São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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Força dos estereótipos

QUEBRAR UM PRECONCEITO É TÃO DIFÍCIL QUANTO FRAGMENTAR UM ÁTOMO

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS

"Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito." A boa frase é de Albert Einstein, que, como sempre, estava quase certo.
Quebrar um estereótipo é tão ou mais difícil que fragmentar um átomo porque o homem interpreta o mundo através de categorias, que são só um nome neutro para preconceito. Pior, os estereótipos que usamos são com freqüência corretos.
Não estou dizendo que todo católico é relapso, e evangélico, trouxa. O mecanismo mental que constrói categorias o faz em cima de características médias ou percebidas como tal de classes de objetos ou pessoas. Ou, como diz o psicólogo Steven Pinker em "Tábula Rasa": "Se anda como um pato e grasna como um pato, provavelmente é um pato. Se é um pato, provavelmente nada, voa...".
Quem, contudo, aplica irrefletidamente os atributos gerais a sujeitos particulares corre risco de quebrar a cara -um pato com asa ferida não voa, mas não deixa de ser pato.
Estereótipos religiosos tendem a refletir, não verdades, mas características que são ou foram freqüentes entre membros do grupo. Católicos estão entre os primeiros a admitir que não são muito católicos em seu catolicismo. Concordam que "os católicos não praticam sua religião" 61% dos entrevistados; entre católicos, 58%.
A noção de que os evangélicos são enganados por pastores (aceita por 61%) tampouco veio do nada. Nos anos 70, os pastores americanos que pregavam pela TV fizeram sucesso e enriqueceram. Nos anos 80, alguns, como Jimmy Swaggart e Jim Bakker, foram pegos em escândalos sexuais. E isso reavivou o tema do pregador hipócrita.
E agora, a cada prisão de líder evangélico, reforça-se o estereótipo, que é bem-aceito por evangélicos. Como ninguém gosta de admitir que se deixa iludir, os que concordaram devem ter pensado nas pobres almas da seita rival, mostrando que ser vítima de preconceito não é vacina contra tê-lo.
A idéia de que judeu só pensa em dinheiro (com a qual 49% concordam) tem origem na Idade Média, quando as poucas cidades que aceitavam judeus relegavam-nos a funções tidas por inferiores, como coleta de impostos e empréstimo de dinheiro. A associação entre judeus e dinheiro ficou. Já a "vingança" veio na forma de bancos como Rothschild e Safra.
Vincular muçulmanos a terrorismo (49% de concordância), o que se insinua desde os atentados da OLP nos anos 70, ganhou impulso após o 11 de Setembro. Mas, se se perguntar a um muçulmano, é quase certo que ele negará apoiar o terrorismo. Já se a questão for "Considera legítima a resistência contra o opressor americano e a entidade sionista?", o número de "sins" sobe. É que situações de conflito tornam estereótipos em relação à parte contrária mais virulentos, e inexatos.
Os umbandistas são acusados de ter parte com o demônio (tese com 57% de aceitação) desde que o primeiro escravo foi por aqui descarregado e se cristianizou, incorporando elementos da religião de origem. Cultos estabelecidos não gostam de concorrência e menos de "agentes duplos" entrincheirados em suas naves.
É certo que estereótipos são fonte das piores chagas, como racismo, sexismo e toda forma de intolerância. Só que o preconceito, entendido como a operação mental que nos permite abstrair e generalizar, é um dos responsáveis pelo sucesso evolutivo da humanidade e a base do conhecimento científico. Isso não significa que toda a generalização na cachola seja válida. Muitas não serão. Mas a natureza não liga se a idéia que me deixa afastado de inimigos é justa, desde que eu fique longe deles e sobreviva.
Problema não é usar preconceitos para interpretar o mundo, mas o fato de que muitos de nós se recusam a abandoná-los mesmo quando desmentidos por evidências e contrários a imperativos morais.


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