São Paulo, domingo, 06 de dezembro de 2009

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Análise

Brasil é o único gigante emergente com meta de redução de emissões

China e Índia só vão assumir compromissos ambiciosos, como necessita o planeta, se os países ricos avançarem muito

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

Constitui uma tarefa complexa comparar as metas nacionais de combate ao aquecimento global anunciadas nas últimas semanas e meses. Mas não é impossível, se o exercício de numerologia for tomado com um grão de sal. De toda maneira, apesar da margem gigantesca de erro, é seguro afirmar que o Brasil é o único país emergente importante a adotar metas comparáveis às de países desenvolvidos.
São muitas as referências empregadas, como anos-base (1990, 2005, 2020). Dados oficiais também se referem a anos desencontrados. Estimativas de emissões atuais variam de maneira selvagem. A burocracia da mudança do clima não facilita a vida de ninguém.
No caso da China, podem-se encontrar cifras tão díspares quanto 6 bilhões e 8,6 bilhões de toneladas de CO2-equivalente (unidade padronizada de medida para gases do efeito estufa) para 2005. No caso dos Estados Unidos, variam de 5,98 bilhões a 7,08 bilhões. Um dos dois é o campeão de emissões, hoje, mas qual?
Para complicar um pouco mais, há duas maneiras de apresentar os compromissos. Países desenvolvidos adotam metas de corte absoluto, em geral sobre os níveis de 1990 (os EUA são exceção, preferem 2005). Países emergentes, como China, Índia e Brasil, favorecem o chamado desvio de trajetória: fazem promessas de corte em relação àquilo que estariam emitindo no futuro, se seguissem no ritmo atual.
Uma forma de tentar contornar as dificuldades é buscar uma fonte com o máximo possível de dados uniformes. Uma delas é a Edgar (sigla em inglês de Base de Dados sobre Emissões para Pesquisa Atmosférica Global, mantida pela agência ambiental holandesa, PBL). Dela saíram as estimativas de emissões em 2005 apresentadas na tabela acima.
No caso de Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Japão, os percentuais de comparação entre 2020 e 2005 já foram calculados pela mesma PBL. Bastou aplicá-los aos totais de emissões. Para incluir China, Índia e Brasil, a conta é mais tortuosa.
China e Índia apresentaram compromissos de redução de intensidade carbônica, ou seja, o CO2-equivalente emitido por unidade do PIB. Respectivamente, cortes de 45% e 24% até 2020, no máximo. Foi preciso estimar quanto cada um estaria emitindo em 2020, caso mantenham a mesma intensidade de 2005, para então aplicar a meta de redução e chegar à diferença percentual.
O caso brasileiro é especial em três aspectos. Primeiro, por ser o único da tabela em que os dados de emissões incluem mudanças do uso da terra (leia-se: desmatamento). Como a destruição de florestas representa mais da metade das emissões e das metas de redução nacionais, tal contribuição -que não pesa tanto no perfil de outros países- não podia deixar de ser computada.
O Brasil se destaca dos companheiros de Bric, em segundo lugar, por ter acabado de anunciar um inventário com as emissões de 2005. Ainda que preliminar, é um dado oficial, e não um chute: 2,2 bilhões de toneladas de CO2-equivalente. Mais do que Índia e Japão.
Apenas 11 dias antes, o governo federal havia anunciado a intenção de reduzir entre 36% e 39% o que se projeta como emissões de 2020 (2,7 bilhões de toneladas). Em números redondos, chegar a 1,65 bilhão de toneladas, ou 25% menos que em 2005.
É um compromisso comparável ao da União Europeia (-24%), além de bem mais ambicioso que o dos EUA (-17%). A terceira peculiaridade brasileira é o fato de suas metas serem muito melhores que aquelas com percentuais alarmantes de crescimento líquido sobre 2005 embutidos nas propostas chinesa e indiana (120% e 73%, respectivamente).

Impasse político
Já se calculou que, para não ultrapassar o aumento da temperatura média global de 2C, considerado perigoso, a emissão de CO2 em 2020, no mundo todo, precisa cair para 44 bilhões de toneladas. Mais da metade disso estará sendo lançado só pela China e pela Índia, duas das nações mais pobres, mais populosas e que mais crescem no mundo.
O Brasil tem a gordura do desmatamento para queimar. Eles, não. Só vão ceder mais que isso, como necessita o planeta, se os países ricos também avançarem muito em suas próprias metas de redução, em fundos para financiar ações de mitigação e adaptação nos países pobres e na cessão de tecnologias para permitir-lhes uma guinada urgente na trajetória de desenvolvimento.


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