São Paulo, sábado, 13 de março de 2010

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Cartunista criou uma versão urbana do Daime

Artista retirou caráter amazônico de rituais e atraiu intelectuais de classe média

Compositor de um hinário, com cerca de cem músicas, Glauco também tocava acordeão e cantava

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Glauco ajudou a criar uma versão urbana e menos hierarquizada do Santo Daime, religião que nasceu nas matas do Acre nas primeiras décadas do século 20. Foram essas mudanças que atraíram para o Céu de Maria, o ponto do Daime que Glauco dirigia em São Paulo, fiéis mais intelectualizados, como arquitetos, publicitários, jornalistas e médicos.
"O grande achado do Glauco foi tirar o Santo Daime da mística da floresta e trazê-lo para os nossos dias", diz Orlando Cardoso de Oliveira, 61, o Orlandão, primo do cartunista, que fundou com ele o Céu de Maria, em 1991.
Segundo ele, Glauco retirou do Santo Daime a mística de que os padrinhos -os líderes espirituais- eram seres elevados. "Ele tratava todo mundo como igual, não se colocava num pedestal. É por isso que ele atraía os intelectuais".
Glauco seguia uma vertente do Santo Daime que nasceu nos anos 70 a partir de uma dissidência fundada por Sebastião Mota de Melo.
A doutrina original era uma mistura de cristianismo, espiritismo e práticas xamânicas. As cerimônias são marcadas por hinos e pelo uso de ayahuasca, chá feito com duas plantas amazônicas, uma das quais tem efeito alucinógeno.
Diz a história oral que o criador do Santo Daime, Raimundo Irineu Serra (1892-1971), conhecera o ayuhasca pelas mãos de um xamã peruano. Sebastião acrescentou à essa mistura o uso ritual da maconha.
O governo brasileiro oficializou em janeiro deste ano o uso ritual do ayuhasca.
Apesar da ira dos mais conservadores contra o chá, o Santo Daime ganhou fama entre os mais jovens pela sua capacidade de recuperar dependentes de drogas e de álcool. O próprio Glauco dizia que abandonara a cocaína e a bebida graças ao Daime.
"O Daime reabilita mesmo. Meu marido era viciado e parou. Perdeu a obsessão que tinha pela droga", diz a fotógrafa Janete Longo.
Isso ocorre, segundo ela, porque a religião mescla autoconsciência, psicanálise e cristianismo. Longo afirma que 70% dos fardados -o jargão que designa os frequentadores dos cultos- eram dependentes de álcool ou drogas. No ano passado, 11 mil passaram pelos cultos do Céu de Maria, segundo Orlandão.
Longo refuta a ideia de senso comum de que o chá é alucinógeno. "Os bebês são batizados com um pouquinho de ayahuasca e não acontece nada".
Como outros líderes do Daime, Glauco compôs um hinário, com cerca de cem músicas. Nos rituais, ele tocava acordeão e cantava músicas em homenagem a Jesus, a São Sebastião, ao Natal, ao Dia dos Pais, em meio a rezas cristãs, como o Pai Nosso e a Ave Maria.


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