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Tatame também abriga aula para vida
O fundador do judô, Jigoro Kano, era educador e foi
dono de escola de inglês antes
de abrir sua academia. O "Pelé do tatame", Yasuhiro Yamashita,
invicto ante estrangeiros
nas 559 lutas que fez, atualmente
ensina na graduação de
professores em uma faculdade
deeducação física.
Um exemplo remoto e um
atual ilustram a ligação entre a
modalidade e o ensino.Umvínculo
tão forte que leva o país de
maior êxito nos tatames a ter o
judôcomodisciplina escolar.
No Japão, que tanto se orgulha
de ser o berço de uma das
raras modalidades olímpicas
em que os contendores se curvam
em sinal de respeito antes
e após o combate, o judô transcendea
importância esportiva.
"Uma das razões do sucesso
do judô no Japão é o fato de ser
incentivado nas escolas. Passa
valor educacional, calcado na
humildade e no espírito esportivo.
Tem apoio da sociedade",
diz Yamashita, dono de um ouro
olímpico e nove Nacionais
na classe sem limite de peso.
Hoje docente na Universidade
deTokai, ele vai à etimologia
do termo judô para explicar sua
influência na sociedade.
"O significado de 'Do' é 'caminho'.
Os valores transmitidos
pelo esporte se aplicam à
vida de muitos japoneses. "Os valores a que ele se refere
são resumidos na fórmula "melhor
uso da energia e bem-estar
mútuo", cunhada pelo fundador
do judô, Jigoro Kano, para
nortear amodalidade.
"Significa conseguir o resultado
máximo com o mínimo
uso de força e valorizar o oponente.
Sem ele um judoca não
tem como evoluir", conta o professor
Naoki Murata, curador do museu do Kodokan, instituto
fundado por Kano em 1882.
Na prática, diz ele, com autoridade
de faixa-preta 7º dan, isso
aparece na incessante busca
pelo ippon. "Ensinamos a busca
pelo golpe perfeito. Por isso,
nos eventos japoneses não há
koka [menor pontuação internacional,
atribuída ao atleta
que fazo rival cairsentado]."
De fato. Nas mais de três horas
de treino de luta que a Folha
presenciou em Tokai, com
os 65 faixas-pretas da equipe
nas quatro categorias acima de
81 kg, os judocas sempre buscaram
técnicas para finalizar os
combatesdemaneira súbita.
Golpes que costumam render
menos pontos "catadas de
perna e técnicas de projeção lateral" não foram vistos.
Quando atacados, os universitários
não retraíam o corpo,
abaixando o quadril de forma
defensiva. Sempre tentavam
posição para contra golpear.
"O objetivo é jogar, não fazer
pontos. A responsabilidade do
judô japonês é expandir isso,
que é o judô correto.A questão
não é vencer a luta, mas perseguir
esse golpe", resume Ken
Agemizu, técnico de Tokai.
Com a diretriz, ele mantém
na equipe até quem não tem
ambição no plano esportivo.
É o caso de Kentaro Kodoma, 21, que já abandonou há tempos
o sonhode chegar à seleção.
"É meu último ano como competidor
universitário. Quero
me formar e ensinar o judô para
crianças", comenta o estudantede
educação física.
Ele avalia que o judô o tornou
mais esforçado e disciplinado, o
que tentará transmitir aos seus
alunos. A missão que o futuro
professor se impõe é realizada
diariamente no Kodokan, berço
da modalidade.
Foi em sua academia que Jigoro Kano
rompeu com a tradição
dos mestres do jiu-jitsu japonês
e, em vez de transmitir
secretamente as técnicas para
apenas seu discípulo mais graduado,
democratizou o ensino.
"Kano ensinou também às
mulheres.E, como falava inglês
perfeitamente, exportou o judô",
comenta Murata, para narrar
como e por que o judô suplantou o jiu-jitsu no Japão.
Hoje, meninos e meninas, a
partir dos quatro anos, dividem
o tatame do Kodokan nas aulas
para iniciantes.
Apesar de preservar as tradições,
a academia é permeável a
novidades vindas do exterior,
como relata Mikihiro Mukai,
chefedotreinamento infantil.
"Em 12 anos como treinador
da seleção júnior feminina, notei
que as crianças se divertiam
mais nas aulas fora do Japão do
que aqui, onde são ensinadas
de formamais severa e disciplinada.
Quando assumi o posto
no Kodokan, em 2005, mudei
um pouco as aulas, estimulando
o lado lúdico, orientando as
crianças a imitar bichos como
gorila, canguru, rã, camarão..."
Deu certo. Hoje há mais
crianças na academia. E elas
aprendem brincando. Imitações
de animais são as posições
usadas nosgolpesmais tarde.
Mas a influência estrangeira
demandou uma contrapartida.
Com a profusão de golpes
'importados' de outras lutas
nos eventos internacionais, em
que raramente os mais novos
têm condições de ver algumas
técnicas 'puras', a solução foi
incentivar eventos dekata 'luta
simulada, com demonstração de golpes em duplas.
"É o básico da modalidade.
Incentivamos a presença das
crianças nos torneios de kata,
para que vejam as técnicas perfeitas",
conta o 8º dan Saburo
Matsushita, diretor de instrução do Kodokan. (LUÍS FERRARI)
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