São Paulo, terça-feira, 09 de julho de 2002 |
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DESEMPREGO INICIATIVA TENTA REDUZIR CRIME ENSINANDO OFÍCIO
TIAGO AGUIAR DA EQUIPE DE TRAINEES Célio Nunes Ferreira, 17, é uma exceção em Campo Limpo (zona sul de São Paulo), região que tem 40% dos moradores em idade de trabalho ociosos. Ele tem um emprego fixo. Célio, que fez um curso profissionalizante de telemarketing e comércio no primeiro semestre de 2001, trabalha atualmente num supermercado da rede Pão de Açúcar como cartazista. O curso é um dos 15 organizados pela Ação Comunitária do Brasil (ACB), que escolheu Campo Limpo devido ao quadro de violência, ausência de Estado e carência generalizada que caracteriza a região -uma mancha urbana de 98,8 km2 onde vivem mais de 860 mil pessoas. No semestre passado, a região teve que viver algumas semanas sob toque de recolher. Traficantes do Jardim Macedônia e do Jardim das Rosas disputaram o domínio sobre pontos de venda de drogas e decretaram que os moradores deveriam deixar as ruas às 19h. A situação perdurou até o grupo do Jardim Macedônia estabelecer a supremacia no tráfico local. Combater o desemprego é uma das formas de reduzir os índices de criminalidade a médio e longo prazo. Segundo especialistas, populações com taxas de desocupação baixas tendem a ter menores índices de violência. A ACB iniciou suas atividades em 1967, por iniciativa de empresários paulistas que mantêm doações anuais para a instituição -no ano passado foram R$ 773.926,00. O restante da renda da ACB -R$ 1,2 milhão- provém da venda de produtos da associação ou que levam o seu nome. Na região de Campo Limpo, 15 comunidades têm cursos de telemarketing da ACB, que duram 20 semanas, voltados para jovens de 15 a 21 anos. Os números referentes a todas as iniciativas profissionalizantes da ACB no ano passado registram 1.527 jovens beneficiados pelos cursos e um orçamento total de R$ 615.274,00 -um investimento por aluno de R$ 402,92. Na comunidade de Prestes Maia são atendidos 50 alunos por semestre. Os jovens recebem certificados do Senai -que avalia o curso em conjunto com a auditoria Andersen. E são selecionados por empresas, que patrocinam a ACB, para trabalhar em suas lojas e setores de atendimento. Além de formar profissionais, a ACB procura fazer um acompanhamento deles no primeiro ano no novo emprego. A pedagoga que coordena o curso da ACB na região de Prestes Maia, Zilda Aparecida de Assis Bastos, 48, diz que a preocupação principal das aulas é garantir que os adolescentes tenham uma atividade que ocupe o seu tempo ocioso e garanta a eles possibilidades de disputar um emprego. A iniciativa da ACB em Prestes Maia funcionou no caso de Célio, mas isso não é uma regra geral. Willian da Silva, 23, que fez o curso da ACB junto com Célio, ainda está desempregado e conta a história de dois amigos que entraram para o tráfico de drogas. "Eles se envolveram com o crack e a cocaína. Sempre tiveram família. Agora, eles não servem para nada. São loucos já. Um anda perambulando por aí, e o outro está internado e não tem mais jeito", conta. Desemprego e crime A relação entre os índices de desemprego e de violência existe, mas não é direta e imediata. Ninguém que perca o emprego hoje se tornará um assaltante de banco no dia seguinte, segundo estudos. De acordo com pesquisas do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente), o recém-desempregado irá tentar uma recolocação no mercado por um certo tempo. Depois, poderá recorrer a subempregos e biscates, fará uso das economias pessoais, do salário-desemprego e da ajuda de parentes e amigos. Sem garantias O pesquisador Tulio Kahn, 37, consultor da Brasiliano Associados, aponta as condições ruins de salário e empregabilidade no Brasil como uma das causas da criminalidade. Para ele, estar empregado não é garantia de que a pessoa não vá cometer crimes. E completa: "As carreiras dos criminosos se alternam. Ora estão empregados, ora estão no mercado informal, ora cometendo crimes". As iniciativas com preocupação de garantir inserção e manter um acompanhamento dos seus alunos no mercado de trabalho são ótimas inibidoras de carreiras criminosas, dizem os especialistas. A faixa etária que vai dos 15 aos 24 anos é, universalmente, a mais propensa para o ingresso no mundo criminal. À medida que os jovens se defrontam com um mercado de trabalho restrito, eles sofrem frustrações pessoais. Isso pode estimular a assimilação de outros valores morais de convívio social, com o crime passando a ser uma alternativa viável para promover a ascensão econômica rápida. Os projetos de capacitação profissional de jovens da periferia são uma forma de combate eficiente à violência, também segundo Luis Flavio Sapori, 36, pesquisador da Fundação João Pinheiro e professor de sociologia da PUC-MG. "Esse tipo de projeto pode ajudar a evitar que esses jovens sejam facilmente cooptados pelo crime", afirma Sapori. Por causa do desemprego atual, os próximos anos podem assistir a um crescimento ainda maior da criminalidade. Ainda nas palavras de Sapori, "esses últimos seis anos de taxas de desemprego crescentes estão forjando uma geração de jovens criminosos". Texto Anterior: FOLHA TRAINEE Iniciativas contra sete gatilhos da violência urbana Próximo Texto: 'Curso me deu mais segurança' Índice |
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