes entre 1980 e 2001, segundo a Coordenação Nacional de DST/Aids. Nem todas as vítimas eram católicas, embora o Censo 2000 tenha apontado que 73,8% da população brasileira é católica.
A idéia do preservativo como um "mal menor" defendida por alguns padres brasileiros jamais contou com o aval do papa, e a Igreja Católica também continua a proibir relações sexuais sem finalidade procriatória, opondo-se ao segundo casamento, a não ser em casos de viuvez.
O Vaticano também condenou veementemente as uniões legais entre homossexuais. "O casamento existe apenas quando é entre um homem e uma mulher", declarou. Entidades de defesa dos direitos de homossexuais acusaram a igreja de conduzir uma "cruzada homofóbica".

Críticas de teólogos
A postura conservadora, descrita pelo porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro-Valls, como "desapego à modernidade", trouxe-lhe críticas de diversos teólogos, como o suíço Hans Küng e o alemão Eugen Drewermann, e de defensores da Teologia da Libertação (incluindo o brasileiro Leonardo Boff), a qual considera pecaminosas e não-cristãs estruturas sociais que oprimam economicamente parte da população. Por considerá-la marxista, o líder da Igreja Católica a rejeitou.
Centralizador, combateu a autonomia na igreja. Valorizou a hierarquia e a disciplina, punindo dissidentes. No Brasil, combateu as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base).
"O papa [João Paulo 2º] não conseguiu convencer a igreja da validade de suas posições controversas no que diz respeito a controle de natalidade, aborto, ordenação de mulheres e celibato clerical. Ele impôs bispos e condenou teólogos críticos", disse à Folha, por telefone, Hans Küng.
"A posição contra a pílula, a difamação de homossexuais, tudo o que foi dito contra as mulheres, especialmente a ordenação feminina -tudo isso causou danos à moralidade. É o tipo errado de moralidade. Tenho certeza de que o próximo papa não vai conseguir manter a oposição contra a pílula, a ordenação de mulheres e outros temas divisórios", afirma Küng, que teve sua licença para ensinar teologia em universidades católicas revogada pelo Vaticano em 1979, devido a seu "pensamento não-ortodoxo" e às críticas à doutrina da infalibilidade papal.
"O principal problema da igreja é que deixamos de lado as questões da vida pelas questões de governo, mando e liderança hierárquica. Para quase 1 bilhão de pessoas no mundo, a questão é o que um homem em Roma dirá a nós", argumenta Drewermann.
Para o teólogo alemão, "bispos de todo o mundo se questionam, mas o que o papa diz está dito. Independentemente se serve ou não para os católicos da Alemanha, do Brasil ou de outros lugares".
O historiador norte-americano Gary Wills argumenta, em seu livro "Papal Sin" (Pecado Papal), que os papas recentes viraram "leninistas": passaram a preocupar-se mais em conservar seu domínio e sua autoridade do que em atender às necessidades daqueles a quem afirmam servir.

"Dominus Iesus"
Em 2000, a igreja divulgou um documento que reafirmava a suposta superioridade católica ante outras denominações cristãs. Intitulada "Dominus Jesus", a declaração, aprovada por João Paulo 2º e divulgada pelo cardeal alemão Joseph Ratzinger (a voz da ortodoxia católica), indicava que o único caminho da salvação é o da Igreja Católica. Um dos "defeitos" de outras denominações cristãs seria o não-reconhecimento da primazia do papa.
"Deve ficar sempre claro que a única, sagrada, católica e apostólica igreja universal não é a irmã, mas a mãe de todas as igrejas", declarou Ratzinger. Em 1964, a igreja declarou que via cristãos ortodoxos e protestantes como "irmãos de religião". Foi uma regressão na campanha ecumênica e inter-religiosa do papa. (PAULO DANIEL FARAH)

Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Casos de pedofilia abalam reputação da igreja
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.