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Projeto decifra linguagem usada pela natureza
BIA ABRAMO
enviada especial a Palo Alto (EUA)
O sequenciamento do genoma
humano, talvez o projeto científico mais ambicioso do século 20,
assumiu ares de "corrida maluca" em maio deste ano.
De um lado, o biólogo J. Craig
Venter, do The Institute of Genomic Research (TIGR), e o laboratório Perkin-Elmer anunciaram
que iriam completar o genoma
humano até o ano 2001.
De outro, Projeto Genoma Humano, financiado pelo governo
norte-americano e conduzido por
os XX laboratórios ligados a universidades nos EUA e em outras
partes do mundo, completou a
metade dos 15 anos previstos em
1990 com bem menos da metade
do seqüenciamento completo.
"Temos algo como 10 ou 15%
completos", afirma Richard M.
Myers, diretor do Projeto Genoma
Humano da Universidade Stanford, "mas isso não significa que
estamos na metade ou a um terço
do caminho, pois não se pode medir o progresso de um trabalho
dessa magnitude de forma linear."
Para Myers, a prazo do ano 2005
será cumprido, apesar de o anúncio de Venter ter causado uma
correção de trajetória: uma primeira edicão do sequenciamento
do DNA humano deve ser divulgada pelo Projeto Genoma "em
dois ou três anos". Myers, entretanto, considera que essa versão
será muito menos precisa -e,
portanto, muito menos valiosa do
ponto de vista científico. Myers recebeu a Folha em seu escritório
em Stanford. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
CIÊNCIA DO GENOMA - Estamos
diante de uma nova disciplina.
Mesmo depois que o genoma humano estiver decifrado --e, nós, de
fato, nem estamos na metade do
caminho, provavelmente temos
10% ou 15% de todo o seqüenciamento--, depois que soubermos
quais são e em que ordem estão
todos os 3 bilhões de pares de base, isso significa apenas determinar a estrutura do genoma humano. E só então poderemos começar a interpretá-lo.
PRECISÃO - Digamos que você
precisa ir de Nova York a Los Angeles, por exemplo, e não sabe como chegar lá. Saber a distância é
importante e saber, por exemplo,
onde estão Chicago e Sant Louis e
Los Angeles também, mas, se você
sabe só isso, tem uma grande probabilidade de se perder. Nós estamos num estágio em que sabemos
onde estão todas as cidades, continuando na analogia, mas o que estamos fazendo agora é preencher
todos os detalhes, todos os postos
de gasolina, todos os hotéis e motéis, todos os lugares para parar
com as crianças. E este nível de detalhe no caso do genoma é muito
valioso. Só com esse nível de detalhe que poderemos prever que genes, que regiões do cromossomo,
codificam cada proteína. Esse
sempre foi um dos pricipais objetivos do projeto. E é plausível pensar que teremos isso até o ano
2005.
RÁPIDO E CRU - Nós podemos
fazer isso de forma rápida e crua,
mas será menos precisa.. Sim, é
útil ter uma versão rápida e mais
crua, porque essa informação já
pode ir sendo utilizada. Fazer essa
primeira versão é apenas um dos
caminhos, um dos passos para
chegar à versão completa, o que
realmente vai nos tomar mais sete
anos.
OUTROS GENOMAS - Nós não
vamos parar lá. Nós queremos obter a seqüência do genoma do camundongo, do rato, do gado, de
vários produtos agrícolas, do
chimpanzé, de outros primatas.
Há várias razões para isso: a primeira é que, quando você estuda
esses organismos em si, conhecer
a seqüência de genes economiza
uma enormidade de tempo em
termos de sua base de conhecimento. Agora, a outra e principal
razão pela qual é valioso ter o genoma de qualquer organismo ou
quaisquer dois ou quaisquer três
organismos é o fato de que os organismos estão relacionados entre
si. Ter o genoma desses outros organismos é extremamente importante para interpretar e entender o
genoma humano. Imagine, por
exemplo, se tivermos o genoma
do chimpanzé. O chimpanzé é o
nosso parente mais próximo, nossas bases genéticas são quase idênticas, a variação é realmente pequena, algo como 1%. Bem, se nós
descobrirmos qual é essa diferença, isso vai nos demonstrar o que
nos diferencia do chimpanzé. Isso
é profundo!
PRECISÃO 2 - Outra analogia:
imagine outra grande obra literária, de Shakespeare, ou Cervantes.
Alguém pegou essa obra e separou
cada palavra, algumas em grupos
de três ou quatro ou até em seqüências maiores em alguns casos.Você pode contar os substantivos e adjetivos, mas isso não ajuda a interpretar a obra. Agora, digamos que você tenha um método
que permita reconstruir períodos.
Assim, você começa a ter uma
idéia da informação que está contida nesses fragmentos, você pode
até descobrir até algo da criatividade ou do valor artístico. A medida em que elas vão ficando mais
e mais ordenadas, vai ficando cada vez mais fácil interpretar. Mas
toda vez que você, por exemplo,
erra o nome de um personagem,
você vai ficando cada vez mais
confuso. Não se trata apenas de
formar frases, mas ter certeza de
que as todas as palavras estão certas e todas as frases foram ordenadas na seqüência correta. É por isso que estamos sendo tão rígidos
nessa questão da precisão.
CRAIG VENTER - Há muita controvérsia em torno do anúncio de
Venter... É como se ele tivesse dito: bem, eu vou resolver o problema, porque o setor público não
vai ter capacidade de fazê-lo. Venter agora está dizendo que não foi
bem isso que ele quis dizer. O fato
é que será valioso o que ele conseguir, contanto que nós continuemos fazendo no setor público o
que estamos fazendo e que Venter
divulgue publicamente os dados,
como prometeu... É difícil prever
o que ele vai conseguir. Nós estamos basicamente usando estratégias muito diferentes. Voltando à
analogia de Cervantes, Venter está
pegando todas as palavras e está
tentando organizá-las todas ao
mesmo tempo. Nós estamos organizando as palavras dentro de
uma página por vez e em seguida a
próxima página e assim por diante. É mais rápido da forma que ele
está fazendo, mas nós achamos
que é muito mais difícil, porque
palavras isoladas na página 3 vão
ser muito semelhantes às da página 2.000.
VALOR COMERCIAL - [O genoma de Venter" vai ser útil, mas
não há razão nenhuma para ser
mais valioso. Inicialmente, foi argumentado que porque mais rápido, será mais útil. Mas, novamente, usando a analogia do livro, se
as palavras estiverem tão confusas
que acabam por desorientar, então não é assim tão útil. Se você
tem um mapa do tesouro que te
leva para a Ásia enquanto o tesouro está na verdade na América do
Sul, o mapa torna-se inútil. Todo
uso do genoma, da indústria farmacêutica ao desenvolvimento de
drogas, do estudo da evolução às
técnicas agrícolas, absolutamente
tudo o que tiver relação com biologia vai se beneficiar do genoma.
E isso serve tanto para a indústria
privada quanto para a reflexão sobre mais acadêmica, teórica. O valor real está em como essa informação permite interpretação. O
conhecimento é sempre mais valioso do que apenas o produto.
GENOMA E INDIVIDUALIDADE
- A seqüência que estamos determinando será um composto dos
genomas de várias pessoas, ou seja, é um genoma de referência. Isso não significa que alguma pessoa terá aquela seqüência específica, porque a cada 1000 pares de
base, em média, há variação de indivíduo para indivíduo. Uma
grande parte do projeto consiste
em descobrir essas zonas onde há
variação. Nós estamos interessados nessas variações, porque algumas delas é que nos fazem diferentes uns dos outros ou pelo menos têm grande influência nisso.
Estudar a variações é quase tão
importante quanto obter a seqüência básica, isso é que nos vai
permitir interpretar toda essa informação. Variação é onde estão
alguns dos segredos-chave.
CONHECIMENTO - O público e
também os cientistas estão muito
interessado nos usos práticos desse conhecimento, como por
exemplo na descoberta e controle
de doenças. Eu acho que uma das
grandes razões para prosseguir
determinando genomas é o conhecimento em si. Em última instância, vai nos permitir pensar em
muitas questões com uma nova
perspectiva, como o que nos faz
humanos, a cognição, o aprendizado, a memória, a inteligência, a
criatividade, porque temos linguagem, arte... Não acho que a decifração desses enigmas vai simplesmente cair de madura assim
que tivermos a seqüência do
DNA, mas acho que descobrir a
estrutura básica vai começar a nos
oferecer caminhos para pensar.
Não há como negar que o conhecimento do genoma vai mudar o
jeito que os homens pensam a respeito de si mesmos.
DETERMINISMO - O determinismo genético é superestimado, inclusive por muitos geneticistas.
Apesar disso, acho que o conhecimento trazido pelo genoma vai
avançar muito nessa questão. Talvez se nós tivermos a compreensão total do genoma completo e
nós tivermos feito muitos estudos
daqui a cem anos, relacionando
variações no genoma e determinados traços, nós poderemos ser
cada vez mais afirmativos. É importante ser muito cuidadoso
com o determinismo. Quando se
aproxima da ciência de maneira
menos simplista, é sempre mais
produtivo.
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