São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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NIZAN GUANAES
CANDOMBLÉ


Sou católico, apostólico, baiano

Sou devoto de Santo Antônio e de Nossa Senhora do Carmo. Entrei no candomblé, tardiamente, aos 20 e tantos anos. Fui consertar o telhado do Gantois, e o Gantois consertou minha vida. O candomblé não é religião. É culto aos antepassados, às forças da natureza. É moderno. Já era ecológico antes que a ecologia entrasse em voga. Não exclui opções sexuais. Ao contrário, acolhe. Os deuses do candomblé têm ira, inveja e raiva. Xangô é colérico. Oxum é ciumenta e chorosa. Ogum tem o pavio curto.
Não é muito chique ser do candomblé. Pelo menos na parte do país em que vivo. Como toda cultura vinda dos vencidos, é visto como desvio, coisa de gente desajustada ou artista. E confesso que isso, ao contrário de me afastar dele, sempre me instigou a caminhar contra o vento. Toda sexta-feira vejo o olhar jocoso com que algumas pessoas me olham vestido de branco.
O candomblé é o culto do bem. Tantas vezes confundido com feitiço. Se alguém usou esses poderes santos para o mal, é descaminho. E contra ele a força deve ter se voltado. O catolicismo não pode ser julgado a partir de padres pedófilos. E o candomblé não pode ser julgado a partir de pais-de-santo picaretas. Candomblé é magia. Aquela energia que a gente sente na Bahia vem dele. Aquela música, aquela sensualidade e aquela pimenta vêm dele. Sua Santidade, por ser padre e alemão, talvez não consiga assimilar tudo isso. Mas não posso negar o bem que mãe Cleusa me fez e que mãe Stella me faz. E o bem que elas fazem pelos pobres.
O candomblé sempre foi e continua pobre. Não tem catedrais, nem TVs, nem rádios. Não faz coleta de dinheiro. Ao contrário, as grandes mães-de-santo doam. Vivem franciscanamente. E nunca fizeram voto de pobreza. Porque os pobres não precisam disso.
Saúdo sua Santidade e peço a Xangô e a Oxum que guiem seus caminhos para que ele possa ser uma grande mãe ao longo de seu papado. Que, além de encíclicas e regras, ele nos dê colo e carinho. Que ele seja uma espécie de mãe Menininha global. Porque, ao fazer isso, honrará o trono de Pedro e terá cumprido, no fim de seu papado, seu papel no tempo e na história.


NIZAN GUANAES, 48, é publicitário e presidente da Africa Propaganda

NA INTERNET - Leia a íntegra www.folha.com.br/071232


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