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Força dos estereótipos
QUEBRAR UM PRECONCEITO É TÃO DIFÍCIL QUANTO FRAGMENTAR UM ÁTOMO
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS
"Triste época! É mais fácil
desintegrar um átomo do que
um preconceito." A boa frase é
de Albert Einstein, que, como
sempre, estava quase certo.
Quebrar um estereótipo é tão
ou mais difícil que fragmentar
um átomo porque o homem interpreta o mundo através de categorias, que são só um nome
neutro para preconceito. Pior,
os estereótipos que usamos são
com freqüência corretos.
Não estou dizendo que todo
católico é relapso, e evangélico,
trouxa. O mecanismo mental
que constrói categorias o faz
em cima de características médias ou percebidas como tal de
classes de objetos ou pessoas.
Ou, como diz o psicólogo Steven Pinker em "Tábula Rasa":
"Se anda como um pato e grasna como um pato, provavelmente é um pato. Se é um pato,
provavelmente nada, voa...".
Quem, contudo, aplica irrefletidamente os atributos gerais a sujeitos particulares corre risco de quebrar a cara -um
pato com asa ferida não voa,
mas não deixa de ser pato.
Estereótipos religiosos tendem a refletir, não verdades,
mas características que são ou
foram freqüentes entre membros do grupo. Católicos estão
entre os primeiros a admitir
que não são muito católicos em
seu catolicismo. Concordam
que "os católicos não praticam
sua religião" 61% dos entrevistados; entre católicos, 58%.
A noção de que os evangélicos são enganados por pastores
(aceita por 61%) tampouco veio
do nada. Nos anos 70, os pastores americanos que pregavam
pela TV fizeram sucesso e enriqueceram. Nos anos 80, alguns,
como Jimmy Swaggart e Jim
Bakker, foram pegos em escândalos sexuais. E isso reavivou o
tema do pregador hipócrita.
E agora, a cada prisão de líder
evangélico, reforça-se o estereótipo, que é bem-aceito por
evangélicos. Como ninguém
gosta de admitir que se deixa
iludir, os que concordaram devem ter pensado nas pobres almas da seita rival, mostrando
que ser vítima de preconceito
não é vacina contra tê-lo.
A idéia de que judeu só pensa
em dinheiro (com a qual 49%
concordam) tem origem na
Idade Média, quando as poucas
cidades que aceitavam judeus
relegavam-nos a funções tidas
por inferiores, como coleta de
impostos e empréstimo de dinheiro. A associação entre judeus e dinheiro ficou. Já a "vingança" veio na forma de bancos
como Rothschild e Safra.
Vincular muçulmanos a terrorismo (49% de concordância), o que se insinua desde os
atentados da OLP nos anos 70,
ganhou impulso após o 11 de
Setembro. Mas, se se perguntar
a um muçulmano, é quase certo
que ele negará apoiar o terrorismo. Já se a questão for "Considera legítima a resistência
contra o opressor americano e
a entidade sionista?", o número
de "sins" sobe. É que situações
de conflito tornam estereótipos em relação à parte contrária mais virulentos, e inexatos.
Os umbandistas são acusados de ter parte com o demônio
(tese com 57% de aceitação)
desde que o primeiro escravo
foi por aqui descarregado e se
cristianizou, incorporando elementos da religião de origem.
Cultos estabelecidos não gostam de concorrência e menos
de "agentes duplos" entrincheirados em suas naves.
É certo que estereótipos são
fonte das piores chagas, como
racismo, sexismo e toda forma
de intolerância. Só que o preconceito, entendido como a
operação mental que nos permite abstrair e generalizar, é
um dos responsáveis pelo sucesso evolutivo da humanidade
e a base do conhecimento científico. Isso não significa que toda a generalização na cachola
seja válida. Muitas não serão.
Mas a natureza não liga se a
idéia que me deixa afastado de
inimigos é justa, desde que eu
fique longe deles e sobreviva.
Problema não é usar preconceitos para interpretar o mundo, mas o fato de que muitos de
nós se recusam a abandoná-los
mesmo quando desmentidos
por evidências e contrários a
imperativos morais.
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