São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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CHOQUE

Especialistas pedem amplo debate entre muçulmanos, novas iniciativas para promover conciliação e esforços para evitar que islamismo seja associado a terrorismo enquanto manifestações antiamericanas e discriminações religiosas se intensificam. Se muçulmanos esperavam uma discussão sobre a política externa dos EUA, Washington queria um debate em torno da ilegitimidade de atos de violência como meio para obter quaisquer que sejam os objetivos.

Cresce fosso entre islã e Ocidente

PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

Osama bin Laden, considerado o autor intelectual dos atentados de 11 de setembro, disse que queria ampliar o fosso entre muçulmanos e não-muçulmanos. Um ano depois, o "progresso" que obteve é inconteste, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Cresceram a islamofobia e o antiamericanismo. Líderes religiosos norte-americanos, como o reverendo Franklin Graham, condenaram o islamismo como "diabólico". Segundo o Conselho para Relações Americano-Islâmicas, com sede em Washington, os ataques afetaram profundamente a vida dos muçulmanos nos EUA. A maioria deles (57%) afirma ter passado por algum tipo de discriminação desde então. Foram registrados mais de 2.000 atos de violência contra muçulmanos norte-americanos no último ano.
"A cruzada anunciada pelo presidente George W. Bush e a opção exclusiva entre o bem e o mal não contribuíram muito para um diálogo", afirma o teólogo saudita Ahmad ibn Sayfuddin. "A guerra contra o terror, para muitos muçulmanos, tem o islã como alvo, basta ver as detenções com base apenas na aparência. O amálgama de islã e terror ressurgiu para justificar ações militares", diz.
Embora os EUA tenham elogiado a cooperação de seus aliados árabes na campanha contra o terrorismo, aumentam os protestos contra a política norte-americana.
"A relação dos países do Oriente Médio com os EUA, à exceção de Israel, decaiu muito", afirma Rosemary Hollis, chefe do Departamento de Oriente Médio no Instituto Real de Relações Internacional de Londres. "A frustração com a ausência de um diálogo deu lugar ao antiamericanismo."
Em abril, depois de proibida uma de suas manifestações, estudantes egípcios atacaram um restaurante da rede Kentucky Fried Chicken em protesto contra o que consideram um alinhamento americano a Israel.
Em uma ação incomum, manifestantes romperam a proibição saudita contra protestos e organizaram um ato diante do consulado dos EUA em Dhahran (leste).
O apoio americano a Israel e os preparativos para uma operação militar contra o Iraque aumentaram a animosidade. O projeto norte-americano de atacar o Iraque, embora o ditador Saddam Hussein seja acusado de desenvolver armas de destruição em massa, é condenado pelos dirigentes árabes. Para Mohammed Sid Ahmed, editorialista do diário egípcio "Al Ahram", os atentados foram "uma humilhação pessoal [para Bush", que deve ser vingada". "Foi um Pearl Habour e é necessário um Hiroshima/Nagasaki", embora "não haja ligação do Iraque aos atentados".
O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, resumiu, na última quinta-feira, o que pensam muitos árabes e muçulmanos: "Por que deveríamos insistir apenas na implementação das resoluções do Conselho de Segurança por parte do Iraque? E Israel?".
Para Faissal Bodi, especialista em islã, "uma das maiores distorções foi reduzir o complexo mundo islâmico a dois campos, o do bem e o do mal. Os bons são os que capitulam diante da política externa dos EUA. Os maus são os neutros ou discordantes. Outro modo de descrever os dois grupos é: moderados e extremistas. Os primeiros se caracterizam por sua complacência com um antagonismo político mais forte; os últimos, por sua decisão de resistir".
Se os muçulmanos esperavam uma discussão sobre a política externa dos EUA, Washington queria um debate em torno da ilegitimidade de atos de violência como meio para obter quaisquer que sejam os objetivos. Especialistas em islã, como Abdelwahab Meddeb (leia entrevista) e Tariq Ramadan, concordam. Professor de filosofia e islamologia na Suíça, Ramadan defende a necessidade de "renovação intelectual". Ele cita a tradição profética segundo a qual, "a cada século, Deus envia à comunidade [islâmica] alguém para renovar a religião", o que não significa pôr em xeque as Escrituras.
"Reler os textos e reorientar o pensamento em sociedades menos desenvolvidas e muitas vezes submetidas a ditaduras exige paciência, conhecimento e pedagogia", afirma Ramadan.
Uma das iniciativas positivas na promoção do diálogo inter-religioso é o "Egito pela Cultura e pelo Diálogo", liderada pelo egípcio Muhammad Selim al Awa.
A comunidade islâmica dos EUA anunciou para 11 de setembro um "dia nacional de união e oração". "Uma mensagem unificada de harmonia por parte de organizações islâmicas americanas vai motivar todas as pessoas de boa vontade a transformar a memória de 11 de setembro em um apelo pela paz, pela aceitação mútua e pela harmonia", disse Sayyid Muhammad Syeed, secretário-geral da Sociedade Islâmica da América do Norte.
No dia 11 de setembro, horas após os atentados, grupos muçulmanos emitiram um comunicado conjunto em que condenavam "totalmente esses atos de terrorismo viciosos e covardes contra civis inocentes. Nós nos unimos a todos os americanos para pedir a imediata detenção e a punição dos responsáveis. Nenhuma causa política poderia ser auxiliada por tais atos imorais".


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