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O poder da fé
Igreja pentecostal muda vida de 54% dos fiéis
ENTRE OS CATÓLICOS, APENAS 9% AFIRMAM TER ALTERADO HÁBITOS POR CAUSA DA RELIGIÃO
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
A dona-de-casa Maria da
Conceição Alves Junqueira, 39,
moradora da Cohab de Itaquera (zona leste de São Paulo), curou-se de depressão e suspendeu o álcool, do qual virou dependente com menos de 21
anos. De quebra, parou de "safadeza" com o cunhado que
morava na mesma casa e retomou os "deveres conjugais"
com o marido. Engravidou contra todas as expectativas (rugas
escavadas no rosto crestado de
nordestina dão-lhe aparência
mais velha). Agora, embala
João Gabriel, três meses, no colo. "Sou uma nova mulher", diz.
"Estava envolvida com encostos e até tentei suicídio.
Uma noite, implorei a Deus por
uma chance e chorei. Na manhã seguinte, fui a um templo
perto de casa, disposta a dar minha vida ao Senhor Jesus. Veio
o batismo e, depois, passei por
processo de libertação."
É sem pudor que Maria da
Conceição faz o relato. "Por que
me envergonharia de contar? O
precipício em que eu estava e a
felicidade que tenho hoje são o
testemunho do poder de Deus."
Segundo o Datafolha, 54%
dos evangélicos pentecostais
respondem "sim" à pergunta
"Você já mudou algum hábito
ou deixou de fazer alguma coisa
por causa de sua religião?" É
gente que diz ter cortado ou reduzido a bebida, deixado baladas e cigarro, mudado as vestimentas, parado de sair com
pessoas casadas ou vários parceiros e adotado a abstinência
sexual antes do casamento.
Entre os católicos, o índice
dos que dizem ter mudado de
hábito é de só 9%. Nada menos
que 90% dos seguidores do papa Bento 16 confessam não ter
deixado de fazer (nem passado
a fazer) algo devido à religião.
O sociólogo Ricardo Mariano, professor da PUC-RS, diz
que isso ocorre porque as igrejas evangélicas abrigam convertidos. "Uma coisa é nascer
católico, religião majoritária, filho de família católica há várias
gerações. Outra é se converter
evangélico. É preciso ter distinção comportamental para sustentar um comportamento distinto. Vem daí moralidade estrita, ascetismo e puritanismo."
Renascimento
A conversão nas igrejas evangélicas é sintetizada no "nascer
de novo" (deixar a vida anterior), frase ao gosto de pastores
em programas de TV. "Isso tem
apelo incrível sobre presidiário,
prostituta, quem vive em área
devastada", diz Mariano.
A avenida do M'Boi Mirim,
na altura do Jardim Ângela (região sul de São Paulo), num sábado à tarde, mostra o "distintivo". São casais de negros e de
nordestinos vestidos com sobriedade modesta, Bíblias em
capas de couro preto nas mãos.
Sem decote ou barriga de fora.
Dependendo da igreja, pouca
maquiagem e pintura de cabelo
até podem. Evangélico fumando é raro. Idem para a bebida.
Como grupo minoritário,
ainda mais dividido em centenas de igrejas diferentes (diz-se
que há mais de mil só na capital
paulista), cada uma com sua
própria hierarquia, os evangélicos acabam tendo um controle
mais eficaz sobre seus adeptos.
O filósofo Roberto Romano,
da Universidade Estadual de
Campinas, cita diferença capital entre evangélico e católico:
enquanto este faz a "confissão
auricular" ao pé do ouvido do
padre (e só dele), aquele faz a
confissão pública, consubstanciada no "testemunho de fé".
O resultado é que os evangélicos ficam cientes de que o sujeito A sofre com alcoolismo, o
B bate na mulher, o C é ladrão.
A comunidade ajuda a controlar o comportamento desviante, envolve-se na "salvação" e
ainda oferece rede de sociabilidade a quem a perdeu. Depois,
o testemunho de conversão reforça a fé de todos na oferta mágico-religiosa da igreja.
"O protestante é o monge interiorizado. Enquanto o monge
católico é apartado do mundo e
submetido pela ordem religiosa
a uma vida regrada, para os protestantes (até os evangélicos
pentecostais), o monge não está separado do mundo, está na
cabeça do fiel", diz Romano.
As diferenças espalham-se
pela organização burocrática e
pela arquitetura das religiões.
"Por que a entrada de muitas
igrejas têm escadarias? É para
evidenciar a hierarquia cósmica, elevando-se do rés-do-chão,
onde fica o povo, em direção à
pureza do clero e de Deus." De
seu lado, o templo evangélico (a
maioria) apresenta-se ao rés-do-chão. "São iguais falando
para iguais e todos com igual
acesso a Deus", diz Romano.
Placas afixadas na sacristia
das igrejas avisam os horários
das missas. Igrejas fecham suas
portas, e padres tiram folgas (a
maioria na segunda-feira). Já
as igrejas evangélicas estão
sempre abertas; há obreiros na
calçada e no templo, convidando a entrar. Se o pastor tira folga, há pastores auxiliares.
Nas igrejas evangélicas, não
se vê mendicância. O deputado
federal Geraldo Tenuta (DEM-SP), da bancada evangélica na
Câmara e membro da Igreja
Apostólica Renascer em Cristo,
diz: "Somos contra assistencialismo. A gente ensina a pescar".
Praga e aberração
Quanto à alma dos fiéis, são
diferenças que contam. O papa
Bento 16 disse no documento
"Sacramentum Caritatis" (Sacramento do Amor) que o segundo casamento é "praga do
ambiente social"? Sem conflitos, 74% dos católicos dizem
ser favoráveis ao divórcio (três
pontos percentuais a mais do
que a média nacional). Entre os
evangélicos, o índice cai a 59%.
A Igreja Católica acha que o
uso de preservativos favorece a
promiscuidade por contrariar a
idéia de que o sexo deve ser praticado só com fim reprodutivo?
Mas 94% dos católicos apóiam
o uso de camisinhas, mais que
os evangélicos, cujas autoridades são em sua maioria a favor.
O papa acha que união civil
de pessoas do mesmo sexo é
aberração? Tss, tss. Já 46% dos
católicos são favoráveis a ela;
nos evangélicos, que causam
horror à militância gay ao manter cursos para "a cura" da homossexualidade, só 22% .
Romano cita Elias Canetti
-"não existe procissão correndo"- para explicar como a igreja tende a lidar com a insurgência evangélica no cenário religioso do país: "No seu ritmo, e
não no dos seus adversários".
A Igreja Católica tem 2.000
anos e tem apanhado desde o
século 16, com a Reforma Protestante, até hoje, com a concorrência com as denominações evangélicas e o islamismo.
"E tem resistido, um verdadeiro milagre. A maior prova da divindade da Igreja Católica é que
o homem ainda não conseguiu
acabar com ela", diz Romano.
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