São Paulo, quarta-feira, 04 de dezembro de 2002

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VOLTA AO CENTRO EM 450 ANOS

Às vésperas de comemorar 450 anos, São Paulo prepara sua terceira fundação, ao estabelecer a rota de volta ao centro. Formada por um crescente cinturão cultural, essa rota significa uma alteração inédita na história da cidade, cujo crescimento sempre ocorreu no sentido das regiões centrais para a periferia.
A primeira fundação ocorreu em 1554, com os jesuítas portugueses e seus alunos índios no Pateo do Collegio -assim se escrevia na época do Padre Anchieta-, instalado numa colina, protegido das enchentes, provocadas pelos rios Tamanduateí e Anhangabaú.
A segunda foi no final do século 19, quando imigrantes italianos, espanhóis, alemães, poloneses, judeus e tantos outros foram atraídos pelas plantações de café e, depois, pelas engrenagens da indústria paulista. Até 1875, São Paulo tinha apenas 35 mil habitantes. Desde então, quando o português deixou de ser, por muitos anos, a língua da maioria da população, a cidade não pararia mais de inchar: com a vinda dos migrantes, chegou aos 10 milhões de habitantes, cercados pelos sete milhões da região metropolitana. Ano após ano desenhou-se, nesse inchaço e movimento centrífugo, o inferno urbano.
Aquele centro, imaginado no século 19 como um aprazível recanto europeu, submergiu às drogas, ambulantes, desempregados, meninos de rua. Prédios ficaram abandonados. A decadência afastou muitos de seus frequentadores para as novas zonas nobres que, rapidamente, também deixavam de ser nobres, numa autofagia urbana. A elite passou a se refugiar em condomínios e shopping centers, semelhantes às fortalezas medievais; na busca de paz, cruzou o Pinheiros e o Tietê.
A terceira fundação ensaia agora os primeiros passos. Depois de décadas se expandindo geométrica e caoticamente para a periferia, imersa numa crise de identidade de quem se destrói e não sabe se construir, a cidade inicia um movimento inverso. Ensaia um encontro com com sua história e olha para si mesma, como se, depois de quase quatros séculos e meio, apalpasse a identidade que, mal se formou na multiplicidade de culturas, sotaques, dialetos, e logo foi perdida. Sintomaticamente, a cúpula do poder municipal retorna para junto do primeiro local que recebeu os jesuítas - e ainda cercado de enchentes.
Os problemas são muitos: embora as estatísticas o favoreçam, o centro não é uma ilha de segurança. As multidões de ambulantes e mendicantes também são desafios a ser superados. Faltam garagens para os paulistanos, que são viciados em automóveis.
Mas também são muitos os fatores que impulsionam essa força centrípeta: prefeitura, governo estadual, governo federal, comerciantes locais, empresas nacionais e estrangeiras, ONGs, associações de moradores.
O conjunto de teatros, cinemas, centros culturais e museus na região delineia cinturão cultural no centro -a maior concentração de arte e cultura por metro quadrado do país.
Grandes hotéis são inaugurados após 20 anos sem lançamentos do setor na região. E a fibra ótica que corre no subsolo atrai empresas de tecnologia.
Junto com essas mudanças, gente chegando, atraindo as mais diversos tribos - e nada a ver com aqueles imigrantes ou migrantes. São arquitetos, artistas plásticos, atores, agitadores culturais: procuram imóveis de muito espaço e pouco preço, charme, história. Procuram a sensação de que, numa metrópole tão dispersa e desfigurada, americanizada e africanizada, o centro é um ponto de equilíbrio.


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