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Cartunista criou uma versão urbana do Daime
Artista retirou caráter amazônico de rituais e atraiu intelectuais de classe média
Compositor de um hinário, com cerca de cem músicas, Glauco também tocava acordeão e cantava
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Glauco ajudou a criar uma
versão urbana e menos hierarquizada do Santo Daime, religião que nasceu nas matas do
Acre nas primeiras décadas do
século 20. Foram essas mudanças que atraíram para o Céu de
Maria, o ponto do Daime que
Glauco dirigia em São Paulo,
fiéis mais intelectualizados, como arquitetos, publicitários,
jornalistas e médicos.
"O grande achado do Glauco
foi tirar o Santo Daime da mística da floresta e trazê-lo para
os nossos dias", diz Orlando
Cardoso de Oliveira, 61, o Orlandão, primo do cartunista,
que fundou com ele o Céu de
Maria, em 1991.
Segundo ele, Glauco retirou
do Santo Daime a mística de
que os padrinhos -os líderes
espirituais- eram seres elevados. "Ele tratava todo mundo
como igual, não se colocava
num pedestal. É por isso que
ele atraía os intelectuais".
Glauco seguia uma vertente
do Santo Daime que nasceu nos
anos 70 a partir de uma dissidência fundada por Sebastião
Mota de Melo.
A doutrina original era uma
mistura de cristianismo, espiritismo e práticas xamânicas. As
cerimônias são marcadas por
hinos e pelo uso de ayahuasca,
chá feito com duas plantas
amazônicas, uma das quais tem
efeito alucinógeno.
Diz a história oral que o criador do Santo Daime, Raimundo
Irineu Serra (1892-1971), conhecera o ayuhasca pelas mãos
de um xamã peruano. Sebastião acrescentou à essa mistura
o uso ritual da maconha.
O governo brasileiro oficializou em janeiro deste ano o uso
ritual do ayuhasca.
Apesar da ira dos mais conservadores contra o chá, o Santo Daime ganhou fama entre os
mais jovens pela sua capacidade de recuperar dependentes
de drogas e de álcool. O próprio
Glauco dizia que abandonara a
cocaína e a bebida graças ao
Daime.
"O Daime reabilita mesmo.
Meu marido era viciado e parou. Perdeu a obsessão que tinha pela droga", diz a fotógrafa
Janete Longo.
Isso ocorre, segundo ela, porque a religião mescla autoconsciência, psicanálise e cristianismo. Longo afirma que 70% dos
fardados -o jargão que designa
os frequentadores dos cultos-
eram dependentes de álcool ou
drogas. No ano passado, 11 mil
passaram pelos cultos do Céu
de Maria, segundo Orlandão.
Longo refuta a ideia de senso
comum de que o chá é alucinógeno. "Os bebês são batizados
com um pouquinho de ayahuasca e não acontece nada".
Como outros líderes do Daime, Glauco compôs um hinário, com cerca de cem músicas.
Nos rituais, ele tocava acordeão
e cantava músicas em homenagem a Jesus, a São Sebastião, ao
Natal, ao Dia dos Pais, em meio
a rezas cristãs, como o Pai Nosso e a Ave Maria.
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