São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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Islã vive crise sem precedentes, diz especialista

DA REDAÇÃO

O islã enfrenta o pior momento de sua história, pois exclui "qualquer forma de pensamento". A afirmação é do escritor tunisiano Abdelwahab Meddeb, 46. A seguir, trechos da entrevista. (PDF)

Folha - O islã e o mundo árabe estão em crise? Por quê?
Abdelwahad Meddeb -
Sim, o islã está doente, atravessa o pior momento de sua história. Aparentemente, o islã progride, pois houve um impressionante crescimento na Ásia, na África e em outras regiões e um renascimento nos Bálcãs e no Cáucaso, mas são questões superficiais. Na estrutura profunda, o islã está em crise. Distanciou-se da civilização há tempo. Agora, difunde-se só sob o princípio da prática, que exclui qualquer forma de pensamento. O islã seria uma entidade viva se, de um lado, tivesse retomado toda a pertinência de sua tradição, do que produziram sua mística, a teologia racionalista, sua tradição de exegese, e, de outro, tentasse atualizar-se.

Folha - Os atentados produziram debates na comunidade islâmica? Em que medida?
Meddeb -
Não muito, mas há textos escritos por muçulmanos que tentam denunciar os aspectos negativos atuais. Na tradição, quando perguntamos "o que é o islã?", explicam-nos um conceito metafísico, jamais nos dizem que seja a "sharia" [lei religiosa". Quando perguntamos o que é o islã, nos dizem que é o "tawhid", o monoteísmo absoluto. Hoje, muitos muçulmanos dizem que é a aplicação da lei religiosa, com todas as aberrações. Alguns juristas procuram colocar lado a lado os aportes jurídicos do Alcorão e os do Estado moderno e dos direitos humanos.

Folha - Algum movimento tenta demonstrar que o islã vai além da "sharia"?
Meddeb -
Há intelectuais que reagem à predominância da "sharia". Há um escritor sírio que diferencia na mensagem corânica dois conceitos: "mu'min", que seria o crente próprio da religião islâmica, e "muslim", que transcende o islamismo e que seria simplesmente a quintessência do espírito religioso. Por isso, diz-se que Abraão era muçulmano. Os que reconhecem o princípio de Deus único, absoluto, e que se submetem a esses princípios se tornam muçulmanos.

Folha - Há fatores externos que exacerbam o extremismo?
Meddeb -
Sem dúvida. O principal é a política de dois pesos, duas medidas. O fato de que os EUA nunca exigiram de Israel a adoção das resoluções da ONU exacerba o ressentimento. Essa impunidade de Israel diante da punição de contraventores como o Iraque exacerba o ressentimento. Além disso, o Ocidente apóia aliados despóticos no mundo islâmico. Por fim, há a exclusão do islã, embora ele tenha participado da formação da Europa moderna e do Ocidente.


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