São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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No país, até evangélicos têm santo

MAIS COMUNS, "CATOPÍRITA" E "ESPIRITÓLICO" TAMBÉM ILUSTRAM A MISTURA DE CRENÇAS ENTRE FIÉIS

DA REPORTAGEM LOCAL

O médium espírita Chico Xavier (1910-2002) escreveu mais de 400 livros, vendeu cerca de 30 milhões de exemplares e provavelmente é um dos maiores responsáveis pela difusão do "catopiritismo" e do "espiritolicismo". Os termos soam estranhos, mas ilustram o sincretismo religioso do Brasil.
"Catopírita" é o católico que freqüenta um centro espírita e tem uma certa simpatia pelo conceito de reencarnação, segundo o qual as almas evoluem, passando de corpo em corpo no correr da eternidade. Mesmo essa idéia sendo diametralmente oposta à ressurreição cristã, onde a pessoa deve voltar à terra, a exemplo do que ocorre com Jesus tal como relatado no Evangelho.
"Espiritólico" é o espírita que freqüenta as missas católicas, batiza os filhos na igreja.
Ao todo, 44% dos católicos acreditam totalmente na reencarnação, número que cai para 15% entre os evangélicos pentecostais e chega a 93% entre os que se declaram espíritas.
No Brasil, porém, é possível crer nas duas coisas -81% dos espíritas e 95% dos católicos acreditam que Jesus ressuscitou após morrer na cruz. Em compensação, 48% das pessoas que se declaram espíritas possuem algum santo de devoção. Mesmo 8% dos evangélicos pentecostais, conhecidos pelo fervor ao credo que se caracteriza, entre outros itens, por condenar a adoração de imagens, têm um santo.
Ary Dourado, presidente da Associação de Editoras, Distribuidoras e Divulgadores do Livro Espírita, afirma que os neologismos ajudam a explicar por que 4 milhões de livros espíritas foram vendidos em 2006 ainda que os membros deste credo não passem de 3 milhões, segundo o censo de 2000. "Há muitos fiéis de outras religiões que freqüentam os centros espíritas", diz Dourado. "Até mesmo pastores das igrejas evangélicas, embora mais discretamente. Isso acaba gerando um interesse muito grande pela doutrina espírita."
Embora o conceito de céu e inferno não faça sentido para o espiritismo, 39% dos seguidores de Allan Kardec (1804-1869) crêem no céu, mesmo número dos que crêem no inferno.

País católico
No interior da Paraíba, descendentes de judeus obrigados a se converter ao catolicismo nos primórdios do país são um exemplo de sincretismo. Seus antepassados criaram uma sinagoga disfarçada de Igreja Católica. Hoje, querem ser reconhecidos como judeus, mas enfrentam resistência na comunidade: não abrem mão de práticas associadas ao cristianismo.
Uma das explicações para os brasileiros se apegarem a conceitos conflitantes com as religiões que dizem praticar está relacionada à antiga proibição de visibilidade pública a outros credos que não o católico.
A primeira Constituição do Brasil (1824) firmava o catolicismo como religião oficial. A proclamação da República, em 1889, permitiu a liberdade religiosa, mas as conseqüências de se ter uma religião oficial já estavam dadas. A não-adesão ao catolicismo criava obstáculo à ascensão social. Hoje, livres, 21% das pessoas que têm religião já mudaram de crença.
0 (LEANDRO BEGUOCI)


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