São Paulo, quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

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CLÁUDIA COTES

Mídia acessível

Fonoaudióloga supera deficiências da comunicação com TV inclusiva

BRUNA MARTINS FONTES
EDITORA-ASSISTENTE DE SUPLEMENTOS

O tempo não para a irrequieta Cláudia Cotes. Dificuldades, tampouco. "Quando acho as coisas fáceis, vou buscar desafios. Dava aula de manhã, fazia fonoaudiologia à tarde e letras à noite", completa a também mestra, doutora, fonoaudióloga, escritora, mãe de dois e coração do projeto Vez da Voz.
O dia a dia agitado vem da infância, quando pegou o costume de almoçar no carro para acompanhar à escola o irmão, Paulo, que nasceu com síndrome de Down. "A rotina com um deficiente é imprevisível, tem que batalhar todo dia", conta.
Esse espírito brigador, segreda Cláudia, é herança de pais e irmãos guerreiros. Com Paulo, reforçou o traço da personalidade solidária e movida a trocas. "O que um Down sente, logo fala. Essa energia que entra em mim e já sai me dá forças."
As limitações e os preconceitos impostos a ele e à família a fizeram pensar: por que o mundo de Paulo não poderia ser o dela? Nascia aí a ideia de expandir as fronteiras da comunicação e aproximar realidades.
Em um dia de 2004, falou por telefone com o irmão, que a agradeceu por um presente. Horas mais tarde, ele morreu. As palavras, porém, ficaram rondando. "A última frase que ele me disse foi "obrigado". Tentei entender por quê", lembra.
O sentido só veio pela intuição, a que Cláudia sempre ouve, grave, para sentir o que vai expressar. "Foi quando decidi fundar a Vez da Voz, para mostrar que a pessoa com deficiência precisa ter voz e vez", diz.
O canal para essa visibilidade foi o telejornalismo, familiar à fonoaudióloga especializada em treinar repórteres de TV.
Assim foi ao ar o Telelibras, um telejornal para quem não vê, não ouve ou tem dificuldades de compreensão.
Lá, os deficientes protagonizam a produção apresentando e interpretando conteúdo com recursos como a audiodescrição e a Libras (Língua Brasileira de Sinais), com intérpretes em tamanho real na tela, e não reduzidos a um quadradinho.

Mãezona, mas diferente
E ela comanda a turma com contornos de mãezona: de olho em tudo, ensina, cobra, cuida. Mas avisa: "Não vou dar de mamar a ninguém. A mãe que superprotege e não deixa crescer é o que eu não quero ser".
As muitas trocas no convívio com deficiências aguçaram seus sentidos e deixaram fluir a inspiração já latente na adolescência, época em que gostava de poesia e queria ser escritora.
"No projeto, comecei a respeitar essa arte dentro de mim", conta. Autora de dez livros para crianças com deficiências ou doenças, quer cultivar o simbólico e a fantasia no fechado mundo de deficientes.
"O surdo não tem esse universo de sonho. É um mundo bem sombrio, porque falta o lúdico. Numa sala de surdos com uma média de 12 anos, eles não sabiam o que era a Chapeuzinho Vermelho", lembra.
Poucas coisas, como escrever para crianças com Aids e câncer, a fazem parar um instante, mas não para dar meia-volta. "Não tenho medo de desafio, tenho respeito. Penso que não veio por acaso: posso trabalhar algo em mim e transformar."


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