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ENTREVISTA HILÁRIO FRANCO JÚNIOR
"Maracanazo" social é o maior risco da Copa-2014
Para historiador da USP, sociedade brasileira superou "complexo de vira-latas", acentuado após a derrota
de 1950, mas não o modo de ser baseado no improviso
DE SÃO PAULO
O que aconteceria com o
Brasil se, em 2014, ocorresse
uma reedição do "Maracanazo" de 1950, e a seleção voltasse a fracassar em casa?
Para Hilário Franco Júnior,
professor da pós-graduação
em história social da USP e
autor de "A Dança dos Deuses - Futebol, Sociedade, Cultura", quase nada mudaria.
O historiador diz que o
maior risco que o país corre
não é uma derrota esportiva
em 2014, mas a falta de mudanças estruturais durante a
preparação para o próximo
Mundial.
(CAROLINA ARAÚJO)
Folha - Há pontos em comum
entre a preparação para a Copa de 1950 e de 2014?
Hilário Franco Júnior - A
comparação entre os dois
momentos históricos é inevitável e útil, mas não pode ser
levada muito longe. Nem o
país nem o futebol e, menos
ainda, o mundo são os mesmos. Mas há pontos comuns
inegáveis e preocupantes.
Planejamento e abundância
de recursos não caracterizam
nem aquela época nem agora. A agenda política facilita
os oportunismos, com dois
meses e meio separando o
fim da Copa e as eleições presidenciais e estaduais, tanto
em 1950 como em 2014. E a
população, nos dois momentos, considera a vitória esportiva inevitável e obrigatória.
Que consequências um revés
em 2014 pode trazer para o
Brasil? Como foi em 1950?
O Brasil de 1950 pesava
pouco no mundo em termos
políticos, econômicos e futebolísticos. Então, a derrota
externamente não mudou
nada. Internamente, o gigante de pés de barro que caíra,
em casa, diante do nanico vizinho reforçou aquilo que
Nelson Rodrigues chamaria
de "complexo de vira-latas".
Mas, considerando os dados
de Copas recentes, parece
que, se a vitória de um país
estimula o consumo interno
e mesmo a produtividade, a
derrota não altera muita coisa. O eventual "Maracanazo"
de 2014 que deve preocupar
não é tanto esportivo, mas
social. Vamos aproveitar a
chance para fazer as obras de
infraestrutura necessárias?
Vamos conseguir evitar o
desvio de dinheiro público?
Vamos controlar a violência
com a vinda de centenas de
milhares de estrangeiros?
Apesar do intervalo de seis
décadas entre as duas Copas,
os desafios são os mesmos?
Ainda não foi entre 1950 e
2014 que conseguimos mudar nosso modo de ser coletivo baseado no improviso, no
jeitinho, nas meias soluções
de última hora. Nosso desafio é comportamental. Não
conseguimos ou não queremos antecipar um problema.
Só vamos pensar nele quando estiver grande, e a solução
for mais difícil ou cara. Nos
anos 50 e 60, o slogan de São
Paulo era "a cidade que mais
cresce no mundo", mas o que
se fez para acompanhar esse
crescimento? O metrô ou o
Rodoanel não deveriam ser
obras de hoje, mas de décadas atrás. Não era preciso ter
uma Copa para diagnosticar
que nossos aeroportos são
insuficientes e obsoletos.
Falta mobilização no país para a Copa de 2014? Houve essa
mobilização em 1950?
Raramente ocorre mobilização nacional, em qualquer
país, na fase de preparativos.
As decisões são, ou deveriam
ser, técnicas, logísticas, econômicas, politicas. Os maiores debates se dão entre grupos de interesse, como ocorreu na construção do Maracanã. Também não vejo a Copa-2014 criando grande frisson muito antes de começar,
a não ser na Copa das Confederações, em 2013. Até lá, as
questões serão sobre o estádio paulistano, a reforma do
Maracanã e o andamento das
obras de infraestrutura.
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