São Paulo, quinta-feira, 08 de março de 2007

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Em busca da mulher completa

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, diz em entrevista à Folha que a realização profissional não é tudo

PEDRO DIAS LEITE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

T ida como a mulher mais poderosa do governo Lula, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, 59, afirma que a realização profissional não é tudo. "A gente tem de buscar ser uma mulher completa. Mas não pode deixar de considerar que é muito importante ter filhos", disse ela, mãe de uma filha, à Folha. Para ela, uma função primordial da mulher é "procriar", embora o mundo moderno apresente desafios como a inserção profissional. Numa conversa de dez minutos em seu carro, entre um compromisso e outro ontem à noite, a ministra disse que "a situação da mulher ainda é muito difícil no século 21" e ironizou a fama de mulher dura: "Nunca vi ninguém dizer que um homem é duro".

 

FOLHA - No século 21, ainda é mais difícil ser mulher do que ser homem?
DILMA ROUSSEFF
- Sem dúvida nenhuma. A partir da Segunda Guerra Mundial, quando a mulher entra no mercado de trabalho, você não teve um tempo histórico suficiente para mudar as condições milenares que tornaram a mulher responsável por umas coisas, e os homens responsáveis por outras. No século 21, a conquista da tecnologia implica também uma liberação do homem de certo tipo de atividade. Isso ainda não está concretizado.
Então nesse período de transição, as mulheres têm algumas obrigações que são duplas: heranças do passado e movimentos do futuro. A gente passa a ter um peso em algumas coisas muito forte. Mas eu acho também que tem vantagens, as mulheres estão, ainda de forma insuficiente, conquistando trabalhos menos pesados. Mas temos uma função fundamental na humanidade, que é procriar. Ninguém está dizendo que a mulher é só para ter filho, mas ela é para isto, do ponto de vista até da nossa sobrevivência enquanto espécie.
Hoje, ainda, você tem um conjunto de mulheres, nas classes mais pobres, no mundo inteiro, que são chefes de família, que têm de assumir essa condição sozinhas, com empregos precários e em condições realmente difíceis.

FOLHA - A senhora ocupa um dos cargos mais importantes do país. Já enfrentou algum preconceito nesse cargo, por ser mulher?
DILMA
- Tem uma reação básica em relação a uma mulher desempenhando certas funções. É que tem um estereótipo que é exigido da mulher, uma função de subordinação. Uma mulher que, pela sua função tem atividades que implicam mando, ordenar, ter decisões, é vista como uma mulher dura. Cercada de homens meigos. O grande preconceito contra mim é eu ser uma mulher dura cercada de homens meigos, muito meigos.

FOLHA - É preconceito dizerem que a senhora é dura? A senhora não é dura?
DILMA
- De uma certa forma, é. Nunca vi ninguém dizer que um homem é duro.

FOLHA - A senhora já disse que, com 28 anos, toda subida era descida. A senhora foi guerrilheira e hoje é ministra. Que conselhos daria à nova geração de mulheres?
DILMA
- Eu acho que a gente tem de buscar ser uma mulher completa. É importante a realização profissional, que a gente se esforce para se capacitar. Mas não pode deixar de considerar que é muito importante ter filhos, se realizar também enquanto mulher. E acho sobretudo que não podemos deixar de sonhar, de querer mais, de achar que é possível, de, em que pesem as adversidades, ou seja, mulheres duras em meio de homens meigos, a gente tem de persistir.

FOLHA - É um conselho de mãe?
DILMA
- Foi muito importante na minha vida ser mãe. Eu tinha 28 anos, me achava um tanto quanto velha para ser mãe. Eu tenho um arrependimento. Queria ter tido mais filhos, tenho uma filha só, que vai fazer 30. Acho que é importante. Um ator italiano respondeu a uma pergunta: O que você leva da vida? A família, os filhos, os amigos e os amores. E, do ponto de vista pessoal, é isso. Do ponto de vista da história do país, você leva também um país desenvolvido, não injusto, em que tenha um valor fundamental em transformar o nosso povo em cidadão. Da vida a gente leva isso também. O papel do governo Lula é provar que é possível que o país cresça, e seu povo também, tanto homens quanto mulheres.

FOLHA - A secretaria para mulheres é suficiente?
DILMA
- Sinalizar que a questão da mulher merece uma política específica -porque você tem violência específica contra a mulher, tratamento desigual, mercado de trabalho em que as mulheres ganham menos que os homens, a participação delas em cargo de chefia não corresponde inclusive à presença delas em algumas atividades.
Do ponto de vista cultural, você ser capaz de, mantendo as diferenças, ter uma educação e uma cultura que promovam mulheres mais conscientes dos seus direitos, mais solidárias, é algo fundamental para uma sociedade. A mulher é muito importante na estruturação de uma sociedade equilibrada e não violenta.
Dentro de uma família, a mulher tem um papel estratégico. Não só é a âncora, como a alavanca. E é difícil ser ao mesmo tempo âncora e alavanca.

FOLHA - Como se dá com sua filha?
DILMA
- Eu me dou muito bem com ela.


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